“Se a exploração de xisto vier a acontecer agora, os órgãos públicos não estão preparados para dar conta desses estudos”, adverte o geólogo.
O sucesso econômico dos Estados Unidos com a extração do gás de xisto despertou o interesse brasileiro em explorar as reservas do país que, especula-se, está entre os dez que possuem as maiores quantidades de xisto do mundo. A pressa em lucrar com as possíveis reservas fez com que a Agência Nacional do Petróleo – ANP incluísse, no final do ano passado, a extração de xisto na pauta de licitações do Plano 2012-2021. A decisão causou polêmica entre geólogos e pesquisadores, porque ainda não se tem “certeza de que o Brasil possui grandes reservas e, principalmente, não se conhece bem qual é o tipo de gás nas bacias sedimentares brasileiras”, diz Gerôncio Rocha à IHU On-Line, em entrevista concedida por e-mail.
Ele esclarece que a extração realizada nos Estados Unidos “é mais econômica, porque os poços estão em profundidade relativamente menor do que os poços do pré-sal” que existem no Brasil. Antes de optar pela extração do xisto, acentua, é preciso “fazer um estudo comparativo econômico da produtividade do gás de xisto versus a produtividade dos poços do pré-sal, até porque os poços estão sendo perfurados com sucesso”. E acrescenta: “Esse tipo de avaliação técnica, econômica e ambiental deveria ser feito para cada uma das bacias sedimentares brasileiras, porque a camada do xisto ocorre em posições diferenciadas em cada uma delas, visto que elas foram formadas em tempos diferentes”.
“Os políticos e governadores ainda estão na expectativa. Eles querem gás, mas esse gás pode ser promovido inteiramente pelos poços do pré-sal” |
No caso do gás de xisto, se faz um poço vertical, que atravessa essa camada produtora do gás — chamada de xisto —, e depois são feitas várias perfurações horizontais de centenas de metros de extensão, atravessando a camada de xisto. Após, se injeta, com alta pressão, um coquetel com substâncias químicas de água e areia para abrir as fraturas ao longo desses furos. É um processo altamente destrutivo que acontece a mais de mil metros de profundidade.”
Para ele, antes de iniciar o processo de exploração do xisto, o Brasil deve estipular um prazo de cinco anos para realizar as pesquisas necessárias e formar técnicos especializados na área. “Nesse intervalo de cinco anos, paralelamente a essas iniciativas, defendemos o que foi feito, por exemplo, no Canadá. O governo do Canadá instituiu uma comissão de alto nível, com especialistas, e deu um prazo para fazer essa avaliação da produção de gás de xisto, a qual será comparada com o desempenho dos Estados Unidos, por exemplo. Então, depois desse estudo e de um debate muito claro, o governo terá que propor estratégias para o futuro: explorar o gás com intensidade determinada ou simplesmente não explorar e deixar uma reserva para o futuro”, ressalta.
Foto: Sustentare |
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como avalia a inclusão do xisto no leilão da Agência Nacional do Petróleo -ANP, no ano passado? O que explica a decisão da ANP? Se o xisto não é citado no Plano 2012-2021, por que foi colocado com tanta pressa na pauta de licitação para exploração?
Gerôncio Albuquerque Rocha – É difícil saber. Só a ANP poderia responder a isso, porque a decisão foi um despropósito, não tinha sentido. Talvez seja porque há um ano o gás de xisto estava com grande destaque nos meios de comunicação, pelo sucesso econômico nos Estados Unidos. No mercado isso se chama “efeito manada”, às vezes alguém sai na frente e os outros o seguem automaticamente. Não conseguimos saber o que efetivamente houve, porque a ANP não passou nenhuma informação ou explicação. Além disso, o gás de xisto nem era mencionado no Plano 2012-2021, o qual está todo embasado no gás natural convencional. Aliás, esse Plano é muito bem feito; prevê um crescimento forte das reservas de petróleo e gás nessa década, basicamente por conta das reservas do pré-sal, porque os poços de petróleo são de alta produtividade. E o plano se baseia nesses campos de óleos descobertos recentemente, e não no gás de xisto.
IHU On-Line – Qual a diferença entre o gás natural e o xisto?
Gerôncio Albuquerque Rocha – A forma de ocorrência. O gás natural (tradicional) ocorre em estruturas geológicas, em espaços próprios e geralmente em estruturas de falhamentos, de deslocamentos de blocos e de rochas. Ali existe um espaço onde se acumula o gás natural.
Já no caso do xisto, é diferente: o gás não se acumula em um local desse tipo, porém ele impregna toda a rocha em películas microscópicas. Portanto, o gás se acumula ali e, para extraí-lo — e essa é uma nova técnica utilizada nos Estados Unidos —, usa-se um coquetel de substâncias químicas misturadas com água e areia para abrir essas fraturas horizontais da rocha e deixar escapar o gás. Trata-se de um método altamente prejudicial, que acaba destruindo a própria rocha. O que sobra depois do uso dessa tecnologia de captura do gás é algo como se fosse o “bagaço da laranja”. Na verdade, esse gás contido na rocha também é um gás natural, só que ele não é convencional/usual. Quem inaugurou esse processo foram os Estados Unidos. Essa técnica é muito eficaz em termos de captura de xisto, porém é perigosa, porque há escapamento de gás nessas fraturas abertas ou reabertas. Existem fraturas horizontais e verticais na camada do xisto e, por isso, o gás escapa por essas fraturas e chega aos aquíferos que estão acima da camada da rocha portadora do gás. Então, aí está o perigo potencial para a contaminação das águas subterrâneas, dos aquíferos de água doce.
“Pode escapar gás metano com alta pressão ao longo dessas fraturas de rochas, que vai atingir o aquífero” |
Gerôncio Albuquerque Rocha – O que se fala do sucesso econômico nos Estados Unidos é que a extração é mais econômica porque os poços estão em profundidade relativamente menor do que, por exemplo, os nossos poços do pré-sal, que são da ordem de 5 mil metros, enquanto os poços de gás estão entre mil e 2 mil metros. Talvez essa seja a principal motivação do emprego dessa técnica de fraturamento, porque os poços são mais econômicos. A produção do gás é como a de gás convencional dos poços do pré-sal. Agora, falta fazer esse estudo comparativo entre os poços do pré-sal e os do gás de xisto, que no Brasil ainda não são explorados. Mas os poços do pré-sal são altamente produtivos e seguros, porque o Brasil conseguiu desenvolver a tecnologia segura de explorar petróleo e gás em grandes profundidades.
IHU On-Line – Dizem que o Brasil possui as maiores reservas de xisto do mundo. Isso justifica a exploração? O país deve assumir uma postura ofensiva ou defensiva no sentido de pesquisar os riscos da extração? O senhor sugere que se espere cinco anos para iniciar a exploração. Por quê?
Gerôncio Albuquerque Rocha – Na verdade não existe a certeza de que o Brasil possui grandes reservas e, principalmente, não se conhece bem qual é o tipo de gás nas bacias sedimentares brasileiras. O que nós vimos é que um prazo de cinco anos seria o mínimo para que pudesse haver uma maior discussão na sociedade, a participação da academia, das universidades, dos técnicos especialistas, porque todo esse processo foi fechado, não houve discussão. É preciso que se faça uma avaliação dessas camadas portadoras de gás nas diversas bacias brasileiras, porque não há estudo sobre isso. Além disso, é preciso um tempo mínimo necessário para fazer o que chamamos de “avaliação ambiental estratégica”, ou seja, como fazer um estudo comparativo econômico da produtividade do gás de xisto versus a produtividade dos poços do pré-sal, até porque os poços estão sendo perfurados com sucesso. Seria preciso comparar essa dimensão econômica com a dimensão dos impactos ambientas previsíveis no gás de xisto e no pré-sal também. Esse tipo de avaliação técnica, econômica e ambiental deveria ser feito para cada uma das bacias sedimentares brasileiras, porque a camada do xisto ocorre em posições diferenciadas em cada uma delas, visto que elas foram formadas em tempos diferentes. Então, seria necessário fazer essa “avaliação ambiental estratégica”, como nós chamamos, em cada uma das bacias sedimentares brasileiras, comparar com a exportação do gás do pré-sal e aí avaliar qual será o futuro da política energética em relação ao gás de xisto, ou seja, avaliar qual é a conveniência disso.
Nesse intervalo de cinco anos, paralelamente a essas iniciativas, defendemos o que foi feito, por exemplo, no Canadá. O governo do Canadá instituiu uma comissão de alto nível, com especialistas, e deu um prazo para fazer essa avaliação da produção de gás de xisto, a qual será comparada com o desempenho dos Estados Unidos, por exemplo. Então, depois desse estudo e de um debate muito claro, o governo terá que propor estratégias para o futuro: explorar o gás com intensidade determinada ou simplesmente não explorar e deixar uma reserva para o futuro.
“Em todas as nossas bacias sedimentares existem aquíferos importantes acima desse gás de xisto” |
Gerôncio Albuquerque Rocha – A contaminação da água. A técnica de exploração do gás de xisto é bem diferente da dos poços de petróleo profundos. O poço de petróleo é um poço vertical com profundidade geralmente elevada, no qual o petróleo ou o gás entra e então é bombeado e extraído. No caso do gás de xisto, se faz um poço vertical, que atravessa essa camada produtora do gás — chamada de xisto —, e depois são feitas várias perfurações horizontais de centenas de metros de extensão, atravessando a camada de xisto. Depois, se injeta, com alta pressão, um coquetel com substâncias químicas de água e areia para abrir as fraturas ao longo desses furos. É um processo altamente destrutivo que acontece a mais de mil metros de profundidade. Então, o gás dessa rocha é capturado para o poço central, mas ele pode migrar por essas fraturas que foram abertas no processo de extração fora do poço. Às vezes o poço não é construído com boa técnica, não é cimentado, essa camada não é isolada, e o gás, então, pode escapar por frestas em torno do poço, mas também pode escapar a grandes distâncias dele. Basicamente, pode escapar gás metano com alta pressão ao longo dessas fraturas de rochas, que vai atingir o aquífero, o qual geralmente está a um nível superior, acima da camada do xisto. O gás metano entra no aquífero e acaba contaminando a água subterrânea. Em todas as nossas bacias sedimentares existem aquíferos importantes acima desse gás de xisto. No caso da bacia sedimentar do Paraná, por exemplo, tem o aquífero Guarani, que é enorme, é o grande potencial de águas subterrâneas de todo o Cone Sul, e que fica virtualmente ameaçado de contaminação.
Na Bacia do Parnaíba, por exemplo, no Piauí e no Maranhão, também há importantes aquíferos de água doce. Na Bacia do São Francisco, a mesma coisa. Ou seja, a extração de água subterrânea passa a ficar ameaçada com essa possibilidade de contaminação pelo gás, principalmente pelo gás metano, e também por outros gases associados, como o gás sulfídrico e as substâncias químicas utilizadas nesse processo de fraturamento hidráulico do xisto.
No Brasil não há estudos, porque ainda não há exploração do xisto, mas nos Estados Unidos e no Canadá já existem algumas comprovações dessas contaminações. Os Estados Unidos são um paradigma, porque é onde houve maior sucesso econômico — centenas de milhares de poços — e também onde começam a ocorrer os problemas de contaminação.
IHU On-Line – Já foram identificadas reservas de xisto na região do aquífero Guarani?
Gerôncio Albuquerque Rocha – Toma-se conhecimento da formação geológica que contém o xisto e são feitos alguns cálculos, mas são poucos poços, porque basicamente são os poços exploratórios da Petrobras da década de 1960, 1970 da Bacia do Paraná. Mas em termos de quantificação de reserva, não há um estudo específico.
IHU On-Line – O senhor trabalhou durante muitos anos no órgão gestor dos recursos hídricos em São Paulo. Há alguma discussão entre os gestores dos recursos hídricos em relação à extração e ao tratamento da água? Os órgãos gestores dos recursos hídricos têm preparo técnico para tratar um caso de contaminação da água por conta do xisto?
Gerôncio Albuquerque Rocha – Essa discussão está começando. Ela infelizmente ainda não se estendeu e não é pública. O que há é uma preocupação da academia. Depois de enviarmos uma carta à Presidência da República, em junho do ano passado, houve, em julho, uma reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, em Recife, a qual também enviou uma manifestação para a presidente Dilma. A academia provavelmente também demonstrou a sua preocupação. No meio político, nos estados do Sul, os governadores têm feito reuniões para reivindicar a infraestrutura de gás na região para favorecer o desenvolvimento econômico, mas não falam do gás de xisto; eles querem qualquer gás. Eu conheço essas manifestações de governo. Outros governos estaduais estão na expectativa para saber o que realmente será feito: se vai se explorar efetivamente o gás ou não.
“Na bacia sedimentar do Paraná, por exemplo, tem o aquífero Guarani, que é enorme, é o grande potencial de águas subterrâneas de todo o Cone Sul” |
Gerôncio Albuquerque Rocha - Nós tínhamos uma esperança de a presidente ter lido a nossa carta, mas depois de quase nove meses, acho que ela nem chegou a ler. A carta deve ter ficado nos escaninhos da burocracia, porque, se ela lesse a argumentação, veria que ela é tão simples, e poderia determinar a revisão desse ato.
Alguns dias depois de enviarmos a carta à presidente, a “burocracia” acusou o recebimento, informou que a carta tinha sido protocolada e que iria ao Ministério de Minas e Energia. Recebemos uma resposta burocrática, mas isso não significa que a presidente tenha lido a carta.
IHU On-Line – Como a academia e o Estado se posicionam em relação ao xisto? Percebe diferença nos discursos e nos propósitos em relação a ele?
Gerôncio Albuquerque Rocha – Não há uma discussão específica. Os políticos e os governadores ainda estão na expectativa. Como disse, eles querem gás, mas esse gás pode ser promovido inteiramente pelos poços do pré-sal.
Há algumas iniciativas ligadas à universidade, como, por exemplo, a capacitação de pessoal. Se a exploração de xisto vier a acontecer agora, os órgãos públicos não estão preparados para dar conta desses estudos. Além disso, existem poucos pesquisadores nas universidades. Há algumas pequenas empresas privadas de consultores especializados, mas não é o poder público. E é o poder público quem vai tratar de casos reais. Então, há uma preocupação da universidade em promover capacitação de técnicos que estejam aptos a lidar com essa extração.
Também seria importante que alguém trouxesse — poderia ser a própria SBPC — o representante dessa comissão especial criada no Canadá, para que se transmitisse a experiência deles, porque lá existe um histórico de exploração e eles estão reavaliando o processo. Para o Brasil, é importante ver o tipo de avaliação que eles fizeram e estão fazendo.
(EcoDebate, 10/03/2014) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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