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quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A Metáfora da Salvação – O agir humano atual e o meio ambiente, artigo de Millos Augusto Stringuini

Esse artigo forma uma trilogia com outros dois textos anteriormente publicados2 que se intitulam A Metáfora Ambiental e A Metáfora Antropocêntrica. Cada um deles possui informações e valores próprios quando lidos isoladamente. Todavia, com a leitura integrada da trilogia é possível formar uma visão dedutiva e transdisciplinar do agir humano atual e suas relações com o meio ambiente.



A finalidade desse artigo e da trilogia é adicionar alguns conceitos advindos da psicanálise aos processos científicos, jurídicos e institucionais relacionados com as questões ambientais, visando melhor entender as relações humanas com a natureza.



Sem a introdução nos debates sobre meio ambiente de um conhecimento mais aprofundado sobre a dinâmica psíquica dos humanos, a lógica dedutiva transdisciplinar, necessária e indispensável para a compreensão das relações humanas com a natureza não se desenvolverá adequadamente.



Por sua vez, a insuficiente divulgação e difusão dos conhecimentos existentes sobre o agir psíquico humano atual em relação ao meio ambiente e suas interações com outras disciplinas, para públicos não relacionados com a psicologia, tem produzido empecilhos à evolução da racionalidade científica, legal e institucional relacionada com a temática e, principalmente, do pensamento lógico dedutivo transdisciplinar.



Por se tratar de uma temática científica recente é importante informar que a análise psicoecológica da Metáfora da Salvação aqui realizada não deve ser confundida com as interpretações religiosas desse tema.



O pouco reconhecimento na sociedade organizada do valor esclarecedor da psicoecologia no entendimento da gênese e desenvolvimento dos problemas ambientais, tanto em seus aspectos positivos como negativos, tem gerado variegados conflitos políticos e institucionais desnecessários e improdutivos.



As grandes dificuldades de entendimento político e ético, sempre existentes nas múltiplas Conferências Internacionais e de tantas outras que serão realizadas no planeta, têm dificultado a construção desse consenso geopolítico internacional, mesmo se avanços tenham acontecido.



Por outro lado, a ineficácia de milhares de leis e instituições, nacionais e internacionais, na realização da proteção ambiental integral e prática do planeta são provas incontestes da ação desintegradora dos sectarismos originados fundamentalmente na dinâmica psíquica humana, preferencialmente narcisista e não solidária.



A observação da atual ruptura social existente na maioria das periferias das megalópoles do planeta e a continuada destruição dos ecossistemas ofertam dimensão real ao problema que a humanidade está confrontada e psiquicamente tenta continuamente negar e denegar.



No presente contexto mundano, onde a imensa maioria dos humanos vive em péssimas condições sociais, econômicas e ambientais3;



•Os detentores de saber científico desejam ver seus méritos e métodos valorizados e publicamente reconhecidos;
•Os operadores do saber jurídico querem ver suas leis e jurisprudências priorizadas como se dogmas fossem;
•Os agentes políticos e institucionais querem tornar perenes suas individualidades e discricionariedades;
•Os homens comuns querem negar e denegar tudo para tentar sobreviver em paz.




Assim, com esse agir narcisista, não solidário, os humanos desejam fugir da finitude da existência e poucos são aqueles que se preocupam com os fatos e coisas coletivas e difusas.



Em função dessa base narcisista de conduta, a construção mundial de um consenso psíquico, ético e lógico dedutivo transdisciplinar para incluir o meio ambiente como parte legítima da realidade cotidiana humana e das futuras gerações está cada vez mais difícil de ser atingido.



Na progressão atual da epidemia individualista humana, quem sempre perde é a biosfera. Perde a vida e a natureza.



Antes que a progressiva disrupção ecológica planetária já comprovada pelas ciências ambientais, assuma condições de irreversibilidade, parece ainda haver tempo para ética e cientificamente repensar e corrigir as irracionalidades lógicas e comportamentais praticadas atualmente pela humanidade contra a biosfera.

Introdução.



Quando dois pensadores mundialmente renomados, na mesma década, em países e idiomas diferentes, independentes um do outro, abordam em seus livros um mesmo assunto, como aconteceu recentemente com John Gray (Inglaterra) e Luc Ferry, (França), ambos analisando a Salvação, a temática certamente assume uma maior relevância para a humanidade e passa a ser um tema em pujante evolução, merecendo, portanto, um debate de mérito.



Esses autores destacaram a importância das crenças e mitos, de e na salvação no agir cotidiano humano, cada um deles construindo uma abordagem diferente sobre o tema. GRAY, com uma análise despida de dogmas religiosos e FERRY, filosoficamente analítico das vantagens e desvantagens humanas em acreditar na salvação.



Quando a análise desses dois pensadores é associada à realidade do agir psíquico humano através de metáforas, amplamente analisada pela psicanálise, verifica-se que a salvação é muito mais que uma crença ou mito, mas sim uma das mais importantes metáforas da construção dos pensamentos humanos indutores do agir cotidiano e suas projeções de futuro.



Como importante metáfora estruturante do pensamento individual e global, a idéia metafórica de salvação permeia diuturnamente toda a vida relacional das pessoas e das sociedades, gerando importantíssimos reflexos sociais, econômicos e ambientais, positivos ou negativos.



Se fosse possível hierarquizar as metáforas por sua importância na construção do pensamento mobilizador do comportamento humano, a Metáfora da Salvação certamente estaria muito próxima do topo da lista.



Essa metáfora destaca-se das demais por ser importante componente mobilizador do individualismo humano, hedonista, consumista e anti-solidário.



À medida que o conhecimento psicoecológico dessa metáfora é analisado, imediatamente são identificadas suas potentes influências sobre a vida e o agir humano no e contra o planeta Terra.



Inegavelmente, a imensa maioria das práticas cotidianas de vida dos humanos está, direta ou indiretamente, influenciada pela salvação.



Um exemplo é o crescimento constante da competição econômica exacerbada entre os humanos, onde cada um quer ficar mais rico e mais poderoso que os outros, fato que estimula o uso desmesurado de energia e de recursos naturais, favorecendo a destruição ambiental.



Todavia, o estabelecimento de relações de causa e efeito, positivas ou negativas, da Metáfora da Salvação com as coisas coletivas e difusas e problemas ambientais, em uma análise preliminar, pode parecer algo muito distante da realidade. Entretanto, em havendo a aplicação de uma olhar científico mais atento sobre o tema, imediatamente aparecerão conhecimentos estimulantes para um debate continuado sobre essa metáfora e suas influências nos problemas coletivos, difusos e ambientais.



Deve ser lembrado que pela amplitude do assunto este texto não conseguirá esgotar todas as possibilidades relacionais.

O poder da Metáfora de Salvação sobre o agir humano e seus reflexos sobre o meio ambiente é tão grande que qualquer tentativa de esgotar a análise da temática irá sempre esbarrar com infinitas opções de continuidade.



Facilitar o entendimento do conjunto dinâmico orquestrado pela metáfora da salvação e seu poder mobilizador poderá ser uma postura eficaz para a evolução da busca intelectual de identificação dos caminhos visando o estabelecimento de relações psíquicas humanas harmônicas para com a natureza, com especial destaque para os aspectos coletivos e difusos.

A Metáfora da Salvação



Todos os seres vivos no planeta Terra estão em constante pressão de sobrevivência, pois a morte é um fato onipresente.



Quando os seres vivos são lançados no meio ambiente (ao nascer somos todos pujantemente despejados dos úteros protetores4 na biosfera) são “induzidos atavicamente para viver e sobreviver, ou seja, lutar contra a morte”. Se assim não fizerem, fracassarão e serão mortos por seus predadores ou fatores ambientais externos.



Essa realidade da vida determina que desde o momento do nascimento até o último momento de uma existência, manter a vida é função primordial da Pulsão de Vida (popularmente conhecida como Instinto de Sobrevivência). Essa pulsão é um atavismo próprio da máteria viva.



A Pulsão de Vida existe para a preservação da integridade do “soma em vida”, com parcial proteção aos aspectos da existência, ou seja, estabelece relação direta com os fatos concretos da manutenção continua da vida (comida, reprodução, proteção territorial, competição intra e extra-espécie, etc.) dos indivíduos no planeta, tão logo esses apareçam na biosfera.



Em síntese, mesmo o mais simples dos seres vivos ao iniciar sua existência no planeta Terra, pulsiona para viver.



MARTINS, F., ensina:



Em larga medida, os dispositivos biológicos possibilitam a consecução das atividades de automanutenção e de reprodução. Através da automanutenção, o organismo luta contra a sua morte inevitável. Através da sexualidade, o esforço de prolongar, perpetuar a espécie.



Nesse contexto, três comportamentos atávicos de base são estabelecidos; fugir (medo) atacar (agressividade) e desviar (conduta intermediária entre o medo e a agressividade).



Entretanto, no caso dos humanos existe uma importante diferença em relação aos demais seres vivos.



Além da Pulsão de Vida e seus atavismos, a existência dos humanos transcorre por e através de muitas metáforas, pois a própria vida humana é uma metáfora.



No contexto existencial dinâmico humano a pulsão de vida é complementada e influenciada por vários constructos metafóricos. Dentre esses se destacam duas metáforas que agem sobre o cotidiano humano pelo constante antagonismo na geração de resultados psíquicos, cognitivos e de movimento.



A batalha psíquica entre a Metáfora de Morte (Thanátos) e a Metáfora da Salvação é interminável no pensar e agir da humanidade. As guerras são uma prova inconteste dessa batalha metafórica.



Os significantes psíquicos da primeira metáfora são a finitude existencial e as interdições5, especialmente o fim da sexualidade; a segunda metáfora tem como significante psíquico à ilusão de vida melhor e infinita, em liberdade sexual paradisíaca, para muitos, patrocinada por Deus ou Deuses.



A esperança em novos e continuados atos, fortuna e dias melhores são os resultados esperados da Metáfora da Salvação.



Não pode deixar de ser citado que os humanos detestam interdições e castrações e almejam ilusoriamente suplantar as realidades que produzem limitações. Esse é um fato único entre os seres vivos habitantes da biosfera.



O pensamento humano faz negação quando confrontado com realidades e informações negativas, pois a Metáfora da Salvação gera o desejo perene do suplantar limites físicos e psíquicos e negar tudo aquilo que possa representar morte. A simples presença do vocábulo morte, ativa no pensamento humano a aversão e os comportamentos atávicos de fuga, ataque ou desvio.



O idealismo e as causas político – altruístas humanas são assim resultados da Metáfora da Salvação, as quais buscam ampliar a ilusão e os sonhos de vida infinita.



Nesse contexto, um exemplo da influência e ação dessas duas metáforas (Morte e Salvação) na vida dos humanos e suas sociedades é o caso do médico patologista Jack Kevorkian, que ficou mundialmente conhecido como Doutor Morte.



Esse médico, defensor da eutanásia, situou seu agir pessoal e profissional entre a Metáfora de Morte e a Metáfora da Salvação, em contraposição ao inconsciente coletivo, que localiza os médicos como os agentes pró-ativos da Metáfora da Salvação.



Nas sociedades humanas, profundamente influenciadas pelas religiões que estimulam as ações da Metáfora da Salvação, agir na prática profissional em favor da eutanásia (morte), invariavelmente ativará a ira coletiva dessa metáfora residente na mente humana. Isso ocorre pelo fato desse constructo desconsiderar as especificidades e individualidades de cada existência humana como, por exemplo, o enorme sofrimento dos enfermos terminais. Para esses, muito provavelmente, a morte poderá vir a ser libertadora. Todavia, para aqueles que tem saúde e perspectivas de continuidade de vida feliz e com poucas restrições, a metáfora da morte deverá ser, sempre e constantemente, negada em sua real existência.



Por se contrapor ao poder da Metáfora de Salvação, postando-se publicamente favorável à Metáfora da Morte, Doutor Kevorkian afrontou o julgamento do inconsciente coletivo mundial e das leis e, por isso, foi julgado e condenado em vida.



As leis e os julgamentos humanos são em sua imensa maioria pró-salvação humana. Primeiro o homem e depois as outras coisas, ou seja, tudo que pertence à biosfera será sempre secundário. Trata-se da poderosa ação da Metáfora da Salvação associada com a Metáfora Antropocêntrica6.



Esses embates metafóricos, constantes e comuns no inconsciente, diferenciam os humanos dos outros seres vivos que agem de forma pulsional e não constroem metáforas.



O cérebro dos humanos, diferente dos outros seres vivos, desenvolve metáforas míticas, sendo uma delas a existência de uma outra vida post-mortem. Em se tratando de uma ilusão metafórica, essa segunda vida é sempre imaginada como sendo melhor do que a vida que as pessoas vivem em seus momentos presentes. Trata-se do desejo ilusório de uma constante, crescente e eterna evolução do nível de felicidade7, ou seja, de salvação.



Quanto mais difícil é a vida, maior é o desejo de salvação – felicidade, atual e post-mortem.



Essa ilusão de uma vida post-mortem, indelével no pensamento humano, é muito antiga e faz parte do necessário pensamento mágico. Sem pensamento mágico (fé, crendices, mitos, preconceitos e similares) a vida humana seria de uma racionalidade fria, a qual eliminaria a capacidade de ter sentimentos. Sem sentimentos e suas ambivalências os humanos seriam monólitos.



A fé dos humanos em uma vida post-mortem pode ser cotidianamente identificada de formas variadas. Ela é muito anterior ao desenvolvimento das religiões atualmente existentes, pois os povos indígenas de todos os continentes já expressavam possuir essa crença. Basta ler sobre a antiguidade, as civilizações Maias e Incas e sobre os múltiplos grupamentos indígenas intactos que existiram no planeta, que citações sobre ela sempre estarão presentes.


Nesse contexto psíquico humano que tem origem no medo da natureza, as religiões otimizaram a presença dessa ilusão no inconsciente coletivo ampliando uma noção mágica póstuma de felicidade plena. Assim, na psique humana, se consolidou e continua a ser cotidianamente consolidada a Metáfora da Salvação, atributo exclusivo dos humanos.



Somente os humanos desejam a Salvação e a vida eterna, pois têm medo da morte. Na porção da biosfera não humana do planeta Terra, vida e morte são realidades cotidianas concomitantes.



A Metáfora da Salvação em sua constante disputa contra a Metáfora de Morte atua sob o inconsciente humano, criando um processo continuo de gratificação egóica, na qual o mecanismo psíquico se dispõe a salvar (imaginar uma vitória permanente sobre a morte) para ser igualmente salvo, pois inconscientemente existe o reconhecimento temeroso que a Morte será a vencedora final.



Todavia, essa idealização de postergação da felicidade para uma segunda vida, incrustada nos cenários da psique humana como forma compensatória para a certeza da derrota perante a morte induz a uma desistência parcial cotidiana do vivenciar realidades na vida atual. Esse fato também vetora a mente para uma postura relapsa e narcisista com o entorno ambiental, pois esse possui menor valia do que a cena psíquica do embate metafórico central.



A conclusão inconsciente é que a vida atual não é totalmente satisfatória, pois a morte seguramente vencerá a vida. A vida post-mortem será melhor e paradisíaca. Essa dualidade metafórica com incerteza na felicidade cotidiana atual faz os humanos desejarem um paraíso ecológico póstumo, sem dar atenção protetora para o paraíso ecológico em que vivem. Querem constantemente transformá-lo, para uso e gozo específico, pois é necessário imaginar que “um mundo melhor é possível”, como almejam milhares de pessoas participantes dos Fóruns Mundiais Sociais. Uma intrigante falta de aceitação das realidades mundanas e humanas.



Por outro lado, os humanos praticantes de salvamentos de outros seres vivos8 e identificados pelas sociedades como heróicos, comprovadamente sentem gratificação egóica9 após a realização dessas ações, mesmo se, muitas vezes, esses salvamentos nada mais sejam do que meras responsabilidades básicas atinentes à profissão exercida. Todavia, para aquele que salva alguém da morte é concedido o respeito reverencial no contexto social, ou seja, a pessoa fica intitulada no inconsciente coletivo como o agente da Metáfora da Salvação ou o Vencedor da Morte.



A relação do salvador com aquele ou aqueles que são salvos é impregnada de gratificação para o salvador. O reconhecimento público adiciona créditos morais e materiais para justificar a “imortalidade terrestre do herói” e, inconscientemente, alimentar o desejo coletivo de vida póstuma. A mitologia grega é plena de exemplos10.

A mídia moderna vive em parte da criação e falsa construção de novos seres “hercúleos apolíneos” ou, como disse Nietzsche, seres resultantes da contemplação da beleza e da harmonia resultando em um estado de onirismo, no qual todo o sofrimento humano é transfigurado.



Os humanos querem, por onirismo, salvar aos outros para serem metaforicamente salvos.



Mesmos os ditos insanos também desejam a onírica salvação. Por exemplo, os homens bombas, psicopatas e sociopatas, sempre buscam encontrar na morte dos outros e em suas próprias mortes a salvação, pois a Metáfora da Salvação é a motivadora primordial da fé humana na imortalidade em suas múltiplas facetas, religiosas ou não, e também da vetoração psicossocial do “vir-a-ser” (devir11).



Pessoalmente, Nietzsche fez grandes esforços intelectuais, conscientes e inconscientes, através da descrição de seus conceitos sobre o “espírito livre” para tentar retirar o poder dessa metáfora sobre o pensamento humano; pouco conseguiu.



Através de sua filosofia, apresentada em uma profícua obra literária, somente conseguiu realizar sua própria metáfora de salvação, obtendo a imortalidade póstuma de seu nome e de suas metáforas filosóficas.



Ele e aqueles que se dizem imortais ou idealistas12 são as provas de que a Metáfora da Salvação é importante indutora e ampliadora do desejo narcisista humano de vida eterna.



O narcisismo é antagônico ao coletivo e ao difuso e, assim, também o é para com a natureza, pois não permite o reconhecimento da vida dos demais seres vivos como de valor igual à humana.



Uma demonstração inconteste da poderosa presença dessa metáfora psíquica foi escrita pelo articulista PUGGINA13;



“Na Ressurreição metemos o pé no estribo para a vida eterna. É nela que vencemos o aguilhão da morte. E eu não convivo de modo saudável com a idéia de que a morte, ao fim e ao cabo, seja a grande e definitiva vitoriosa sobre tudo e sobre todos”.



O texto de PUGGINA é um exemplo de como a Metáfora da Salvação resulta na mítica crença da imortalidade humana e, por consequência, da superioridade humana em relação aos demais seres vivos e da própria morte.



A partir daí duas perguntas emergem e procuram respostas:



Por que os humanos devem conviver de forma fóbica com a idéia de morte?



Por que só os humanos no universo possuem direito à imortalidade?



Somente a fé naquilo que é cientifica e racionalmente improvável, ou seja, a eternidade, consegue estimular a idéia de que os humanos são os “preferidos da natureza”. Excetuando uma fé estimulada, nada justifica esse tipo de pensamento, qual seja, entre milhões de espécies vegetais e animais, os humanos seriam os detentores de uma preferência e exclusividade universal ecossistêmica (escolha da natureza), sem nenhuma razão ecológica.



Além disso, acreditar que é possível driblar indefinidamente a morte prolongando postumamente a vida humana, nada mais é do que referendar a existência dominante da Metáfora da Salvação.



A ilusão de que a vida é eterna é uma fonte continuada e inequívoca de problemas emocionais (fobias) para o cotidiano humano.



Por isso, FERRY, L. ensina:



“… a irreversibilidade do curso das coisas, que é uma forma de morte no interior mesmo da vida, ameaça-nos de sempre nos arrastar para uma dimensão do tempo que corrompe a existência: a do passado, onde se instalam os grandes corruptores da felicidade que são a nostalgia e a culpa, o arrependimento e o remorso”.



Ninguém quer psiquicamente admitir a própria morte e sua superioridade sobre a vida; muito menos morrer. Os suicidas são prisioneiros de seus corpos, mentes e narcisismo extremado, mas ao fim de tudo, são também frutos da Metáfora da Salvação.



As sociedades humanas que pela guerra conviveram e convivem intimamente com a Metáfora de Morte desenvolveram e desenvolvem, em todos os sentidos, estratégias mais amplas de sobrevivência solidária, mas para isso sofreram muito. Ao contrário, as sociedades nas quais a guerra é psiquicamente mais longínqua do inconsciente coletivo cotidiano, ainda lutam por consolidação intelectual, psíquica e de sobrevivência coletiva.



No relógio da Catedral de Estrasburgo a metáfora sob a forma de escultura móvel e sincrônica mostra a verdade; “a morte é a soberana do tempo e dona da vida”

A Metáfora da Salvação e o Meio Ambiente.



A cena geopolítica após a Segunda Guerra mundial não continha preocupações relevantes com o meio ambiente. Vencido o nazismo e o fascismo a discussão geopolítica principal era o embate entre o capitalismo e o comunismo e, em ambos os lados, a reconstrução econômica e estrutural dos países. A humanidade tinha convivido muito próximo com a Metáfora da Morte. Os humanos estavam psiquicamente impregnados de desejos de salvação.



Nesse contexto de ufanismo salvacionista, a partir da década de 70 do século XX, começam a surgir no mundo os movimentos de recuperação e preservação do meio ambiente.



O novo ideal ambientalista trazia em seu arcabouço um discurso realista, qual seja, a apresentação para a humanidade da possibilidade da morte dos ecossistemas e por extensão da humanidade.



Em suma, os ecologistas com o discurso da prevenção e preservação fizeram novamente emergir na psique humana, sem que isso fosse parte do desejo deles, o debate da Metáfora da Morte. Infelizmente, a humanidade estava em um momento psíquico no qual os desejos individuais e coletivos eram de salvação e negação da metáfora da morte. Nesta época florescia a era do hedonismo e do individualismo que hoje vige amplamente.



Os ideólogos e apologistas do desenvolvimento, dentre eles, capitalistas e comunistas, tinham como alicerce de seus discursos a Metáfora da Salvação, pela redenção econômica dos povos e o incremento do prazer de viver através do conforto e dos ganhos pessoais. A destruição desenfreada da natureza e a morte de milhares de vegetais e animais de forma irracional, tais como os incêndios florestais, a caça assassina as focas bebes no ártico e a pesca predatória dos oceanos14, estavam justificadas pelo hedonismo humano, pois uma era dita de modernidade artificial, afastada da natureza estava e precisava chegar.



O embate estava estabelecido; os ecologistas que emocionalmente desejavam se apresentar como “defensores da vida”, ao falar de prevenção (implica em limites) foram inconscientemente reconhecidos como “defensores da morte”. Equivocadamente, o inconsciente coletivo associou os ecologistas com a castração ou figurativamente, como sendo os “Cavaleiros do Apocalipse Ecológico”.



Os desenvolvimentistas ficaram sendo identificados como os “defensores da vida humana” ou, aqueles que ofertavam e libertavam o prazer redentor do conforto e qualidade de vida, “os heróis do desenvolvimento”.



Merece destaque o fato de que até hoje o discurso do desenvolvimento econômico e social está psiquicamente sustentado na Metáfora da Salvação. Em todas as crises econômicas regionais e mundiais é sempre necessário “salvar a economia para salvar a humanidade”. Implicitamente está a ameaça de que, sem a economia tradicional a humanidade estará morta. Ao contrário, atrás do discurso de estimulação de posturas preventivas e curativas do meio ambiente, os humanos decodificam a morte.



No contexto geral, ambos, ecologistas e desenvolvimentistas, sempre prometeram uma vida paradisíaca para toda a humanidade, na futura era da modernidade15, ecológica ou não. Essa era prometida parece ter chegado com o início do século XXI e o que vemos é novamente a proximidade da extinção da humanidade, desta vez por um processo multifatorial que inclui, fome e subnutrição, sede e falta de água, redução exponencial do quantum fotossintético planetário, superpopulação, mudanças climáticas globais, contaminação do planeta por resíduos sólidos de todos os tipos, em especial químicos e radioativos.



O discurso da sustentabilidade, hoje politicamente absorvido pelos desenvolvimentistas, nada mais é que uma “conversa calmante” entre grupamentos políticos, econômicos e sociais, ideologicamente pouco interligados. Na ilusão da sustentabilidade todos querem se salvar, pois têm medo inconsciente da Metáfora da Morte.



No estágio atual da crise ecológica planetária, onde já deveriam estar sendo planejadas e implantadas soluções integradas e concretas em benefícios dos objetivos coletivos e difusos humanos e ambientais mundiais, regionais e locais já identificados, ainda se observa, com muito destaque, a presença de tergiversações políticas, legais e emocionalismos desinformados no tratamento geopolítico e institucional dos temas relacionados com o meio ambiente.



STRINGUINI, M.A. & PALAZZO, J.T., em artigo publicado na Revista do Fórum de Direito Urbano e Ambiental FDUA, escreveram:



…, do ponto de vista institucional e diplomático, é inegável a existência hoje de “uma grande opera bufa ambiental mundial”. Nela, metaforicamente, é vendida para o grande público a ilusão de que a humanidade através de seus governos está solucionando os problemas ambientais existentes. Um enorme engodo, pois os problemas ambientais historicamente existentes continuam aumentando e sendo agravados em suas magnitudes.



Considerações finais.



Este artigo destacou a Metáfora da Salvação uma das fontes psíquicas da geração dos problemas ambientais atualmente produzidos pela humanidade.



Para cumprir os ditames da Metáfora da Salvação o pensamento humano desenvolve e associa outras metáforas.



Nos artigos que compoem a trilogia, foram descritas e analisadas a Metáfora Ambiental e suas metáforas associadas, Metáfora de Descarte e Metáfora de Máquina. A Metáfora Antropocêntrica foi apresentada em outro artigo.



Essa conjunto de metáforas é forte impulsionador do agir humano atual em relação ao planeta. Desejando a salvação e uma vida eterna póstuma, os humanos optam por usar de forma destrutiva a natureza na vida presente.



Vive-se nesse início do século XXI a Era hedonista da Salvação, onde todos querem se salvar, a qualquer prazeiroso custo, por medo inconsciente do futuro, pois esse contém a Metáfora da Morte.



Nesse momento da história da humanidade na superfície do Planeta Terra, um erro de pensamento vigora no imaginário coletivo dos humanos. Humanos, estimulados pela Metáfora da Salvação, pensam ser donos do planeta, não reconhecendo que são parte dele. Certamente um delírio megalomaníaco coletivo. Pensar ser maior e mais importante que a natureza e o planeta, por imaginar ser imagem e semelhança de um deus ou deuses, inequivocamente é um dos enormes malefícios gerados pelas metáforas indicadas.



Inegavelmente a humanidade está realizando profundas alterações na geosfera e na biosfera, tentando dominar e explorar integralmente a natureza, criando um mundo artificial. Entretanto, essas ações humanas estão gerando efeitos negativos e passivos ambientais que já estão agindo contra a propria existência da humanidade.



Redução do quantum fotossintético do planeta; mudanças climáticas globais; mineração e deslocamento de massas (inbalance geofísico); concentração excessiva de populações sobre um mesmo espaço territorial; produção desmesurada de resíduos sólidos de todos os tipos, inclusive nucleares; poluição descontrolada das águas; redução da biodiversidade; desmatamento desordenado e incontrolável das florestas tropicais, superpopulação de máquinas, são exemplos daquilo que a humanidade está realizando no planeta.Todos esses problemas são orginados no pensamento metáforico humano e suas inumeras metáforas.



A humanidade está tão ocupada com a ilusão da própria salvação, que deverá ser realizada em um mundo artificial, que está esquecendo de dar valia aos demais elementos que proporcionam viabilidade à vida no planeta.



Se os humanos pensam que destruindo o planeta irão se salvar estão redondamente enganados. Um enorme erro psiquico, irracional, pois;



- Os “Cavaleiros do Apocalipse Ecológico” não são os ecologistas, mas sim aqueles que acreditam que é possível viver em mundo só humano; um útero artificial.



Somente preservando a natureza, a humanidade prolongará sua existência na biosfera. A construção de um novo padrão metafórico para o pensamento humano, fundamentado nas leis da vida no universo, partindo de uma lógica transdisciplinar, multifatorial, conformando uma base ética aceita globalmente, poderá ser uma forma adequada de manter existente a vida na Terra, inclusive dos humanos.



Indubitavelmente, a humanidade caminhará com passos largos para a extinção junto com muitas outras espécies, se não desenvolver psiquicamente a Metáfora da Vida para mitigar os efeitos nefastos da Metáfora da Salvação. Se assim não fizer estará facilitando e antecipando a vitória da Metáfora da Morte sobre a humanidade.




Referências bibliográficas..



1.CRESPO, João Carlos. Bênção, Mamãe Gruta – O Strip-Tease dos Mitos, Gráfica e Editora La Salle, Porto Alegre, RS. Brasil 1992.


1.FERRY, Luc; Aprender a Viver – Filosofia para os novos tempos. Ed. Objetiva. São Paulo, SP, Brasil,2007.
2.GRAY, Johm; Straw Dogs – Thoughts on humans and other animals; Granta Books, London, GB, 2002.


1.MARTINS, Francisco; Psicopathologia I Prolegômenos, Ed. PUCMINAS, Belo Horizonte, MG, Brasil, 2005.


1.NIETZSCHE, F.W; Humano, Demasiado Humano: um livro para espíritos livres; Companhia das Letras, São Paulo, SP, Brasil, 2005.


1.NIETZSCHE, F.W; Ecce homo: de como a gente se torna o que a gente é; L&PM, Porto Alegre, RS, Brasil, 2008.


Artigo enviado pelo Autor e originalmente publicado na Revista Fórum de Direito Urbano e Ambiental, n° 58: julho/agosto 2011.





1 Biólogo, Doutor em Ciências do Meio Ambiente – Perito e Consultor Internacional. Membro Fundador de Honra da Sociedade Brasileira de Psicologia Jurídica. Professor Chair Sud da Universidade de Liége – Bélgica.

2 Revista do Fórum de Direito Urbano e Ambiental, números 51, ano 9, maio/jun. 2010 e 55, ano 10, janeiro e fevereiro de 2011, Ed. Fórum, Belo Horizonte, MG, Brasil.

3 Cerca de 4 bilhões de humanos vivem nos limites da miserabilidade.

4 “Úteros protetores” em sentido figurado, metafórico, representando todas as formas existentes destinadas à proteção dos novos nascentes.

5 Interdições psíquicas são impedimentos cotidianos auto produzidos pelo super eu, pela ética, pela moral e as leis, atuando em conjunto ou em separado para controlar o livre agir dos humanos, viabilizando a realidade do convívio social. Diferenciam-se das castrações por serem mais efêmeras em seus resultados psíquicos. As castrações tendem para um caráter mais traumático.

6 Sugere-se a leitura do artigo A Metáfora Antropocêntrica, integrante dessa trilogia.

7 A palavra felicidade pressupõe a vida em uma sociedade humana ética. A falta de ética proporciona o crescimento das infelicidades.

8 Preferencialmente, pois existem casos de atos salvadores de bens materiais, como por exemplo, a recuperação de uma tela de importante valor cultural.

9 Uma espécie de orgasmo emocional.

10 São exemplos, Hércules, Teseu, Super Homem, Mulher Maravilha, etc.

11 HOUAISS : Rubrica: filosofia.: 2. fluxo permanente, movimento ininterrupto, atuante como uma lei geral do universo, que dissolve, cria e transforma todas as realidades existentes; devenir, vir-a-ser.

12 Aqueles que buscam a imortalidade através dos ideais.

13 PUGGINA, Percival; Sobre péssimos negócios, Jornal Zero Hora, 24 de abril de 2011, Artigos, p. 12, Porto Alegre, RS, Brasil.

14 Vigente até os dias de hoje.

15 Mais uma construção metafórica da mente humana.

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FONTE : EcoDebate, 21/09/2011

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