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quinta-feira, 18 de dezembro de 2008
MUITAS PEDRAS NO CAMINHO ATÉ COPENHAGEM
Russos negam-se a assumir metas mais ambiciosas de redução dos gases do efeito estufa; canadenses, americanos, neozelandeses e australianos não reconhecem direitos indígenas no debate de preservação das florestas; e União Européia lança pacote energético cheio de brechas para investir em energias não renováveis. Esse foi o panorama geral das negociações da ONU sobre mudanças climáticas (COP) que ocorreram em Poznan, na Polônia. Diante de um cenário como esse, o que podemos pensar para o futuro da humanidade? Seremos capazes de reverter o processo de aquecimento global que coloca em risco à sobrevivência da humanidade?
Cientistas renomados e até mesmo figuras carismáticas e respeitadas mundialmente como o Nobel da Paz, Al Gore, alertam que as mudanças climáticas representam uma ameaça à sobrevivência da humanidade. E que essas mudanças já acarretam drásticos problemas sociais, humanitários e ambientais hoje e irão piorar no futuro breve. Ciclones, furacões, tempestades, falta de água, desertificação e todo o tipo de catástrofe estão sendo intensificadas pelo acelerado aquecimento do planeta. Milhões de pessoas poderão tornar-se refugiados ambientais nas próximas décadas, sendo obrigados a deixar seus países por falta de moradia, água ou alimento. Centenas de espécies vegetais e animais estão desaparecendo num processo de extinção da biodiversidade sem precedentes na história da nossa civilização. Porém, a gravidade da situação não parece suficiente para que os países, sobretudo os desenvolvidos, cheguem a medidas rápidas e concretas para conter suas emissões de gases do efeito estufa.
A conferência da Polônia era considerada uma etapa importante no caminho até Copenhagem, em dezembro de 2009, onde um novo pacto global com validade até 2020 deverá ser firmado para conter de forma mais radical as emissões dos gases do efeito estufa. Porém, o encontro que deveria ter rendido sinalizações positivas, entendimentos e acordos, foi um verdadeiro fracasso. E mostrou que os países desenvolvidos são capazes de agir muito mais rápido para salvar bancos e corporações do que para investir num novo modelo econômico baseado em energias limpas e sustentáveis, considerado não só por ambientalistas, como por economistas renomados, como o inglês Nicholas Stern, ex-Banco Mundial, a única forma de crescimento viável. "Diante dessa crise ambiental, o único modelo de desenvolvimento que nos resta a partir de agora é o desenvolvimento limpo", afirmou Stern na Polônia.
A crise ambiental é muito mais drástica e ameaçadora do que a crise econômica, pelo menos é o que podemos ver pelos estudos científicos. Entretanto, quando o assunto é dinheiro para salvar vítimas das catástrofes ambientais já decorrentes do aquecimento global nos países pobres e mais afetados pelos cataclismas, os governos são bem conservadores e precisam das duas semanas da conferência para acordar sobre um Fundo (de Adaptação às Mudanças Climáticas) de US$ 60 milhões. Fundo esse que já vinha sendo discutido em outras edições da COP e revelou-se o único avanço concreto obtido na Polônia. Mal comparando: o pacote financeiro americano que foi lançado para salvar bancos, seguradoras, etc. da falência na atual recessão econômica foi de US$ 700 bilhões. Só as montadoras GM, Ford e Chrysler receberam US$ 14 bilhões sob a justificativa de salvar 240 mil pessoas do desemprego nos Estados Unidos. E como ficam os refugiados ambientais decorrentes dos impactos das mudanças climáticas? Não precisam ser ajudados? Segundo a ONG inglesa Oxfam, seriam necessários investimentos de US$ 50 bilhões anuais em infra-estrutura para conter impactos atuais e futuros relacionados ao desequilíbrio climático no mundo. "Esse avanço lento mata milhões de pessoas", frisou Sávio Carvalho, diretor da Oxfam em Uganda. A ONG Tearfund completa ainda dizendo que somente a realização da conferência na Polônia custou US$ 35 milhões aos cofres das Nações Unidas, mais da metade do que foi proposto ao Fundo de Adaptação às Mudanças Climáticas.
A União Européia, que sempre liderou as iniciativas pró-redução de gases do efeito estufa no mundo desenvolvido, mostrou-se mais conservadora na Polônia, deixando no ar uma "cinza" incerteza em relação ao futuro acordo em Copenhagem. "No mesmo momento que os Estados Unidos estão finalmente engajando-se com a comunidade internacional na questão climática, a União Européia parece deixar sua liderança para trás", enfatizou Joris den Blanken, do Greenpeace. Durante a conferência, os europeus lançaram um pacote de ações para conter as mudanças climáticas e um pacote de investimentos em energias renováveis, que foram muito criticados pelas ONGs. Os novos investimentos em energia, por exemplo, prevêem "asteriscos" como subsídios governamentais para a construção de termoelétricas a carvão em países como a Inglaterra e a Alemanha. A presidente alemã, Angela Merkel, considerada até então como uma liderança importante junto aos países desenvolvidos na questão climática, estava sendo chamada de "Darth Merkel" nos corredores do Centro de Convenções de Poznan, numa alusão ao famoso "lado negro da força" de Guerra nas Estrelas, por permitir novos projetos baseados em carvão. Os europeus comprometeram-se em reduzir suas emissões de gases do efeito estufa em 20% (comparado aos níveis de 1990) até 2020, reduzir o consumo de energia em 20% com projetos de eficiência energética e aumentar em também 20% a participação de fontes renováveis de energia na matriz européia. Por isso, o pacote europeu foi chamado de metas 20-20-20.
Para completar a insatisfação daqueles que previam avanços importantes em Poznan, os russos afirmaram que estão fora de um novo compromisso global de redução de metas e que criarão seu próprio plano nacional "viável e condizente" com a realidade econômica da Rússia, deixando mais uma pedra no caminho para Copenhagem. Outro ponto delicado foi a discussão envolvendo a proteção das florestas tropicais. O novo mecanismo chamado REDD (Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation) está sendo desenhado no âmbito da Convenção do Clima para que os países detentores de grandes florestas como Brasil, Congo e Indonésia, recebam recursos para serem aplicados em ações de combate ao desmatamento e com isso reduzam emissões. O Brasil inclusive vem trabalhando fortemente dentro das ações ligadas ao REDD, como o Fundo Amazônia, lançado pelo ministro Carlos Minc, na Polônia, com objetivo de receber aporte de recursos para projetos de preservação da floresta amazônica. No entanto, em Poznan, as negociações de REED foram amplamente criticadas por grupos indígenas e organizações de direitos humanos, que acusaram os Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia e Canadá de violarem os direitos dos povos indígenas. Os quatro países vetaram o uso da palavra "direitos" e qualquer menção à declaração das Nações Unidas pelos direitos indígenas no texto sobre REDD, deixando vulneráveis aqueles que sempre viveram e preservaram as florestas. "Os interesses econômicos estão acima de tudo. Daqui a pouco, nem as florestas e os povos da floresta vão escapar", disse representante do Fórum Internacional dos Povos Indígenas.
Um caminho tortuoso deverá ser percorrido de agora em diante para que um acordo eficaz de combate às mudanças climáticas seja firmado no fim de 2009, na Dinamarca. Espera-se que o novo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, seja, de fato, o líder que todos no mundo anseiam, apoiando investimentos em energias renováveis e criando um ambiente econômico e político favorável para o desenvolvimento de uma economia verde e sustentável . Vale lembrar que os Estados Unidos, maior poluidor do planeta, não ratificou o Protocolo de Quioto e poderá, agora, na administração Obama, fazer parte do novo tratado global para combater as mudanças climáticas. A esperança lançada pelo engajamento norte-americano também é reforçada pela participação importante dos países emergentes, como China, Índia, Brasil, México e África do Sul, que foram elogiados pelas suas propostas e comprometimento durante a conferência na Polônia. O Brasil, por exemplo, comprometeu-se em reduzir 72% o desmatamento na Amazônia nos próximos 10 anos.
Que as palavras inspiradas de Al Gore, que sensibilizou a platéia em Poznan inúmeras vezes, prevaleçam em 2009, deixando para trás as pedras no caminho. "Tenho muita esperança no coração e vejo que há um esforço global para salvar a nossa casa, o planeta Terra", ressaltou Gore, dizendo que essas negociações sobre o clima ultrapassam a esfera política e consistem em um desafio espiritual. "Gandhi costumava dizer uma palavra Satyagraha, que significa a força da verdade, que é maior de todas as forças", concluiu Gore.
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FONTE : Juliana Radler é jornalista e documentarista da Sumaúma Documentários Socioculturais e Ambientais (http://www.sumauma.org">http://www.sumauma.org) e esteve em Poznan, Polônia, acompanhando a Conferência do Clima. (Envolverde/O autor)
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