“Todas as religiões dogmáticas formais são falaciosas e nunca devem ser aceitas,
em definitivo, por pessoas com auto-estima”
Hipátia de Alexandria (355-415)
“A religião para mim é ciência e a ciência é religião”
Ada Lovelace (1815-1852)
Ada Lovelace – Alfred Edward Chalon [Public domain], via Wikimedia Commons
[EcoDebate] O Dia Internacional da Mulher é uma data de reflexão e um momento de rememorar o luto e a luta de todas aquelas que se rebelaram contra a subjugação feminina, não se intimidaram diante da segregação de gênero e deram exemplos da capacidade intelectual e de poder criativo para a transformação e o aperfeiçoamento da humanidade e a preservação ecológica.
Entre as mulheres mais brilhantes da história está a inglesa Ada Augusta King, mundialmente famosa como Ada Lovelace (10/12/1815-27/11/1852). Ela nasceu em Londres e era filha de Anne Isabella Milbanke Byron, conhecida como Anabella (1792-1860) e do grande poeta George Gordon Byron, conhecido como Lord Byron (22/01/1788 – 19/04/1824).
Anabella e Lord Byron se separaram um mês depois do nascimento de Ada. Lord Byron que tinha tido uma filha ilegítima (Elizabeth Medora Leigh 15/04/1814 – 28/08/1849) com sua meia irmã pouco antes de casar com Anabella, teve, após a separação, um rápido caso com Claire Clairmont, que era meia irmã de Mary Shelley e desta curta relação amorosa, nasceu Clara Allegra Byron (12/01/1817 – 20/04/1822). Em abril de 1816, Lord Byron deixou a Inglaterra e nunca mais voltou, pois morreu, em 1824, em Mesolóngi, na Grécia, lutando ao lado dos gregos contra o Império Otomano. Em junho de 1816, quando Ada Lovelace estava com 6 meses de vida, houve o famoso encontro entre Lord Byron, e o casal Percy e Mary Shelley, em Genebra, onde foi concebido, a partir de uma sugestão de Byron, o livro “Frankenstein, ou o moderno Prometeu”, obra-prima da literatura científica mundial.
Lord Byron nunca teve contato presencial com sua única filha legítima depois que ele deixou a Inglaterra e morreu quando ela tinha 9 anos de idade. Anabella, a mãe de Ada, era contrária ao estilo de vida que o ex-marido levava e não queria que a filha seguisse qualquer carreira literária ou poética, mas ofereceu uma educação excepcionalmente rigorosa na área de ciências exatas, o que era raro naquele início do século XIX. Anabella acreditava que estudos rigorosos evitaria que Ada desenvolvesse as atitudes temperamentais e imprevisíveis de seu pai. Também incentivou a filha a ficar quieta por longos períodos de tempo, pois essa prática (de meditação) ajudaria a desenvolver o autocontrole.
Desde criança, Ada Lovelace mostrou um talento excepcional para números e a linguagem científica. Ela recebeu instruções de William Frend, um renomado reformador social; William King, o médico da família; e Mary Somerville (1780-1872), uma astrônoma e matemática escocesa, que foi a primeira mulher a ser admitida na Royal Astronomical Society (junto com Caroline Herschel). Quando John Stuart Mill, um dos maiores economista de todos os tempos, organizou uma grande petição ao Parlamento para estender às mulheres o direito ao voto, a assinatura de Mary Somerville era a primeira.
Aos 17 anos de idade, Ada Lovelace foi apresentada a Charles Babbage (1791-1871), um cientista, matemático, filósofo e inventor que criou o conceito de um computador programável. Ele foi eleito membro da Royal Society of London (1816) e recebeu uma bolsa do governo para projetar uma calculadora com capacidade para calcular até a vigésima casa decimal. Enquanto desenvolvia o seu computador, lecionava matemática na Universidade de Cambridge e apresentou sua máquina analítica em 1833. Babbage também criou planos para outro dispositivo conhecido como o mecanismo analítico, projetado para lidar com cálculos mais complexos.
Ainda adolescente, Ada ficou fascinada com as ideias de Babbage e a possibilidade de criar um mecanismo para realizar cálculos matemáticos. Ela se tornou amiga de Babbage e sua colaboradora. Ada foi posteriormente convidada para traduzir um artigo sobre o mecanismo analítico de Babbage, escrito pelo engenheiro italiano Luigi Federico Menabrea para um jornal suíço. Ela não apenas traduziu o texto do francês original para o inglês, mas também adicionou seus próprios pensamentos e ideias sobre a máquina. Suas notas acabaram por ser três vezes maiores do que o artigo original. Seu trabalho foi publicado em 1843, em uma revista científica inglesa. Ada usou apenas as iniciais “A.A.L.”, para Augusta Ada Lovelace.
Em suas anotações, Ada descreveu como códigos poderiam ser criados para o dispositivo lidar com letras e símbolos, acompanhado de números. Ela também teorizou um método para a máquina repetir uma série de instruções, um processo conhecido como “loopping” que os programas de computador usam hoje. As notas de Ada foram classificadas de A a G, sendo que na última ela descreve o algoritmo para a máquina analítica computar a Sequência de Bernoulli.
Ela também ofereceu outros conceitos de futuro no artigo. Por suas concepções inovadoras e prescientes, Ada é considerada a primeira programadora de computador do mundo e a primeira a elaborar um algoritmo, que é a base dos computadores e da Inteligência Artificial. Ada Lovelace conseguiu colocar em prática o que ela chamava de “ciência poética”, sendo uma inspiração para a forma como indivíduos e a sociedade se relacionam com a tecnologia como uma ferramenta colaborativa.
O computador de Charles Babbage não entrou em operação e o artigo de Ada atraiu pouca atenção enquanto ela estava viva. Entretanto, mais de 100 anos depois, Ada Lovelace recebeu o reconhecimento somado ao trabalho de Alan Turing, também professor da Universidade de Cambridge, considerado o “pai da computação”.
Alan Turing foi um excepcional matemático, que, aos 30 anos, ganhou destaque quando criou um sistema para traduzir os textos encriptados pelos alemães chamado “bombe” e construiu uma “máquina-automática”, atualmente conhecida por máquina de Turing. A ideia do equipamento era bastante simples: o aparelho devia ser capaz de manipular símbolos em uma fita de acordo com uma série de regras para guardar informações.
A lógica por trás da máquina de Turing pode imitar qualquer algoritmo de um PC, se mostrando especialmente útil para a computação e para a Inteligência Artificial. Foi nesta época também que Alan Turing criou seu famoso teste, usado até hoje para descobrir o nível de inteligência de um programa de inteligência artificial. A divulgação das anotações de Ada Lovelace foi fetia por B.V. Bowden, que as publicou em “Faster Than Thought”: Um Simpósio sobre Máquinas de Computação Digital, ocorrido em 1953.
Alan Turing reconhece que a concepção original do algoritmo foi de Ada Lovelace. Os algoritmos são a base de todos os desenvolvimentos científicos da 4ª Revolução Industrial. Yuval Noah Harari diz: “A vida é mesmo apenas processamento de dados e todos os organismos são só algoritmos”.
Cabe registrar que Alan Turing, por ser homossexual, foi vítima de um processo criminal em 1952, pois os atos homossexuais eram ilegais no Reino Unido à época, e ele aceitou o tratamento com hormônios femininos e castração química, como alternativa à prisão. O resultado foi a depressão e o suicídio. Em 2009, após uma campanha de internet, o primeiro-ministro britânico Gordon Brown fez um pedido oficial de desculpas público, em nome do governo britânico, devido à maneira pela qual Turing foi tratado após a guerra. Em 2013, Alan Turing recebeu o perdão real da rainha Elizabeth II.
O filme “O Jogo da Imitação”, lançado em 2014, conta a biografia de Alan Turing. Ele foi uma das pessoas mais importantes para a computação e a Inteligência Artificial e reconheceu a importância da concepção pioneira de Ada Lovelace.
Em termos de vida pessoal, Ada casou-se com William King, que se tornou o Conde de Lovelace três anos depois. Ela então tomou o título de Condessa de Lovelace. Eles tiveram 3 filhos. O casal gostava de cavalos e Ada gostava de beber e jogar. O casal convivia com muitos cientistas e escritores da época, incluindo o cientista Michael Faraday e o escritor Charles Dickens. Ada morreu de câncer uterino em Londres em 27 de novembro de 1852 e escolheu ser enterrada ao lado de seu pai (Lord Byron) no cemitério da Igreja de Santa Maria Madalena em Nottingham, Inglaterra.
Ada Lovelace nasceu 1.400 anos depois da morte de Hipátia de Alexandria (355-415), que foi uma cientista exemplar e grande inspiradora dos estudos de matemática e astronomia (ver Alves, 06/03/2015). Foi criado o “Ada Lovelace Day” (ALD),que é um dia de celebração internacional das conquistas das mulheres em ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM).
Cientistas como Hipátia e Ada devem ser lembradas no Dia Internacional da Mulher, pois são exemplos incontestes da capacidade intelectual e da determinação científica, especialmente por se destacarem em um campo praticamente monopolizado pelo sexo masculino.
Referências:
ALVES, JED. Os 200 anos do livro “Frankenstein, ou o moderno Prometeu”, Ecodebate, RJ, 23/10/17
https://www.ecodebate.com.br/2017/10/23/os-200-anos-do-livro-frankenstein-ou-o-moderno-prometeu-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
https://www.ecodebate.com.br/2017/10/23/os-200-anos-do-livro-frankenstein-ou-o-moderno-prometeu-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. Hipátia de Alexandria, epicurismo e a realização pela ciência, Rede feminista de Saúde, 04/03/15
http://redesaude.org.br/comunica/opinao/hipatia-de-alexandria-epicurismo-e-a-realizacao-pela-ciencia
http://redesaude.org.br/comunica/opinao/hipatia-de-alexandria-epicurismo-e-a-realizacao-pela-ciencia
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 07/03/2018
"Dia Internacional da Mulher: Ada Lovelace e a Inteligência Artificial, artigo de José Eustáquio Diniz Alves," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 7/03/2018, https://www.ecodebate.com.br/2018/03/07/dia-internacional-da-mulher-ada-lovelace-e-a-inteligencia-artificial-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/.
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