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quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

OS MERCADOS VERDES


Passados mais de 30 anos desde o lançamento do relatório "Limites do crescimento" pelo grupo de industriais e cientistas do Clube de Roma, a discussão da sustentabilidade avançou pelo menos no que diz respeito ao reconhecimento do fracasso do modelo atual de desenvolvimento. Ainda que represente o caminho mais óbvio para conciliar benefícios econômicos, ambientais e sociais, operar a mudança necessária para viabilizar o desenvolvimento sustentável continua sendo um desafio para as lideranças globais. Martin Lees, secretário-geral do Clube de Roma, sugere que essa transição se dará com destruição criativa do próprio capitalismo de mercado.

"Há certos setores da economia como o de energia e petróleo que sofrerão conseqüências à medida que avançarmos para uma economia de baixo carbono. No entanto, haverá muitos outros que serão enormemente beneficiados e também a sociedade como um todo. E há exemplos práticos disso. No Canadá, a terceira maior indústria é a de bens e serviços ambientais", ressalta.

A tese de Lees assemelha-se à proposta original do conceito de destruição criativa, desenvolvido pelo economista Joseph Schumpeter. Segundo ele, ao mesmo tempo em que destroem, à medida que são introduzidas no mercado, novas tecnologias e estruturas de produção também criam. O progresso é, portanto, conseqüência desse processo destruidor e criativo.

O secretário do Clube de Roma propõe ainda a reinvenção dos modelos mentais e institucionais. "A crença indiscriminada na mágica do mercado levou-nos aos problemas atuais. Mas a crise financeira reforça as fragilidades desse pensamento e envolve o mundo na busca de novas estratégias. Estamos entrando em uma era de desafios e oportunidades", afirma.

Em visita ao Brasil para participar do "Diálogos da Terra", evento realizado no último mês de novembro pela Green Cross International e Governo do Estado de Minas Gerais, Martin Lees concedeu entrevista exclusiva à revista Idéia Socioambiental. Confira o que pensa o representante de um dos primeiros movimentos a propor a revisão da lógica de crescimento econômico, sob a perspectiva da sustentabilidade.

Idéia Socioambiental: 30 anos após a divulgação do relatório "Limites do Crescimento" pelo Clube de Roma, qual a sua avaliação sobre a discussão do desenvolvimento sustentável? Em que pontos avançamos e em quais não tivemos muitos progressos?

Martin Lees:
Tivemos alguns progressos, principalmente porque as pessoas têm compreendido os riscos de um crescimento insustentável. Também há um movimento cada vez maior de empresas e governos para tornar suas atividades mais sustentáveis. Mas a triste constatação é que, em termos de gestão dos assuntos relacionados ao desenvolvimento sustentável, não avançamos muito. Basta olhar dois aspectos em particular: um diz respeito às mudanças climáticas e o outro aos ecossistemas. A humanidade está usando, pelo menos, 130% dos recursos do planeta a cada ano, o que é, obviamente, insustentável. Esse perigo é real. A comunidade científica já mostrou que estamos enfrentando um grande risco e por isso temos que agir rápido. Esse cenário me leva a concluir que avançamos em alguns aspectos desde a divulgação dos "Limites do Crescimento" em 1972. Por outro lado, a situação hoje é muito mais preocupante.

I.S: Precisaremos desenvolver novos mecanismos que considerem as externalidades da atividade econômica?

M.L: A economia clássica apresenta três limitações. A primeira diz respeito ao reconhecimento das externalidades. Para ela, aquilo que não se consegue mensurar, não tem impacto. Essa não é uma boa regra para conduzir os negócios porque exclui aspectos importantes que afetam a vida humana e o planeta. Em segundo lugar, há o que chamamos de propriedade comum dos recursos da humanidade. A atmosfera ou um rio pertencem a todos. Por isso, ninguém poderia poluir esses recursos sem arcar com algum custo. Mas a economia não tem se mostrado eficaz em lidar com bens de propriedade comum. A questão das mudanças climáticas é um exemplo. Segundo Nicholas Stern (autor de relatório que mostrou os custos econômicos do aquecimento global), ela representa o maior fracasso da economia de mercado na história da humanidade. O terceiro está relacionado ao pensamento de curto prazo, característico da economia de mercado. Por um longo período de tempo, priorizou-se a maximização do lucro, sendo que as conseqüências no longo prazo e oportunidades para as gerações futuras foram subestimadas. A forma como pensamos o crescimento e estratégias econômicas precisam ser revistas. Isso tem se tornado cada vez mais claro, sobretudo depois dessa última crise financeira. O business mais usual fracassou, por isso precisamos pensar em uma nova tendência para o desenvolvimento econômico.

I.S: Mecanismos econômicos, como a taxação, também podem ser usados para combater o aquecimento global, conduzindo a sociedade para padrões mais sustentáveis?

M.L: Mecanismos econômicos são muito poderosos e podem ser extremamente úteis se forem oferecidos incentivos às pessoas com o intuito de conduzir o desenvolvimento na direção correta. A precificação para o uso de recursos escassos ou a taxação de atividades poluidoras, por exemplo, podem ser muito úteis, mas precisam ser aplicadas no contexto correto. Não se pode, por exemplo, simplesmente privatizar a água de modo que o preço se torne tão alto que as pessoas mais pobres não tenham acesso a esse recurso. Se pegamos o caso do carbono, vemos que as pessoas continuam lançando CO2 na atmosfera indiscriminadamente e não há incentivos suficientes para que parem. O sistema chamado cap and trade é uma forma de fazê-lo a partir do estabelecimento de taxas para o carbono. Outra forma seria impor metas de redução. Somente quando começarmos a precificar seriamente o carbono, as pessoas compreenderão a necessidade de reduzir emissões. Nesse cenário, o papel do governo deve ser o de assegurar os direitos comuns em um país, enquanto que o mercado deve promover a inovação.

I.S: Os anúncios recentes de Gordon Brown e Barack Obama de criar empregos no setor verde para recuperar a economia podem ser um sinal de que as lideranças públicas se envolverão mais ativamente com a questão da sustentabilidade?

M.L: Desde a década de 1980, quando ganharam espaço as políticas de Reagan e Thatcher, as pessoas vêm desacreditando o papel dos governos. Esse pensamento tem resultado nos problemas atuais. Por isso, devemos corrigir as deficiências do modelo atual e desenvolver outro que equilibre o papel do Estado e dos negócios. E acredito que os governos ocuparão um papel central nesse processo de transição. Além disso, para combater questões complexas como o aquecimento global precisamos agir em diferentes níveis: local, regional e globalmente. Precisamos de um engajamento, no qual todos os atores participem. E os governos, na sua posição, são os agentes que mais têm condições de articular esse acordo. O que Gordon e Obama querem dizer com o anúncio da criação de empregos no setor de energias renováveis é que o crescimento econômico e o uso responsável das energias e recursos naturais não são contraditórios. Esse é um sinal importante para a economia global.

I.S: A crise financeira, assim como as sociais e ambientais que vivenciamos está, de alguma maneira, relacionada à falta de lideranças globais que promovam a sustentabilidade como modelo de desenvolvimento?

M.L: O poder dos líderes, especialmente, governantes tem limites. Tip O’ Neill (político democrata norte-americano) há muitos anos disse: "Toda política é local". Dessa forma, um líder é eleito não porque é um gênio em mudanças climáticas, mas sim porque entende as preocupações dos cidadãos da comunidade da qual faz parte. Em um mundo totalmente interdependente, é difícil para os líderes conciliarem as demandas de sua comunidade com as questões mundiais. Mas há outro fator importante. As pessoas, muitas vezes, estão além de seus políticos. Nos Estados Unidos, por exemplo, há uma preocupação crescente de parte significativa da população quanto ao aquecimento global. Essa tomada de consciência, no entanto, ainda não tem se refletido em políticas federais. Por isso, os problemas atuais requerem uma ação integrada de líderes dos diferentes setores no mundo. A questão é: organizações internacionais como a ONU têm condições de catalisar esse movimento, criando agendas e soluções globais? Novos mecanismos institucionais são necessários. As mudanças climáticas estão acelerando e a comunidade internacional simplesmente não terá cinco ou dez para se organizar e fazer algo. Teremos que agir de uma forma ou de outra. Poderemos reagir no desespero, quando os problemas atingirem proporções tão graves que não teremos outra escolha ou então, poderemos agir a tempo para construir um mundo melhor.

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FONTE : Juliana Lopes (Envolverde/Revista Idéia Socioambiental)

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