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quarta-feira, 20 de maio de 2009

VATICANO ESTUDA OS TRANSGÊNICOS


Intercalada entre a viagem do Papa Bento XVI ao Oriente Médio e o discurso do presidente Barack Obama na cerimônia de formatura da universidade Notre Dame, uma “semana de estudos” em Roma, a portas fechadas, sobre organismos geneticamente modificados, ou OGMs, promovida pela Pontifícia Academia das Ciências, passou despercebida até agora.

Porém, o evento dos dias 15 a 19 de maio poderia ajudar a levar o Vaticano rumo a um posicionamento pró-OGM, descontentando alguns ativistas pela justiça social, assim como uma parte dos teólogos e bispos católicos, que veem os cultivos geneticamente alterados como um risco ao ambiente e à saúde humana, assim como uma perda de tempo para as gigantes corporações do agronegócio.

Até hoje, o Vaticano não tomou uma posição oficial sobre os transgênicos. Nos últimos anos, tanto as forças pró quanto anti-OGM clamaram pelo apoio do Vaticano, a partir da teoria de que uma afirmação poderia ser crucial para demarcar o debate moral.

A “semana de estudos” provavelmente não irá produzir conclusões imediatas, e a Academia das Ciências é essencialmente um centro de estudos que não publica ensinamentos oficiais da Igreja. No entanto, a força do evento parece mobilizar apoio para os transgênicos como uma forma segura de combater a pobreza, alimentar os famintos e proteger o meio ambiente.

A força de estímulo por trás da semana de estudos é Ingo Potrykus, um cientista alemão que detém o crédito de ser o inventor do “arroz de ouro” [golden rice], uma espécie de arroz geneticamente modificada que produz altos níveis de um precursor da vitamina A. Os defensores afirmam que o “golden rice” poderia salvar mais de um milhão de vidas por ano, grande parte delas no mundo em desenvolvimento, de doenças ocasionadas pela deficiência de vitamina A, mas outros acusam que seus benefícios foram sobreavaliados. Potrykus é católico e membro da Academia das Ciências.

O título oficial da semana de estudo é “Plantas transgênicas para a segurança alimentar no contexto do desenvolvimento”, que está ocorrendo na sede da Pontifícia Academia das Ciências, na Casina Pio IV do Vaticano.

Bem antes de o evento começar, ele provocou reações contrastantes.

O Spinwatch, um órgão independente do Reino Unido que monitora o papel das relações públicas, descreveu a semana de estudos como uma “farsa total”, afirmando que os participantes são “todos defensores dos OGMs, sendo que muitos deles são muito conhecidos por suas opiniões extremamente pró-OGM ou por terem interesses pessoais na adoção dos transgênicos”. Uma nota do grupo do dia 13 de maio afirma que diversos participantes têm relações financeiras com a Monsanto, uma companhia agrícola norte-americana, que é a maior produtora de sementes geneticamente modificadas do mundo.

Em uma edição do dia 19 de abril do jornal Irish Catholic, o escritor ambientalista Pe. Sean McDonagh denunciou que o evento da Academia das Ciências é “silencioso” sobre o papel que os “lucros massivos” das companhias de biotecnologia desempenham ao influenciar os argumentos pró-transgênicos.
McDonagh contou ao National Catholic Reporter que está planejando organizar uma pequena demonstração em Roma, na próxima segunda-feira, para oferecer um ponto de vista alternativo.

Potrykus escreveu uma carta ao editor do Irish Catholic insistindo que “deveria ser óbvio que essa semana de estudos é verdadeiramente de interesse dos pobres”. Piero Morandi, um cientista italiano e outro participante da semana de estudos, escreveu que a regulamentação anti-OGM “é excessiva, muito custosa, sem embasamento científico e, por isso, não apenas inútil, mas também danifica o interesse das pessoas, especialmente dos mais pobres”.
Em um sinal da preocupação sobre a aparição de influências corporativas, fontes contaram ao NCR que os planos para a semana de estudo, originalmente, incluíam a presença de alguns empregados da Monsanto para discutir as parcerias público-privadas na distribuição da tecnologia OGM. Porém, há aproximadamente um mês, os oficiais da Monsanto foram silenciosamente avisados para não participar.

Mesmo que as sessões não sejam abertas ao público, os materiais para a conferência, incluindo os assuntos das apresentações, publicados na página eletrônica da Academia das Ciências [aqui, em PDF, em inglês], oferecem um pouco do sabor das discussões.

Uma introdução se refere aos transgênicos como “tecnologias mantenedoras e salvadoras da vida” e afirma que “nenhum risco confirmadamente ambiental ou para a saúde foi percebido”. E denuncia que uma “regulamentação extremamente preventiva”, especialmente na Europa, limitou a difusão dos transgênicos, restringindo assim “o enorme potencial da biotecnologia de produzir mais - e mais nutritivos - alimentos para os pobres”.

A introdução diz que a semana de estudos não é “um encontro científico padrão”, mas, pelo contrário, tem o objetivo de desenvolver “estratégias para informar a mídia, o público, as autoridades de regulação e os governos de que é injustificado, até mesmo imoral, continuar com as atuais atitudes e processos”.
Julgando pelos resumos, praticamente todos os participantes oficiais da conferência compartilham dessa visão.

Andrew Apel, que edita uma publicação biotecnológica chamada GMObelus, denunciou que a oposição aos transgênicos vem de uma indústria de protesto internacional “que serve aos seus próprios interesses, e aos interesses de seus fundadores”. Henry Miller, do Instituto Hoover da Universidade de Stanford, escreveu que a falha em se adotar um uso mais amplo dos transgênicos é o resultado de um “miasma político público” e remonta a “uma das maiores tragédias sociais dos últimos 25 anos”.

O Barão Marc Van Montagu, presidente da Federação Europeia de Biotecnologia, disse que “recusar a tecnologia OGM irá conter os esforços para se aliviar a pobreza e a fome, para salvar a biodiversidade e para proteger o ambiente”. Robert Paarlberg, do Wellesley College, denunciou que o movimento anti-OGM é um “imperialismo de sabores refinados imposto aos pobres”.

Mesmo que o seu nome não apareça no programa publicado, o cardeal suíço Georges Cottier, ex-teólogo da casa papal no tempo do Papa João II, também participou da semana de estudos.

Enquanto os materiais da conferência muitas vezes se referem aos sentimentos antitransgênicos entre os políticos, ONGs e a mídia, eles não se voltam diretamente para uma outra fonte: os líderes católicos, incluindo diversas conferências episcopais do mundo em desenvolvimento.
Em fevereiro de 2003, a Conferência dos Bispos das Filipinas pediu à então presidenta Gloria Macapagal-Arroyo que adiasse o uso do milho geneticamente modificado, citando seus possíveis riscos à saúde. Em 2002, os bispos católicos da África do Sul declararam: “É moralmente irresponsável produzir e vender alimentos geneticamente modificados”.

Em 2003, 14 bispos brasileiros apresentaram uma “declaração sobre os transgênicos”, em que condenam o cultivo e o consumo de OGMs. Os bispos citaram três riscos: 1) consequências à saúde, incluindo o aumento de alergias, a resistência a antibióticos e a elevação do índice de substâncias tóxicas; 2) consequências ambientais, como a erosão da biodiversidade; e 3) ameaça à soberania do Brasil, “em razão da perda do controle das sementes e dos seres vivos pelo patenteamento dos mesmos, tornados propriedade exclusiva e legal de grupos transnacionais que só visam fins comerciais”.

Enquanto poucas dessas vozes estão no programa, os organizadores convidaram o bispo George Nkuo, do Camarões, depois de um artigo para o Sínodo dos Bispos da África que continha uma linguagem crítica sobre os OGMs. O documento alerta que um impulso pró-OGM “corre o risco de arruinar os pequenos proprietários de terra, abolir os métodos tradicionais de semeadura e tornar os agricultores dependentes das companhias de produção”.

Há muito tempo a Academia das Ciências está inclinada favoravelmente aos OGMs. Em 2004, ela publicou um documento de estudos louvando o papel que os transgênicos poderiam desempenhar para combater a fome mundial.

Porém, resta saber até onde chegará a semana de estudos para resolver o debate católico mais amplo. Um editorial do dia 1º de maio do L’Osservatore Romano, o jornal do Vaticano, disse que, até agora, os transgênicos continuam sendo “uma questão em aberto”.
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FONTE : Reportagem publicada no sítio National Catholic Reporter, 18-05-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ilustração: Fabiano Vidal/ Mercado Ético
(Envolverde/IHU - Instituto Humanitas Unisinos)
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