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segunda-feira, 2 de julho de 2012

Padrão de (des)ordem da natureza, artigo de Roberto Naime

eco x antropo
Ilustração por José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] A literatura técnica e a própria legislação brasileira através de suas leis e resoluções de órgãos como o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) tem definições para o conceito de meio ambiente.
Em nossa acepção, meio ambiente é o conjunto de relações entre os meios físico, biológico e antrópico. Podemos dizer que meio ambiente é como a confiança. A confiança é uma relação de integridade entre duas pessoas. É intangível, não é possível tocar e pegar. No ambiente o todo é portanto, imensamente maior que a soma das partes. A relação entre as cada teia de seres vivos ou mesmo entre elementos químicos é de tal modo complexa que se torna inviável, mesmo com a mais alta metodologia analítica, compreender a totalidade.
O meio ambiente é assim. É intangível. Não dá pra gente tocar e pegar. Tocar numa pedra, na água superficial ou retirada de um depósito rochoso de fluidos, primário ou secundário ou um elemento de solo é tocar num elemento ambiental do meio físico. Tocar uma planta, um animal, é tocar num elemento do meio biológico. Tocar numa plantação, num produto industrializado ou num depósito de resíduos sólidos (lixo) é tocar num elemento do meio antrópico ou sócio econômico. Grande parte dos conceitos abordados como sendo o pano de fundo a temática ambiental, são fragmentados e portanto mais abstratos do que palpáveis. Todavia são completamente reais. O que temos em termos reais ao estudar o ambiente é na verdade um retrato em preto e branco, um tanto desfocado.
Ingênuo o pesquisador, tomador de decisão ou legislador que infere ter do ambiente uma fotografia da mais alta resolução em cores vivas: nossa capacidade de estudo e de entendimento ainda estão limitadas para um quadro verídico. Esta humildade é necessária para compreender que em muitos momentos uma ação ou elemento introduzidos no ambiente, mesmo que pareçam inofensivos, podem sim provocar grandes alterações em virtude das relações entre componentes bióticos e abióticos que estamos apenas iniciando a conhecer. E tudo isso pode ser ainda mais complicado pela presença da constante força de desordem, de entropia presente nos sistema dinâmico, esse Universo único (até prova em contrário…) e caótico em que vivemos.
Os principais constituintes do meio físico são as rochas, solos, águas superficiais e subterrâneas, geomorfologia e climas. No meio biológico, os constituintes são a flora e a fauna. E no meio antrópico ou sócio econômico são todas as atividades do homem, nos setores primário, secundário, terciário e até quaternário, conforme os autores mais modernos. Mas além da descrição dos entes físicos está no âmago das questões ambientais o estudo das relações intrínsecas entre estes diferentes constituintes bióticos e abióticos.
Mas afinal o que são as relações? Quando alguém preserva um bioma, protegendo, evitando incêndios, impedindo caça e pesca predatórias, está construindo um tipo de relação com o bioma. Quando alguém vai lá e incendeia um pedaço de cerrado está estabelecendo uma outra relação entre o homem e o bioma. Em muitos casos pode se estabelecer um tal novo conjunto de relações que se estabelece uma nova ordem neste sistema. Tal ordem foi desencadeada portanto por um complexo intrinsecamente desordenado.
Biomas que são constituídos por elementos físicos e biológicos além do antrópico, que interagem entre si dentro de uma relação sistêmica hierarquizada por vários fatores. Os biomas constituem a unidade padrão mínima de descrição de um sistema natural. Dentro de um bioma as relações entre os diferentes constituintes não tem apenas uma relação espacial, mas há uma componente temporal muito bem estabelecida e determinante dos fenômenos de formação desses sistemas: do lado abiótico.
O sistema geológico, com seus tempos infindáveis, forças descomunais e a intrínseca relação do todo com os corpos de água e condições climáticas do local; de outra parte, faz com que tenhamos em um bioma os componentes abiótico e biótico, cuja adaptação ao local, diversidade e variância, são frutos em sua maior parte do processo de seleção natural, descrito já há mais de 200 anos por Darwin.
Tais processos, geológicos ou evolutivos, têm muito em seu âmago de caóticos. A vida, por si só é um máximo esforço da natureza em direção ao caos e a evolução, o veículo em que se processa essa corrida. Pense você na sua pegada ecológica, na energia gasta para que este computador onde digito tais palavras neste momento, nos gastos ecológicos necessários para produzir o leite, pão, produtos de higiene, nos combustíveis fósseis (ou não fósseis) que gastamos neste dia em que vivemos, o que é isso se não uma corrida ladeira abaixo em direção ao caos?
Portanto meio ambiente não são apenas as flores e as borboletas que muito nos sensibilizam e das quais muito gostamos. Mas o meio ambiente está mais definido pelas relações: relações entre a água e microrganismos, entre microrganismos e hospedeiros, entre borboletas e flores, humanos e animais, fábricas e rios, pedras e o ar.
Este meio ambiente aqui apresentado tem um conceito antropocêntrico. É bem definido também atrelado de uma maneira prática ao conceito de impacto ambiental que está circunstanciadamente descrito na Resolução 01/1986 do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente)
O impacto ambiental é resumido como as consequências de todas as relações entre os componentes do meio que são produzidas pelo homem e que podem impactar a própria espécie humana.
Não há sentido no conceito de meio ambiente que não inclua o homem como o centro das motivações, afinal para que serviria um mundo totalmente preservado e em equilíbrio sem a presença do homem? Talvez para a corrida armamentista da vida em direção ao caos. Mas convenhamos, em um século em que enfrentaremos profundas mudanças climáticas das quais temos pelo menos uma grande parcela de culpa, talvez devêssemos ao menos nos sentirmos responsáveis por guiarmos o caminho da manutenção dos sistemas naturais que permitam a sobrevivência das outras espécies.
E que nós consigamos perdurar seria um bônus extraordinário. Seres humanos podem sim ter uma relação harmoniosa com o planeta, somos de alguma forma parte dessa história. Se não existíssemos, nem mesmo assim talvez a situação de conservação da homeostase necessária ao ambiente estivesse adequada, seria outra história e talvez nem valha a pena fazermos digressões sobre este caminho. Neste caso nem mesmo a expressão meio ambiente teria sido inventada.

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FONTE : Dr. Roberto Naime, Colunista do EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
EcoDebate, 02/07/2012

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