09/12/2008 -
Amazônia: Uma esperança e uma solução
Por Edwirges Nogueira*
De avião, é possível ver pequenos retângulos num tom de verde-claro, quadrados intermitentes em um tom-sobre-tom com o verde mais escuro. Ali embaixo, porém, os retângulos se desdobram em grandes hectares de plantações de arroz e de soja e de outras culturas. São pedaços da Amazônia que dão espaço à corrida econômica que não pode parar. Tal corrida, porém, ainda não é aliada das formas de produção que podem manter a floresta sempre viva e produzindo bens para os filhos que ela sustenta.
Pela estreita estrada de terra, é possível ver que o verde claro, com o passar dos meses, se transforma-se em cor de mel. É a soja no ponto de ser colhida, doce para os latifundiários que a cultivam, mas não para as pequenas comunidades que crescem e vivem naquela terra nem para o meio ambiente. A cultura da soja, junto à extração da madeira e à pecuária, integra o tripé do desmata-mento. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) estima que 70% da degradação progressiva da Amazônia decorre da pecuária extensiva (em que o gado é criado solto em grandes áreas de pastagem). Seja de forma direta ou indireta, essas ações prejudicam a todos, sejam as comunidades que retiram seu sustento da maior floresta tropical do mundo, seja o ciclo natural fazendo com que as árvores da Amazônia evaporem 300 litros de água todo dia, contribuindo na distribuição das chuvas.
A Amazônia é uma ilustre desconhecida, tanto por parte do povo como dos governantes, e mal explorada em todos os seus aspectos, resume Anderson da Silva Costa, engenheiro, especialista em Estatística e pesquisador assistente na área ambiental e sensoriamento remoto do Instituto do homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). De janeiro a maio de 2008, segundo ele, a área desmatada da floresta já soma 4.142 km². Dados do Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter) de maio revelam que 1.096 km² foram mapeados como corte raso (quando se retiram todas as árvores de determinado espaço) ou degradação progressiva.
O dado leva em consideração o fato de que, nesse período, 46% da floresta foram cobertos por nuvens – isso significa que o número pode ser ainda maior. Em abril, com 53% de nuvens, o espaço mapeado foi de 1.123 km². A previsão é de que em junho e julho as taxas aumentem por conta da seca, período, conforme o pesquisador, ideal para explorar as áreas. Segundo o Ibama, o desmata-mento na região amazônica pode atingir este ano 14 mil quilômetros quadrados.
Os efeitos dessa má exploração podem ser sentidos e previstos em escala mundial. De acordo com Costa, o desmatamento das florestas tropicais é a segunda maior fonte de emissões de gases de efeito estufa (GEE), que provocam o aquecimento global, e é responsável por 18% a 25% das emissões globais, ficando atrás apenas das emissões causadas pelo uso de energia. “Fugir dessa lógica só depende de nós. Os principais estudos sobre esse tema apontam o combate ao desmatamento como a forma mais fácil e barata de minimizar os efeitos das mudanças climáticas”, diz.
Ele aponta ainda outros prejuízos causados pelo desmatamento: a perda de oportunidades para o uso sustentável da floresta, incluindo a produção de mercadorias tradicionais tanto por manejo florestal para madeira como por extração de produtos não madeireiros. Além disso, conforme ele, a sociodiversidade também é ameaçada, já que isto elimina culturas indígenas e extrativistas tradicionais, como os seringueiros.
Como mudar essa lógica que ameaça a floresta? Aqui, surge a idéia de sustentabilidade, discutida pela primeira vez em Estocolmo, em 1972 durante a Iª Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento humano. O desenvolvimento sustentável supre as necessidades da geração atual sem precisar comprometer a capacidade de atender às gerações vindouras e sem acabar com os recursos naturais. A sustentabilidade diz respeito tanto aos grandes empreendimentos instalados na floresta, como lavouras de soja e fazendas de gado, quanto às comunidades que vivem na e da floresta.
De acordo com Caetano Scannavino, coordenador do Projeto Saúde e Alegria, com sede em Santarém, que atua junto a comunidades ribeirinhas, fortalecer as populações locais é uma forma de salvaguardar a Amazônia. As comunidades localizadas às margens do rio Tapajós, por exemplo, vivem de coletas da floresta, caça, pesca e lavouras; há pouca circulação de moeda, conforme ele. O desmatamento, contudo, dificulta a subsistência de muitas famílias, provocando o êxodo rural e o desemprego. Para Scannavino, é necessário elaborar iniciativas econômicas sustentáveis, como o manejo florestal, a agroecologia e o ecoturismo, além de estabelecer novos paradigmas de consumo.
Quem mora na Amazônia sabe da importância de cuidar da casa. Alciney Feitosa, 31 anos, faz a sua parte na comunidade Maguari, na Floresta Nacional (Flona) do Tapajós, no Pará. Da extração do látex da seringueira, surge o sofisticado e eclético couro ecológico que é vendido em diferentes estados do Brasil. É ele quem coordena a fábrica onde 16 pessoas da comunidade atuam e de onde tiram uma parte do sustento. Oito delas coletam o látex das seringueiras. “A nossa renda depende das vendas. Às vezes chega a um salário para cada, às vezes não.” Dependendo das encomendas, segundo Alciney, mais pessoas da comunidade são capacitadas para trabalhar no galpão, que foi construído com recursos da United States Agency for International Development (Usaid), instituição governamental dos EEUU que já apoiou o projeto.
O método, conta ele, foi ensinado por um argentino que esteve na região em 1998 e trazia a novidade do Acre. “Ele reuniu a comunidade para falar sobre o couro ecológico, mas depois acabou dando um calote na gente”, conta Alciney. O preço dos produtos, que vão de porta-moeda a bolsas, varia entre R$ 5 e R$ 50. Igelcy Alves Dias, 31 anos, que trabalha na feitura do couro ecológico, conta que, em quatro dias, é possível fazer dez bolsas. O galpão de trabalho da comunidade é rodeado por seringueiras, cujos troncos estão desenhados pelos cortes rasos que faz jorrar seu líquido. “A gente não está degradando o meio ambiente. Usamos a seringueira, que nunca morre. É uma vaca leiteira muito boa”, resume Alciney.
“São as comunidades que defendem a floresta”, afirma Raimundo Costa Pedroso, da Federação Tradicional das Comunidades Ribeirinhas. Lá em Maguari, além do couro ecológico, também se vive da agricultura e do artesanato, conforme dona Raimunda Feitosa, 65 anos, que mora na comunidade desde os seis anos de idade. “A gente planta arroz, milho, feijão e mandioca para fazer farinha”, enumera a matriarca de uma família de 13 filhos, 25 netos e quatro bisnetos. Para ela, as grandes lavouras de soja e arroz existentes na Amazônia são um “desrespeito com o povo.” “Eles só trabalham com produto químico. O arroz vem envenenado. Aqui não. Percebo que é diferente desde a verdura: a folha é uma beleza. Aqui, a gente não consegue fazer a verdura ficar sem bicho, sempre tem uns buraquinhos. Mas é puro.”
Gestão de florestas
Para fazer com que a Amazônia seja utilizada de forma sustentável, faz-se necessária a aplicação efetiva de políticas públicas. Segundo Anderson, cerca de 40% da Amazônia são de áreas protegidas, regularizadas como florestas nacionais, parques e reservas, por exemplo. Do restante, fazem parte áreas particulares e terras públicas ainda sem destinação e passíveis de grilagem.
A Lei da Gestão das Florestas Públicas (lei 11.284) está em vigor desde 2006 e tem por fundamento permitir a utilização dos espaços para um modelo sustentável de desenvolvimento por meio da criação de unidades de conservação, da destinação para uso das comunidades locais e de contratos de concessão florestal com empresas brasileiras mediante licitação. A primeira licitação para concessões florestais foi realizada em 2007 para a Flona do Jamari, em Rondônia, a fim de servir como base para a aplicação dessa política em outros locais.
De acordo com Costa, a Lei da Gestão das Florestas Públicas é uma inovação ambiental que precisa do reconhecimento e da confiança da sociedade brasileira. Ele observa, entretanto, que apenas a gestão das florestas públicas não vai impedir que desmatamentos aconteçam “O Ibama deve exercer sua atividade de fiscalização e inibição das agressões e o Ministério Público deve fiscalizar o cumprimento da lei.”
Outro instrumento que visa a desestimular meios de trabalho degradadores da Amazônia é a Re-solução Nº 3.545/08, do Conselho Monetário Nacional (CMN), que impede empréstimos na modalidade de crédito rural – seja por bancos públicos ou privados – para quem não apresentar certificado de cadastramento de imóvel rural e comprovação de respeito à legislação ambiental. Essa resolução entrou em vigor em julho. Além disso, o Plano Agrícola 2008/2009 privilegia o Programa de Produção Sustentável do Agronegócio, com uma linha de crédito que visa a recuperar áreas degradadas na pecuária e na agricultura.
Para o pesquisador do Imazon, frear o desmata-mento depende da criação de mais unidades de conservação, do aumento da fiscalização e da punição dos culpados. “Isso é essencial para evitar os impactos da perda de floresta. O elemento fundamental para reduzir a velocidade do desmatamento é a vontade política para fazer isto. Os líderes do País têm de ter confiança de que a ação de governo realmente pode frear, ou mesmo acabar com essa degradação.”
* Edwirges Nogueira de Oliveira é aluna da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Reportagem publicada na revista Meio Ambiente e Mudanças Climáticas na Amazônia, que reúne matérias de participantes do Laboratório Ambiental de Jornalismo promovido pela Fundação Konrad Adenauer, realizado no mês de junho, em Santarém (PA). Para ler a revista, baixe o arquivo (PDF): http://www.kas.de/wf/doc/kas_15054-544-5-30.pdf. Conheça o trabalho da Fundação em Fortaleza (http://www.sustentavel.inf.br) e em Buenos Aires (http://www.medioslatinos.com).
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FONTE : (Envolverde/Fundação Konrad Adenauer)
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