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Cachoeira no sul do Maranhão – considerada a maior do estado – é alvo de estudos para construção de barragem. Trabalhadores e trabalhadoras rurais lutam para defender os bens naturais e o território onde nasceram e se criaram. #NãoPCHMacapá é uma campanha de iniciativa da comunidade que busca o apoio da sociedade.
Reportagem / Imagens: Thomas Bauer – CPT Bahia
Edição: Elvis Marques – CPT Nacional
Muito antes de avistar a exuberante Cachoeira do Macapá já é possível escutar o barulho ensurdecedor de suas águas que descem em meio às pedras. É considerada a maior queda d’água do Maranhão – são aproximadamente 65 metros de altura. Toda essa água vai direto para o Rio Cachoeira que, ao longo de seu curso, exibe belos cânions e recebe as águas dos Rios Mosquito e Macapá, além de abrigar diversas nascentes.
A Cachoeira do Macapá está situada entre os municípios maranhenses de Balsas, Nova Colinas e Fortaleza dos Nogueiras, no sul do estado. Região muito conhecida pelas belezas naturais da Chapada das Mesas, que atraí turistas adeptos do ecoturismo – isso graças às inúmeras cachoeiras e incríveis formações rochosas. Um lugar que fica ainda mais impressionante por conta do encontro dos biomas Cerrado e Amazônia.
A Cachoeira do Macapá é alvo de estudos para construção de uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH). Crédito: Thomas Bauer / CPT Bahia
Portal da Chapada das Mesas, na região sul do estado do Maranhão. Crédito: Thomas Bauer / CPT Bahia
O belíssimo Poço Azul, localizado no município de Riachão, na Chapada das Mesas. Crédito: Thomas Bauer / CPT Bahia
Um lugar de belezas e também problemáticas desconhecidas por muitos. Moradores e moradoras da comunidade rural Macapá – localidade próxima a Cachoeira de mesmo nome – têm observado ano a ano a diminuição das águas. Mas isso não é tudo: imagine a construção de uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH) nesta cachoeira. Pois é, há tempos empresas têm realizado estudos para que esse projeto saia do papel. Mas são os trabalhadores e trabalhadoras rurais da referida comunidade que têm resistido e denunciado essas ofensivas.
Conhecida como guardiã da Cachoeira do Macapá, dona Raimundinha Ciriano, 59 anos, é enfática ao falar sobre o projeto da usina: “É uma coisa que ninguém quer, moço. Ninguém quer mesmo”. Confira do depoimento de dona Raimundinha:
Expansão agrícola
Dona Raimundinha, que nasceu e se criou nesta comunidade, afirma que tempos atrás as águas da Cachoeira eram mais fortes “e a zuada bem maior”. Hoje, segundo ela, as pessoas ficam admiradas com a pouca água. Fato que está ligado ao aumento significativo do desmatado na região e a iniciativas governamentais como o Projeto de Desenvolvimento Agropecuário, PDA, do Matopiba, que abrange áreas dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia -, onde o agronegócio espalha-se como um câncer devastando as matas e as nascentes. Municípios que compõem a área do Matopiba tiveram 62,5% da vegetação nativa de Cerrado desmatada, conforme apontou o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), que se baseou em dados divulgados pelo governo.
Vice-presidente da Associação em Defesa da Cachoeira do Macapá e seus afluentes (ADCMA), João Carlos é membro de uma família trabalhadora e numerosa, que também nasceu nesta comunidade, e que, ao passar dos anos, observou a região mudar drasticamente. Ele recorda que sua infância foi marcada pelo trabalho na terrinha: “naquela época, a gente trabalhava, ajudava os pais na roça, só que a gente também tinha o nosso lazer da roça, nosso lazer do sertão, a gente banhava muito no rio naqueles momentos de folga”. E são nítidas as alterações no ambiente em que João Carlos vive desde o seu nascimento. “Desde a década de 1980, quando eu era garoto, o Cerrado, na verdade a nossa região, vem sendo muito mal tratada”, frisa.
Ao longo desses anos, moradores da Comunidade Macapá presenciaram latifundiários, grande maioria do sul do Brasil, chegarem nessa região em busca de terras. Esses foram e são co-responsáveis pela abertura de novas fronteiras agrícolas, o que contribuiu significativamente para que grandes áreas de Cerrado, até então intactas, sumissem do mapa. Hoje, inúmeras fazendas são ocupadas por lavouras de soja, milho, e outras monoculturas. Algumas propriedades, inclusive, se utilizam de pivôs centrais, o que demanda grande quantidade de energia elétrica e água. Conforme alguns trabalhadores rurais, uma empresa agrícola especializada no ramo de sementes possui a intenção de aumentar o número de áreas irrigadas na região. Para isso se concretizar, conforme denúncia de moradores da Comunidade Macapá, há o interesse por parte da empresa de retirar água do Rio Cachoeira e canalizá-la para seus reservatórios particulares, o que supriria a necessidade dos novos pivôs. Esses são alguns dos fatores que culminaram, no ano de 2008, em um intenso conflito na região. Confira o depoimento de João:
Com todas essas ameaças citadas por João Carlos, num primeiro momento a apreensão tomou conta dos moradores da comunidade, pois temiam perder tudo aquilo que foi construído ao longo de décadas. Mas quando os/as trabalhadores e trabalhadoras rurais foram dialogar sobre o problema, lembraram-se de outras adversidades que já haviam enfrentado. “Eles já tinham instalado máquinas para realizar a perfuração dos solos na cachoeira e dali a gente resolveu juntar um grupo de homens da comunidade e fomos até lá e falamos que a gente não aceitava eles fazerem nenhum tipo de investimento, de estudo na comunidade”, conta João.
Na ocasião, houve muita discussão, porém nenhum confronto físico. E mesmo algum tempo depois, no ano de 2011, com uma liminar expedida pelo juiz local a favor da empresa, as famílias não recuaram na luta por seus direitos. Diante da resistência, a empresa decidiu por retirar-se e os moradores não tiveram mais notícias ao longo dos últimos anos.
Agora, no início de 2017, a aparente tranquilidade transformou-se novamente em grande preocupação. Dona Maria Hercília, mãe de nove filhos, trabalhava na casa de farinha em sua roça quando viu um carro de cor branca se aproximar. O veículo parou na estrada de chão, bem na frente da trabalhadora. Em seguida, ela percebeu uma movimentação estranha, e reparou que pessoas faziam uma medição em alguns pontos próximos a seu terreno. Confira o depoimento dela:
“Até pensávamos que eles não iriam aparecer mais, mas eles tornaram a vir aqui querendo concluir os estudos [para a implantação da PCH]. Mas a comunidade não esta aceitando, não quer nenhum tipo de acordo, de conversa com eles, porque a gente sabe que o projeto deles é construir e o nosso projeto é não construir. Então a gente esta totalmente em lados opostos”, destaca o vice-presidente da ADCMA, João Carlos.
Diante desta situação, no dia 11 de agosto de 2017 a Associação em Defesa da Cachoeira do Macapá e seus afluentes encaminhou ofício ao Ministério Público Estadual (MPE) para pedir esclarecimentos sobre o processo de licenciamento da PCH. Em resposta encaminhada ao MPE no dia 21 de agosto, o secretário de Meio Ambiente e Recursos Naturais do Maranhão, Marcelo de Araujo Costa Coelho, afirma que não existe nenhum processo de licenciamento em andamento para referida atividade. Entretanto, um estudo da empresa PEC Energia, intitulado ‘Projeto PCH Cachoeira’, que a Comunidade Macapá teve acesso, mostra a clara intenção de se construir uma barragem na Cachoeira. Conforme o documento, apesar da elaboração do projeto estar no nível básico, a PCH teria potencial energético de 8,6 MW.
Impactos
Se a preocupação dos moradores ao redor da Cachoeira do Macapá é a de perder suas terras e ter suas casas e lavouras inundadas diante da possibilidade da construção da barragem, poucos quilômetros abaixo, na comunidade Canto do Riachão, o que tira o sono das pessoas é a possível falta de água.
Durante uma roda de conversa, Carlos Fonseca, senhor de idade e de fala firme, conta que é proprietário de uma área às margens do Rio Cachoeira, lugar onde planta e cria alguns animais e é totalmente contra este projeto de construção de PCH. “Se a gente analisar, não tem nenhuma pequena serventia para nós, primeiramente destrói a natureza. Outra coisa é que desapropria muita gente que não merece. E a terceira coisa é que esta barragem não tem utilidade, porque uma hora aquele negócio arrebenta lá e tanto prejudica quem está em cima como quem esta abaixo”, destaca.
Antônio Santos, presidente da Associação da comunidade Canto do Riachão, afirma que um agrimensor contratado por uma empresa agrícola de sementes da região adiantou, durante uma conversa com ele, que ainda não existe nenhum projeto concreto pela empresa que o contratou para puxar água do Rio Cachoeira. Essa água retirada do rio seria usada, conforme moradores desta localidade, para alimentar os pivôs centrais de um latifúndio. Com isso, viria a possibilidade de expansão de áreas cultiváveis. Esse caso é mais um motivo de preocupação para os/as trabalhadores e trabalhadoras rurais da região, pois pode contribuir para a escassez de água.
Questionados sobre o futuro, os/as agricultores e agricultoras familiares afirmam não ter dúvida de que se este empreendimento vier a acontecer será difícil para as comunidades sobreviverem como hoje estão organizadas. Tanto será inviável para aqueles atingidos diretamente pelas inundações como também para as pessoas que sofreram com a falta de água.
Campanha
A Associação em Defesa da Cachoeira do Macapá e Rios Afluentes (ADCMA) luta pela preservação do meio ambiente e atua em defesa da Cachoeira do Macapá e de seus afluentes. Recentemente, foi lançada uma campanha que busca o apoio da sociedade na luta contra a construção da PCH na cachoeira. O grupo acredita que esse projeto pode desabrigar famílias, impactar o meio ambiente, além de afetar o turismo na região, pois apesar de ainda ser pouco explorada turisticamente, a cachoeira está num projeto para ser incluída na rota da Chapada das Mesas.
Confira no mapa abaixo a localização da Cachoeira do Macapá e a Chapada das Mesas:
Da Comissão Pastoral da Terra (CPT), in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 30/10/2017
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