TartarugaVictoriaRodriguez 300x199 TERRAMÉRICA   Tartarugas presas no frio repentino
Uma criança e sua mãe observam pelo vidro os cuidados que recebe uma tartaruga verde no Centro de Reabilitação Karumbé. Foto: Victoria Rodríguez/IPS
Uma quantidade incomum de tartarugas verdes saíram da água e ficaram perdidas nas praias do Uruguai com sintomas de hipotermia.
Montevidéu, Uruguai, 23 de julho de 2012 (Terramérica).- As praias do Uruguai, no litoral atlântico e no Rio da Prata, atestam neste inverno austral um recorde histórico de tartarugas marinhas perdidas, afetadas por choque térmico e hipotermia. Especialistas ainda investigam as causas, enquanto conjecturam que uma mudança brusca na temperatura do mar possa ter impedido as tartarugas verdes (Chelonia mydas) de migrarem para águas mais quentes. Uma centena de exemplares, encontrados até o fechamento desta edição nas praias dos litorais sul e leste, foram levados para centros de resgate marinho.
A tartaruga verde, em risco de extinção segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), escolhe as costas uruguaias para crescer e se desenvolver, e no inverno migra para o Brasil em busca de um ambiente mais quente. É comum vê-las nas pontas rochosas dos departamentos de Rocha e Maldonado, com litorais oceânicos, embora também possam ser encontradas em praias do Rio da Prata, um amplo estuário que desemboca no mar.
Os animais adultos podem medir de um metro a um metro e meio de comprimento e pesar até 500 quilos. Mas as que visitam as costas deste país são jovens e medem cerca de 40 centímetros de comprimento. “Já houve registros de desorientação por causa dos frios invernais, mas a média era de dez tartarugas verdes em todo o inverno”, explicou ao Terramérica o especialista do centro de tartarugas marinhas Karumbé, Andrés Estrades. “Nunca havíamos chegado a essa quantidade, e o frio está apenas começando”, disse.
O Karumbé (que em língua guarani significa tartaruga) nasceu em 1999 como iniciativa de um grupo de jovens pesquisadores, estudantes, biólogos e veterinários, para conservar os recursos marinhos do Uruguai e estudar, em especial, a ordem dos quelônios. Um centro de reabilitação do Karumbé para estes animais e um pequeno museu se localizam no zoológico de Villa Dolores, em Montevidéu. Ali chegaram 32 tartarugas resgatadas, jovens entre dois e 12 anos, com peso entre quatro e 15 quilos, contou Andrés.
Uma equipe de voluntários do Karumbé trabalha duramente para diagnosticar seu estado e recuperá-las. O restante da centena de animais foi distribuído em centros semelhantes em Rocha e Maldonado e cerca de 20 apareceram mortos. Segundo o centro de realibitação, no Uruguai se registra uma média anual de 120 tartarugas perdidas. Metade ingeriu objetos plásticos, 15% ficaram presas no lixo ou em redes de pesca, 15% apresentaram choque térmico e o restante diferentes enfermidades.
Uma campanha informativa no Facebook explica ao público como atuar caso encontre uma tartaruga na praia. A recomendação principal é não devolver os animais ao mar, aquecê-los com mantas ou água morna e avisar os especialistas.
Nos dias 14, 15 e 16 deste mês apareceu um total de 50 animais. No Karumbé, duas estudantes estrangeiras trabalhavam de forma voluntária junto com a veterinária Virginia Ferrando. As piscinas e os tanques não eram suficientes para colocar os animais e os aquecedores também eram insuficientes para manter a temperatura da água. Os visitantes do zoológico, muitos na segunda semana de férias, se depararam, surpreendentemente, com um centro de reabilitação em plena ação e repleto de animais.
Dois jovens que levaram uma tartaruga resgatada observaram o processo: primeiro se coloca o animal em uma piscina com água morna e depois se faz o diagnóstico. “Algumas já estão muito bem e com um pouco de soro e calor podem se recuperar”, detalhou Virginia ao Terramérica. Também se investiga se contraíram alguma doença antes de se perderem.
“A maioria apresenta condições corporais muito boas. Temos 32 no centro e metade está flutuando, o que indica que têm outro problema, pneumonia, infecção viral ou plástico no intestino. Estamos avaliando isso, o que exigirá mais trabalho”, acrescentou Andrés. Os animais deverão permanecer no Karumbé até a primavera, quando há condições ambientais para libertá-las no mar. “Cada tartaruga que libertamos é um evento. Queremos conseguir alguns aparelhos de acompanhamento via satélite para monitorar se estamos fazendo as coisas como devem ser feitas”, destacou.
O Karumbé, que integra a direção da Sociedade Internacional de Tartarugas Marinhas, participa de um estudo de tese doutorado em convênio com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O brasileiro Gustavo Martinez pesquisa a permanência anual e estacionária das tartarugas marinhas em costas uruguaias e seus movimentos em direção ao Brasil. “Muitas migram, mas outras ficam”, indicou Andrés. Uma hipótese para o ocorrido é que os exemplares que se internaram mais no Rio da Prata não conseguiram regressar a tempo para o oceano e, “ao diminuir a temperatura da água rapidamente, entraram em choque térmico”, afirmou.
No momento a água do mar tem dez graus, “não é um recorde de temperatura mínima, mas está abaixo da média” prevista, de 12 graus. Segundo Andrés, essa diferença pode ser fatal para certos animais. “Estamos vendo as tendências de máximas e mínimas que estão se modificando, possivelmente pela mudança climática. Tivemos um outono bastante quente, e repentinamente chegou o inverno. Isto pode ter desorientado as tartarugas”, ponderou.
Segundo Andrés, há “uma espécie de tropicalização da costa uruguaia: cada vez mais a água está mais quente e há animais raros” para esta região. Por exemplo, a tartaruga de pente (Eretmochelys imbricata), da qual não havia registros de sua presença em mares deste país. Esta espécie habita águas brasileiras mais quentes, mas em 2007 apareceu um exemplar, e outros tantos em anos seguintes. Em 2011, foram encontradas seis, “todas muito fracas e cheias de plástico”, ressaltou.

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FONTE : * O autor é correspondente da IPS.