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terça-feira, 27 de setembro de 2011

TERRAMÉRICA – “É preciso sair do capitalismo”

Por que se introduz a ideia de economia verde em lugar de manter a de desenvolvimento sustentável, que tem a vantagem de seu cunho social?, questiona nesta entrevista o escritor francês Hervé Kempf.

Buenos Aires, Argentina, 26 de setembro de 2011 (Terramérica).- Para salvar o planeta da mudança climática e da perda de biodiversidade, devemos sair do capitalismo e buscar um sistema menos consumista e socialmente mais justo, afirma o jornalista e ecologista Hervé Kempf. Esta questão atravessa toda a obra de Kempf, colunista do jornal Le Monde e autor de “Para salvar o planeta, sair do capitalismo” e de “Como os ricos destroem o planeta”, entre outros livros. Na França, acaba de publicar “L’oligarchie ça sufit, vive la démocratie” (Basta de oligarquia, viva a democracia).

Expoente do debate sobre o decrescimento, que se contrapõe ao crescimento do produto interno bruto como indicador dominante do êxito de um país ou de uma sociedade, Kempf questiona a viabilidade de uma sociedade guiada pelo consumo e pela avidez de lucro. Os líderes políticos “continuam defendendo o sistema capitalista ao qual chamo de oligárquico”. Contudo, “precisam mudar, bem como o sistema”, disse Kempf em entrevista ao Terramérica durante sua visita à Argentina.

TERRAMÉRICA: É possível reverter o aumento de gases-estufa que causam a mudança climática?

HERVÉ KEMPF: Sim. Porém, no momento, não parece estarmos voltados para isso. A Europa mudou sua trajetória e conseguiu reduzi-los levemente, enquanto os Estados Unidos estabeleceram um teto, mas globalmente as emissões crescem em países do Sul. É preciso continuar pressionando o Norte, e os grandes países do Sul, em particular a China, que exerce um papel de líder, devem modificar sua conduta. Eles querem conseguir crescimento máximo, mas estão conscientes da crise ecológica e essa consciência penetrará cada vez mais nos países do Sul.

TERRAMÉRICA: Está otimista sobre a cúpula de mudança climática que começara no final de novembro na África do Sul?

HK: Não, infelizmente. Os preparativos mostram que a situação está bastante bloqueada

TERRAMÉRICA: A direção política está à altura?

HK: Não. Muitos dirigentes continuam defendendo o sistema capitalista, que chamo de oligárquico, e defendem interesses contrários à demanda que a crise ecológica impõe. Os líderes políticos têm de mudar também o sistema.

TERRAMÉRICA: Entretanto, há países, como a Venezuela, que têm um discurso contrário ao capitalismo e, no entanto, não mostram maior consciência ambiental.

HK: Meu trabalho se orienta mais aos países do Norte, que têm a responsabilidade de mudar o modelo econômico. A América Latina, há 15 ou 20 anos, teve que se independizar dos Estados Unidos, adotar maneiras mais democráticas e uma política social a favor dos pobres. Venezuela, Brasil, Bolívia, Equador, Argentina seguem essa tendência. No entanto, é certo, eles também têm de assumir a crise ambiental.

TERRAMÉRICA: Acredita que a Rio+20, a conferência das Nações Unidas que acontecerá em 2012, reavivará o espírito de esperança da Cúpula da Terra de 1992?

HK: No momento, não se apresenta muito bem. A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) acaba de divulgar um comunicado sobre a Rio+20 que parece muito orientado a dizer: “desenvolvimento, desenvolvimento, e depois vemos o meio ambiente”. Me parece um mau indício.

TERRAMÉRICA: Mas, esse é um pronunciamento para a região.

HK: Sim, mas o que vejo na Europa e nos Estados Unidos é ainda pior. Há uma falta de interesse político e também da mídia pela Rio+20. A atenção está na crise financeira.

TERRAMÉRICA: O que pensa do conceito “economia verde”?

HK: É muito vago. Parece a continuação do capitalismo mais voltado à ecologia. Contudo, sem mudar o poder das corporações, sem reduzir o consumo de energia nem questionar a desigualdade social, é uma nova forma de capitalismo. Além disso, porque este novo conceito, em lugar de continuar com o de desenvolvimento sustentável que tem a vantagem de seu cunho social?

TERRAMÉRICA: Acredita que se trata de um retrocesso?

HK: É um sinal de que o que se apresenta como prioridade é a economia, quando para a ecologia a economia não é prioridade. A prioridade é garantir uma vida harmoniosa entre as pessoas e com o meio ambiente. A economia não é tudo.

TERRAMÉRICA: O senhor investigou o impacto do acidente nuclear de Chernobyl (1986). Acredita que o ocorrido em 11 de março deste ano na central japonesa de Fukushima pode ajudar no retrocesso desse tipo de energia?

HK: Fukushima mostrou que a energia nuclear é algo muito perigoso mesmo em um país campeão em tecnologia como o Japão.

TERRAMÉRICA: Em seu livro é descrita a contribuição da energia eólica…

HK: O faço pensando no Norte. Ali a energia eólica parece um pretexto para evitar a economia. Nos Estados Unidos, na Europa, no Canadá e no Japão deve-se reduzir o consumo de energia e depois ver como produzi-la.

TERRAMÉRICA: O que sugere para viver em um planeta sustentável?

HK: Colocar a questão da justiça social como prioridade. Em um mundo extremamente rico do ponto de vista material, isto é crucial.

TERRAMÉRICA: E a respeito do consumo?

HK: Deixe de ver televisão.

TERRAMÉRICA: Pode-se promover estas ideias em países onde ainda há população sem acesso ao consumo básico?

HK: Insisto. Falo como europeu, mas creio que nos países do Sul o desafio pode ser reduzir a desigualdade.

TERRAMÉRICA: O que diz aos céticos que acreditam que isso é voltar à Idade da Pedra?

HK: Que se continuarmos nesta economia destruidora dos laços sociais, da justiça e da ecologia voltaremos à Idade da Pedra, porque a destruição social e ecológica nos exporá a muita violência.

TERRAMÉRICA: O senhor diz em seu livro que não temos de inventar nada novo, que as alternativas já existem.

HK: Em todos os setores as comunidades criam formas por fora do capitalismo. Cooperativas de produção, agricultura ecológica, moedas alternativas, energias renováveis. Há milhares de experiências que podem se ligar em uma rede.

TERRAMÉRICA: Ou seja, não imagina uma transformação violenta.

HK: Por definição, a ecologia política imagina um mundo não violento. Os ecologistas não querem violência, querem outras regras de jogo. Não se pode usar meios contrários ao objetivo que se busca.

* A autora é corresponde da IPS.

LINKS

Decréscimo ou desconstrução da economia – Parte I

Do decrescimento à desconstrução da economia – Parte II

Ativistas europeus contra a expansão mercantil

O capitalismo pode ser verde?

Mudança climática: a esperança das vuvuzelas

Uma aposta no negócio limpo

Diálogos – As entrevistas do Terramérica

Em busca do adiado desenvolvimento sustentável

Clima: Cada vez mais quente – Cobertura especial da IPS, em espanhol

Livros de Hervé Kempf editados pela editorial Capital Intelectual, em espanhol

Primeiras 20 páginas do último livro do autor, em francês

17 Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, em inglês

Río+20: Conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável, em inglês

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FONTE : Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.
(Terramérica).

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