Entre os significados da palavra sustentável, um se refere àquilo que se pode manter. Uma empresa, por exemplo, para continuar no mercado, precisa manter lucros. Talvez seja essa a ideia de sustentabilidade de que se apropria a divulgação de nove entre dez fabricantes multinacionais de agrotóxicos, todas se dizendo praticantes da nova religião.
Quem dera. Seria um curioso conceito genérico alimentando princípios ativos tão específicos.
A verdade é que nas três últimas décadas proliferou no planeta uma sensação de finitude, provocada por séculos de pé na tábua da industrialização e inadequado uso de recursos naturais. Quem mais sujou, precisou tratar de limpar seus pecados no confessionário da mídia. Pensaram poder, pelo menos, ganhar o purgatório.
Vez ou outra parece que uma boa nova está no ar. Como agora. A gigante suíça Syngenta anunciou certo The Good Growth Plan, um rosário de boas intenções para a agricultura, o meio ambiente e até para os lavradores. (Se quiserem conhecer mais o documento, acessem aqui).
Não critico. Aguardo. Embora o adiantado da hora não me dê esperança de um dia alvissarar. Só peço que não venham com a velha história de que usando seus químicos para aumentar a produtividade poupa-se a expansão de áreas plantadas e, assim, pratica-se agricultura sustentável, tônica ruralista que consta do pomposo Relatório Anual de Sustentabilidade da empresa.
Nessa levada, como já escrevi aqui e acolá, deixar-se-ia de lado o aviãozinho sobrevoando lavouras e espalhando agrotóxicos até chegarem a tetas leiteiras e escolas rurais, a saturação de fertilizantes químicos não aproveitados nos solos e o bolso dos agricultores, que sabem o custo de abrir áreas de plantio em regiões cada vez mais distantes e sem infraestrutura logística.
É antiga a Syngenta. Começou em 1758, como Geigy. Hoje, está em 90 países e mantém 27 mil empregados, sendo 2 mil aqui. No primeiro semestre de 2013, suas vendas mundiais cresceram 2%, em relação ao mesmo período do ano anterior. Chegaram a 8,4 bilhões de dólares, com destaque para os “dois dígitos” obtidos nos mercados emergentes. Herbicidas, fungicidas e inseticidas representaram 90% das vendas. Em sementes, manda a Monsanto.
Claro que “o auxílio luxuoso de um pandeiro” foi fundamental. Afinal, segundo a Associação Nacional de Defesa Vegetal (ANDEF), o faturamento do setor, na Federação de Corporações Brasil, cresceu 32% no primeiro semestre deste ano.
Notem como a Syngenta olha para si mesma: “Somos uma organização de âmbito mundial, fortemente comprometida com o desenvolvimento de uma agricultura sustentável, que garanta a segurança alimentar da população e a conservação dos recursos naturais”. Suposto bom-mocismo que a fez auferir 2,2 bilhões de dólares de lucro no último semestre.
Não é esse, no entanto, o olhar preocupado que três instituições, historicamente ligadas ao conhecimento científico na área da saúde, dirigem à nossa liderança planetária em vendas de agrotóxicos.
Relatório publicado no início de setembro e assinado por Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Instituto Nacional do Câncer (Inca) e Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) aponta que tal liderança “gera um contexto de alto risco e exige ações prementes de controle e de transição para modelos de produção agrícola mais justos, saudáveis e sustentáveis”.
É uma resposta às críticas que a ANDEF faz ao documento Dossiê Abrasco – Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na Saúde, disponível aqui.
A generalização que leva o sustentável a qualquer nota já me fez perguntar o que seria insustentável.
Fácil, não?
* Rui Daher é colunista de Carta Capital.
** Publicado originalmente no site Carta Capital.
(Carta Capital)
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