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segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Água e Saneamento: Avançando, apesar dos preconceitos, artigo de Washington Novaes

Numa hora em que tantos setores de governos parecem obcecados com o caminho das megaobras e seus supostos efeitos no crescimento do produto bruto nacional, o PIB (como se esse conceito já não estivesse em questão no mundo todo), pode ser animador lembrar algumas outras iniciativas, que até aparentam modéstia, mas podem ter efeitos importantes.

Pode-se começar pelo anúncio da Caixa Econômica Federal (CEF) de que a partir deste mês não mais financiará a construção de casas em bairros sem redes de água e esgotos. Pode parecer pouco, mas basta recorrer a um exemplo – o da comunidade da Vila Dique, em Porto Alegre – para verificar a importância da iniciativa. Ali, de 2008 a 2011, os esgotos domésticos deixaram de ser descartados num córrego, com a transferência de toda a comunidade para um novo bairro provido de rede de água e esgotos (Tratabrasil, 17/8), com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Nesse período, a porcentagem de pessoas que acusavam alguma doença caiu de 19% para 8%, menos da metade. As hospitalizações diminuíram 75%. E a leptospirose e a hepatite baixaram para menos da metade.

Quanto isso não terá significado em redução nos custos de saúde, que não é contabilizada pelo PIB? Quanto terá significado para as pessoas? E quanto terá valido a melhor qualidade da água na redução da mortalidade infantil no Estado de São Paulo, em 20 anos, de 31,8 crianças mortas antes de 1 ano de idade em cada mil crianças nascidas vivas para 11,9 (menos 61,8%)?

Outro exemplo: o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) decidiu conceder o prêmio “Água e Saneamento” ao programa de cisternas de placa no Semiárido brasileiro (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 24/8), ação conjunta do governo federal e de uma rede de instituições, que já implantaram ali várias centenas de milhares de cisternas e pretendem chegar a 1 milhão. Cada uma delas, com custo mínimo, capta nos telhados água de chuvas e a conduz para um poço revestido por placas (para evitar a infiltração da água), onde cada pessoa chega a ter 20 litros por dia na estiagem, sem precisar caminhar quilômetros para buscar em latas água suja de barreiros.

Esse é o caminho real para fornecer água às populações em localidades isoladas – não o da transposição de águas do Rio São Francisco, que, embora gastando bilhões de reais, a elas não chegará (só a grandes projetos de agricultura de exportação e abastecimento de grandes cidades, onde a perda nas redes continua alta).

Outro ainda: o Japão financiará com R$ 650 milhões um programa de redução de perdas nas redes de água em São Paulo. Com ele, até 2019, essas perdas serão reduzidas de 26% para 13% (a média de perda no Brasil, entre a água que sai das estações de tratamento e a que chega aos consumidores, é de 37,4%; no Japão, de 3%); e recuperar um litro de água custa algumas vezes menos do que construir novas barragens, adutoras e estações de tratamento, em lugar de conservar a rede de distribuição. O projeto total da Sabesp é de R$ 4,3 bilhões, dos quais R$ 2,7 bilhões para a Região metropolitana de São Paulo (Sabesp, 4/7). Entre 2006 e 2010, as perdas já baixaram de 32% para 26%, uma redução suficiente para abastecer 2 milhões de pessoas.

Isso conta no PIB? Aumentará o PIB o custo de R$ 1 bilhão para buscar água a 80 quilômetros de São Paulo, no Vale do Ribeira, “dando cotoveladas nos vizinhos”, como disse uma especialista? Reduzirá o PIB o custo da energia para elevar a água em centenas de metros? Não seria melhor para a sociedade os governos deixarem de pensar em megaobras ao custo de bilhões – como trem-bala, superestádios, mega-hidrelétricas, etc. – e cogitarem de caminhos como o da coleta de esgotos pelo sistema condominial, que barateiam muito o preço?

Nessa mesma linha, é precioso o alerta da Agência Nacional de Águas (Estado, 20/7) de que é fundamental dar mais atenção ao setor de irrigação de lavouras no País, que responde por 69% do consumo total de água (animal, 12%; abastecimento urbano, 10%; industrial, 7%; rural, 2%). Com o uso ainda intensivo de equipamentos antigos de irrigação, a perda de água é muito forte na aspersão convencional, chega a mais de 50% e contribui para a compactação do solo, a perda de nutrientes naturais da terra, carreados para os rios, a poluição dos cursos d”água por insumos químicos, etc. E já há sistemas e equipamentos que poupam água, como a irrigação por microaspersão ou gotejamento. Os financiamentos oficiais deveriam limitar-se a esses sistemas.

É preciso dar muito mais atenção e recursos adequados ao setor hídrico. A qualidade da água já é “ruim ou péssima” em 9% dos pontos (1.747) monitorados pela Agência Nacional de Águas, principalmente nas Regiões Metropolitanas de São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte, Campinas e Juiz de Fora. Como contabilizar os prejuízos daí decorrentes? Só 4% dos recursos hídricos são de qualidade “ótima”. Como observou este jornal em editorial (5/8), se não houver investimentos suficientes, 55% dos municípios brasileiros poderão enfrentar problemas de escassez até 2015.

E as notícias são preocupantes. Um balanço do PAC mostra que em 2009 mais de 70 municípios com mais de 50 mil habitantes foram selecionados para receber investimentos de R$ 2,9 bilhões em saneamento básico, mas só 57% desses investimentos estão em andamento e em 15 municípios as obras nem começaram. Neste ano e no próximo deverão ser R$ 6 bilhões (contratados, R$ 369,8 milhões), quando o Plano Nacional de Saneamento Básico afirma que o setor precisa de R$ 420 bilhões para universalizar o abastecimento de água e a coleta e o tratamento de esgotos.

Por que será tudo tão lento? Porque não se trata de megaobras? Ou, como dizem no interior, porque nesse setor todas as obras ficam debaixo da terra, ninguém vê, não dão prestígio político nem votos?

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FONTE : Washington Novaes é jornalista. Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo. (EcoDebate, 19/09/2011).

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