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terça-feira, 11 de outubro de 2016

Guangues forçam deslocamentos em El Salvador

Meninas pulam corda no abrigo onde elas e suas famílias permanecem refugiadas na localidade de Caluco, no ocidente de El Salvador, em uma instalação improvisada em uma quadra de basquetebol. Dezenas de famílias fugiram em massa da vizinha comunidade agrícola de El Castaño devido à violência e às ameaças de gangues. Foto: Edgardo Ayala/IPS
Meninas pulam corda no abrigo onde elas e suas famílias permanecem refugiadas na localidade de Caluco, no ocidente de El Salvador, em uma instalação improvisada em uma quadra de basquetebol. Dezenas de famílias fugiram em massa da vizinha comunidade agrícola de El Castaño devido à violência e às ameaças de gangues. Foto: Edgardo Ayala/IPS
Por Edgardo Ayala, da IPS – 
Caluco, El Salvador, 10/10/2016 –Uma quadra de basquete se transformou, de um dia para outro, em albergue onde cerca de 20 famílias deslocadas pela violência das gangues encontraram abrigo e comida quente, no primeiro centro de seu tipo em El Salvador. Mas o medo, a tristeza e a incerteza ainda afetam essas pessoas.“Estou triste e desolada, perdi minha mãe e meu pai e agora andamos fugindo com minha família, como se tivéssemos feito algo”, contou uma mulher de 41 anos enquanto aguardava a hora do almoço no albergue levantado em Coluco, município rural do departamento de Sonsonate.
Ela e as demais vítimas entrevistadas pela IPS no abrigo pediram para não terem seus nomes revelados por medo de represálias.Seu pai foi assassinado em setembro por integrantes da gangue Barrio 18, que depois ameaçaram de morte o restante da família. Esse grupo criminoso, junto com o Mara Salvatrucha, e responsável por boa parte da atividade criminosa que sofre esse país centro-americano de 6,3 milhões de habitantes.
Em 2015, houve em El Salvador 103 homicídios para cada cem mil habitantes, o que colocou o país como o mais violento do mundo, somente atrás de nações em guerra como a Síria. O governo esquerdista de Mauricio Funes (2009-2014) propiciou em 2012 uma trégua entre as gangues, que baixou dramaticamente os assassinatos no país. Mas seu sucessor, também da Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional, o ex-comandante guerrilheiro Salvador Sánchez Céren desbaratou esse processo diante da aversão que despertava na maioria da população, e os crimes dispararam novamente.
“Em El Castaño ficou a milpa (cultivo de milho e feijão) em que meu marido trabalhava, e eu deixei minha criação de frangos”, acrescentou a mulher no abrigo, ao lado do marido e seus dois filhos e rodeada por crianças que brincavam em meio às barracas de campanha e quartos improvisados de madeira e plástico.
O abrigo foi montado em emergência pelas autoridades de Caluco, depois que, no dia 18 de setembro, dezenas das 60 famílias de Al Castaño, uma comunidade agrícola pertencente a esse município, fugiram do lugar devido à violência da gangue Barrio 18, que controla o lugar há cerca de dois anos. O controle do território implica que essa gangue tenha via livre para submeter os moradores a roubos, violações e, sobretudo extorsões, segundo os deslocados. Quem não paga a quantia exigida, tem três dias para abandonar o lugar, do contrário acaba assassinado, asseguraram.
No momento, as gangues deram uma parada diante da presença militar e policial no lugar depois da divulgação da fuga em massa, e, no dia 4, alguns refugiados em Caluco foram, por algumas horas e custodiados pela polícia, ver suas colheitas e dar de comer aos animais. A maior parte das famílias da comunidade buscou refúgio com familiares e amigos em outras localidades da região, porque deixaram suas casas quando o abrigo ainda não tinha sido montado.
“Me sinto deslocado mas ao mesmo tempo tranquilo, porque não há gente com armas à minha volta”, explicou outro afetado pela situação de violência, de 64 anos, que fugiu para a casa de um amigo em Izalco, a dez quilômetros de El Castaño. Seu modo de vida, a agricultura e a pequena pecuária, ficou para trás, e agora deve ser engenhoso para ganhar a vida do outro lado.
No momento, consegue algum dinheiro fazendo viagens em um desconjuntado caminhão.“Só vendo o que faço para colocar comida na mesa”, disse à IPS, enquanto bebia um refresco à sombra de uma árvore, em sua forçada nova localidade de residência. Já vendeu suas seis vacas que produziam 70 litros diários de leite, que ele vendia em uma leiteria próxima.
O fenômeno não é novo no país e vem sendo reportado isoladamente pela imprensa local, mas o êxodo dos moradores de El Castaño e o abrigo montado em Caluco deixaram à mostra o grave problema do deslocamento forçado que ocorre em El Salvador.A Mesa da Sociedade Civil Contra o Deslocamento Forçado por Violência e Crime Organizado, em um informe divulgado no dia 26 de setembro, informou sobre 146 casos desse tipo entre agosto de 2014 e dezembro de 2015, em uma contagem parcial, porque a organização não cobre todo o país.
Segundo o documento, somente em 36% dos casos as vítimas fizeram denúncias. A maioria dos que não denunciaram foi por medo de represálias e falta de confiança nas instituições do Estado.As autoridades governamentais minimizaram o fenômeno, e recentemente o vice-presidente do país, Oscar Ortiz, declarou que o problema não deve ser superdimensionado, porque “não estamos como no Afeganistão”.
“O Estado não quer reconhecer o problema do deslocamento interno”, pontuou Nelson Flores, da Fundação de Estudos para a Aplicação do Direito, uma das 13 organizações que formam a Mesa. Consequentemente, tampouco quer elaborar um diagnóstico sobre o tema e seus impactos, afirmou à IPS.
“O fenômeno não é tão conhecido porque caminha silenciosamente: as pessoas são mais ameaçadas e têm que sair de seus lugares de origem em silêncio. Assim é mais seguro do que denunciar”, afirmou Osvaldo López, diretor do Programa Dignidade e Justiça da Igreja Episcopal Anglicana de El Salvador, uma das organizações religiosas que seguem de perto o fenômeno da violência causada pelas gangues.
Segundo López, o governo não declara oficialmente que há uma grave situação de deslocamentos internos pela violência porque estaria reconhecendo que perdeu sua capacidade de dar segurança à população e, portanto, precisa de proteção e apoio internacional.“O mais provável é que as portas de outros países se abram para que as pessoas saíam, mas essa declaração traz repercussões políticas e econômicas fortes para o país”, apontou o religioso à IPS.
López foi responsável, entre 2006 e 2014, pelo Programa de Atenção a Pessoas Refugiadas e Solicitantes de Asilo em El Salvador, em nome do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).
Informes de organismos internacionaisdão conta de que, de fato, milhares de pessoas são obrigadas a deixar seus lugares silenciosamente, sem deixar rastro nas estatísticas oficiais.O Informe Global sobre Deslocamento Interno 2016 indica que cerca de 289 mil pessoas foram vítimas dessa situação em El Salvador até 2015, e o número aumenta para um milhão de afetados ao incluir México, Guatemala e Honduras, em uma das áreas mais violentas do mundo.
“Os deslocamentos na região tendem a se manter sem serem quantificadosnem abordados, por razões que vão do político ao metodológico”, diz o documento, elaborado pelo Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno, vinculado às ONU, e pelo Conselho Norueguês para os Refugiados.Em alguns países da região centro-americana, há uma generalizada falta de reconhecimento de que a violência causa êxodos internos, diz o informe, e Honduras é o único que o aceitou oficialmente.
Enquanto isso, as vítimas abrigadas em Caluco só esperam poder regressar em breve para suas casas, com as autoridades estabelecendo um posto policial permanente em El Castaño. Envolverde/IPS

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