Há poucos dias, o atual presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), Gerson Teixeira, chamou atenção em artigo veiculado pela internet para uma mudança introduzida pelo novo Código Florestal (Art. 41, parágrafo 4), que institucionaliza os Títulos de Carbono e Cotas de Reservas Legais como mecanismo de comércio de crédito de carbono, instrumento financeiro que se propõe a vender excessos de oxigênio gerados pelas florestas nacionais em compensação aos setores emissores líquidos de dióxido de carbono na atmosfera.
Essa iniciativa, analisada sob os enfoques fundiário, ambiental e internacional, a depender da implementação que venha a ter, contém riscos sociais enormes, que provavelmente passaram desapercebidos, exceto pelos espertos caçadores de oportunidades a qualquer custo. Vamos tentar traduzir para o leitor esses riscos, associados à via financeira da economia verde e da sua conexa internacionalização do mercado de terras, que a nova norma do Código Florestal pretende introduzir.
Títulos de Carbono e Cotas de Reservas Legais são títulos patrimoniais novos, que ‘proprietário e possuidores’, conforme o texto legal, uma vez emitindo-os, convertem o ativo real a que se reportam (território florestal sob comércio) em direito de propriedade do comprador. Negociados em Bolsas de Valores ou de Commodities, tais títulos seriam via certa e direta da internacionalização do mercado de terras, principalmente das terras de vasta cobertura florestal natural – a Amazônia Legal brasileira em especial, mas não apenas. A avaliação financeira desses créditos/débitos de carbono irá depender evidentemente do ‘valor’ que esse comércio venha a alcançar no mercado global.
Por outro lado, títulos patrimoniais para negociação no mercado financeiro requerem titularidade legal reconhecível, sob pena de a transação envolvida não se efetivar. Aí reside um grave problema brasileiro, de natureza fundiária, que está envolvido na questão. A titularidade da esmagadora maioria dos territórios das florestas em Parques e Reservas, Terra Indígena e Terras Devolutas, é da União ou dos estados, não obstante em toda essas áreas públicas haver intrusão de grileiros e em pequenas dimensões de posseiros familiares. Essas terras públicas, para entrarem no mercado financeiro, no formato que o Código Florestal institui, precisariam ser privatizadas legalmente, para somente então serem financeirizadas e internacionalizadas.
Esse processo que a economia verde de vertente financeira persegue ignora absolutamente a situação agrária do país, a população camponesa e, por que não dizer?, também o meio ambiente. Isto porque crédito de carbono emitido a partir do fato natural (absorção de dióxido e emissão de oxigênio) não envolve nenhum trabalho humano, mas sim a captura de uma renda fundiária ambiental mundial, por conta de uma ilegítima apropriação privada do território. Tampouco melhora a situação ambiental das regiões nacionais de agricultura avançada, que também poderiam compensar seus débitos com compra de títulos no mercado financeiro.
É necessário olhar com muita cautela a regulamentação deste texto legal (Código Florestal). Isto porque muito astutos de ocasião, percebendo um pouco a exaustão do ‘boom da commodities’ que caracterizou o ciclo expansivo primário-exportador da última década, podem estar tentando ensaiar um movimento tìpicamente financeiro de internacionalização do mercado de terras, sob etiqueta verde.
Aparentemente, o governo Dilma encampou desapercebidamente a jogada dos verdes de vertente financeira. Terá a oportunidade da regulamentação legal para colocar freios na especulação mais escandalosa, sob pena de produzir uma enorme confusão fundiário-financeira. Até certo ponto, a desordem de titularidades fundiárias no país como um todo e na Amazônia Legal em particular são um sério obstáculo à perpetuação da engenharia financeira preconizada no Código Florestal. Mas como bem observou o competente geógrafo Ariovaldo Umbelino, uma nova Lei de Terras, à imagem e semelhança daquela de 1850, pode ser o sonho ruralista para realizar essa nova vertente financeira do mercado de terras.
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FONTE ; * Guilherme Costa Delgado é doutor em economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.
** Publicado originalmente no site Correio da Cidadania.
Essa iniciativa, analisada sob os enfoques fundiário, ambiental e internacional, a depender da implementação que venha a ter, contém riscos sociais enormes, que provavelmente passaram desapercebidos, exceto pelos espertos caçadores de oportunidades a qualquer custo. Vamos tentar traduzir para o leitor esses riscos, associados à via financeira da economia verde e da sua conexa internacionalização do mercado de terras, que a nova norma do Código Florestal pretende introduzir.
Títulos de Carbono e Cotas de Reservas Legais são títulos patrimoniais novos, que ‘proprietário e possuidores’, conforme o texto legal, uma vez emitindo-os, convertem o ativo real a que se reportam (território florestal sob comércio) em direito de propriedade do comprador. Negociados em Bolsas de Valores ou de Commodities, tais títulos seriam via certa e direta da internacionalização do mercado de terras, principalmente das terras de vasta cobertura florestal natural – a Amazônia Legal brasileira em especial, mas não apenas. A avaliação financeira desses créditos/débitos de carbono irá depender evidentemente do ‘valor’ que esse comércio venha a alcançar no mercado global.
Por outro lado, títulos patrimoniais para negociação no mercado financeiro requerem titularidade legal reconhecível, sob pena de a transação envolvida não se efetivar. Aí reside um grave problema brasileiro, de natureza fundiária, que está envolvido na questão. A titularidade da esmagadora maioria dos territórios das florestas em Parques e Reservas, Terra Indígena e Terras Devolutas, é da União ou dos estados, não obstante em toda essas áreas públicas haver intrusão de grileiros e em pequenas dimensões de posseiros familiares. Essas terras públicas, para entrarem no mercado financeiro, no formato que o Código Florestal institui, precisariam ser privatizadas legalmente, para somente então serem financeirizadas e internacionalizadas.
Esse processo que a economia verde de vertente financeira persegue ignora absolutamente a situação agrária do país, a população camponesa e, por que não dizer?, também o meio ambiente. Isto porque crédito de carbono emitido a partir do fato natural (absorção de dióxido e emissão de oxigênio) não envolve nenhum trabalho humano, mas sim a captura de uma renda fundiária ambiental mundial, por conta de uma ilegítima apropriação privada do território. Tampouco melhora a situação ambiental das regiões nacionais de agricultura avançada, que também poderiam compensar seus débitos com compra de títulos no mercado financeiro.
É necessário olhar com muita cautela a regulamentação deste texto legal (Código Florestal). Isto porque muito astutos de ocasião, percebendo um pouco a exaustão do ‘boom da commodities’ que caracterizou o ciclo expansivo primário-exportador da última década, podem estar tentando ensaiar um movimento tìpicamente financeiro de internacionalização do mercado de terras, sob etiqueta verde.
Aparentemente, o governo Dilma encampou desapercebidamente a jogada dos verdes de vertente financeira. Terá a oportunidade da regulamentação legal para colocar freios na especulação mais escandalosa, sob pena de produzir uma enorme confusão fundiário-financeira. Até certo ponto, a desordem de titularidades fundiárias no país como um todo e na Amazônia Legal em particular são um sério obstáculo à perpetuação da engenharia financeira preconizada no Código Florestal. Mas como bem observou o competente geógrafo Ariovaldo Umbelino, uma nova Lei de Terras, à imagem e semelhança daquela de 1850, pode ser o sonho ruralista para realizar essa nova vertente financeira do mercado de terras.
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FONTE ; * Guilherme Costa Delgado é doutor em economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.
** Publicado originalmente no site Correio da Cidadania.
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