Nas últimas duas temporadas, Dawa Sherpa não pôde escalar o Everest. Este embaixador do Fundo Mundial para a Natureza, que já por duas vezes conquistou o cume da montanha mais alta da Terra, pode não voltar a vê-la por culpa da mudança climática. “A neve que cobre a montanha diminui e as fendas se abrem nas geleiras. Nos últimos dois anos houve frequentes avalanches”, disse Dawa.
O montanhista disse que, ao chegar ao Acampamento Base, a 5.380 metros de altitude (o Everest tem 8.848 metros), já se pode ver claramente a devastação causada pelo aquecimento global. Em 2010, um de seus colaboradores sherpas (moradores dos montes Himalaias) perdeu a vida em uma avalanche. Dawa recordou que o montanhista nepalês Apa Sherpa, que atingiu o ponto mais alto do Everest por 20 vezes desde 1990, viu no ano passado charcos de água a oito mil metros de altitude.
As geleiras cobrem cerca de 10% do Nepal, de onde fluem 10% dos riachos. O derretimento dos gelos é uma das várias consequências da mudança climática nesta nação da Ásia meridional. O ministro de Florestas e Conservação do Solo, Jagadish Chandra Baral, falou à IPS de um assombroso exemplo de como o aquecimento do planeta afeta o setor agrícola do Nepal.
“A área de cultivo de maçãs no distrito de Mustang está mudando gradualmente para altitudes maiores”, já que as crescentes temperaturas nas áreas mais baixas permitem a reprodução de vermes nos frutos, explicou Jagadish. “Os moradores dizem até há pouco tempo podiam cultivar facilmente maçãs saudáveis a uma altitude baixa, como em Lete (aldeia a 2.480 metros), mas hoje as maçãs tendem a serem atacadas por vermes, inclusive mais acima, como em Larjung (2.550 metros), Kobang (2.640 metros) e Marpha (2.670 metros)”, acrescentou.
Agora há planos para reassentar a aldeia de Dhe na área de Mustang, perto do Tibete, porque suas fontes de água estão secando e a flora desaparece rapidamente, deixando pouco para os animais comerem. Segundo o jornal inglês Republica informou em junho, um total “de 150 pessoas (23 famílias) serão reassentadas devido ao impacto da mudança climática no sustento dos pobres na aldeia”.
A localidade “sofre uma aguda escassez de água para irrigação nos últimos seis ou sete anos”, prossegue o jornal. “A terra irrigada diminuiu para menos de 50%, e a pecuária, principalmente a criação de cabras, caiu entre 40% e 45%”. A ironia é que o Nepal praticamente não contribui em nada para a mudança climática. Os países industrializados são os maiores emissores dos gases-estufa, causadores do fenômeno. De fato, China e Índia, que rodeiam o Nepal, são duas nações de rápida industrialização e estão entre os maiores emissores de dióxido de carbono.
No começo deste ano, o Grupo Internacional de Especialistas sobre a Mudança Climática (IPCC) admitiu ter errado ao prever que as geleiras na Cordilheira do Himalaia desapareceriam até 2035. Isto fortaleceu os céticos do aquecimento global. Mas o IPCC disse que, embora tenha errado a data, não errou no prognóstico de que os glaciares do Himalaia derreterão.
“Temos ampla evidência científica para demonstrar que a mudança climática está causando um retrocesso das geleiras do Himalaia”, disse Madan Shrestha, da Academia de Ciências e Tecnologia. Madan estuda o assunto desde 1974, quando integrou a Expedição Glaciológica ao Nepal, um esforço conjunto de pesquisadores japoneses e nepaleses. O especialista disse que ficou chocado ao ver uma foto feita em outubro de 2009 da geleira Yala (entre 5.100 e 5.700 metros de altitude) na área de Lamtang, no centro do Nepal.
“A fotografia era uma evidência do fato de que a massa das geleiras havia diminuído e que ocorrera um significativo retrocesso”, afirmou Madan. Uma análise comparativa das fotos feitas em diferentes períodos de tempo revela claramente que o destino de outras geleiras, como a AX010 (entre 4.950 e 5.390 metros) na montanha de Shorong, não é diferente, acrescentou.
Madan disse que o Nepal precisaria fazer muito em termos de mitigação do aquecimento global. “Como sinal de resposta aos esforços internacionais deveríamos afirmar nossa vontade de participar das ações de mitigação, mas nossa atenção se concentra na adaptação”, afirmou. Ele propôs a introdução de variedades de cultivos resistentes ao calor e o fortalecimento das represas para que possam conter a crescente pressão da água, entre outras coisas. E destacou o exemplo do Japão, que adotou tipos de arroz resistentes às inundações.
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FONTE : Bhuwan Sharma, da IPS (Este artigo da IPS é parte de uma série apoiada pela Rede de Conhecimentos sobre Clima e Desenvolvimento).
(IPS/Envolverde)
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