laranja 300x199 Agrotóxicos e a ideia de sustentabilidade
Produção de laranja. Foto: Agriculturasp / Creative Commons
Diante da sensação de finitude que prosperou nas três últimas décadas no planeta, quem mais sujou precisou tratar de limpar seus pecados no confessionário da mídia.
Entre os significados da palavra sustentável, um se refere àquilo que se pode manter. Uma empresa, por exemplo, para continuar no mercado, precisa manter lucros. Talvez seja essa a ideia de sustentabilidade de que se apropria a divulgação de nove entre dez fabricantes multinacionais de agrotóxicos, todas se dizendo praticantes da nova religião.
Quem dera. Seria um curioso conceito genérico alimentando princípios ativos tão específicos.
A verdade é que nas três últimas décadas proliferou no planeta uma sensação de finitude, provocada por séculos de pé na tábua da industrialização e inadequado uso de recursos naturais. Quem mais sujou, precisou tratar de limpar seus pecados no confessionário da mídia. Pensaram poder, pelo menos, ganhar o purgatório.
Vez ou outra parece que uma boa nova está no ar. Como agora. A gigante suíça Syngenta anunciou certo The Good Growth Plan, um rosário de boas intenções para a agricultura, o meio ambiente e até para os lavradores. (Se quiserem conhecer mais o documento, acessem aqui).
Não critico. Aguardo. Embora o adiantado da hora não me dê esperança de um dia alvissarar. Só peço que não venham com a velha história de que usando seus químicos para aumentar a produtividade poupa-se a expansão de áreas plantadas e, assim, pratica-se agricultura sustentável, tônica ruralista que consta do pomposo Relatório Anual de Sustentabilidade da empresa.
Nessa levada, como já escrevi aqui e acolá, deixar-se-ia de lado o aviãozinho sobrevoando lavouras e espalhando agrotóxicos até chegarem a tetas leiteiras e escolas rurais, a saturação de fertilizantes químicos não aproveitados nos solos e o bolso dos agricultores, que sabem o custo de abrir áreas de plantio em regiões cada vez mais distantes e sem infraestrutura logística.
É antiga a Syngenta. Começou em 1758, como Geigy. Hoje, está em 90 países e mantém 27 mil empregados, sendo 2 mil aqui. No primeiro semestre de 2013, suas vendas mundiais cresceram 2%, em relação ao mesmo período do ano anterior. Chegaram a 8,4 bilhões de dólares, com destaque para os “dois dígitos” obtidos nos mercados emergentes. Herbicidas, fungicidas e inseticidas representaram 90% das vendas. Em sementes, manda a Monsanto.
Claro que “o auxílio luxuoso de um pandeiro” foi fundamental. Afinal, segundo a Associação Nacional de Defesa Vegetal (ANDEF), o faturamento do setor, na Federação de Corporações Brasil, cresceu 32% no primeiro semestre deste ano.
Notem como a Syngenta olha para si mesma: “Somos uma organização de âmbito mundial, fortemente comprometida com o desenvolvimento de uma agricultura sustentável, que garanta a segurança alimentar da população e a conservação dos recursos naturais”. Suposto bom-mocismo que a fez auferir 2,2 bilhões de dólares de lucro no último semestre.
Não é esse, no entanto, o olhar preocupado que três instituições, historicamente ligadas ao conhecimento científico na área da saúde, dirigem à nossa liderança planetária em vendas de agrotóxicos.
Relatório publicado no início de setembro e assinado por Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Instituto Nacional do Câncer (Inca) e Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) aponta que tal liderança “gera um contexto de alto risco e exige ações prementes de controle e de transição para modelos de produção agrícola mais justos, saudáveis e sustentáveis”.
É uma resposta às críticas que a ANDEF faz ao documento Dossiê Abrasco – Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na Saúde, disponível aqui.
A generalização que leva o sustentável a qualquer nota já me fez perguntar o que seria insustentável.
Fácil, não?
* Rui Daher é colunista de Carta Capital.
** Publicado originalmente no site Carta Capital.
(Carta Capital)