Por Tatiane Vargas (Informe Ensp)
O Informe Ensp conversou com o pesquisador do Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), Luiz Antonio Bastos Camacho, que participou do estudo sobre o fracionamento da vacina de febre amarela. Na entrevista, Camacho fala sobre as características do fracionamento da vacina e sua durabilidade, além da transmissão urbana da doença, do volume de doses disponíveis e do treinamento realizado na Fundação com profissionais de saúde que atuam e vão atuar na campanha de vacinação Informação para todos, vacina para quem precisa, promovida pelo Ministério da Saúde no início de 2018.
Informe Ensp: Estamos enfrentando uma epidemia de febre amarela?
Luiz Antonio Camacho: Não, não temos ainda número de casos para chamar de epidemia. O que temos são surtos, alguns casos pontuais no Rio de Janeiro, e até mesmo em São Paulo, mas não configura uma epidemia. Chamamos surto por que é localizado no tempo e no espaço e também ainda com um número relativamente pequeno pra configurar uma epidemia. Toda essa mobilização é para evitar uma epidemia como a que tivemos em 2017. Existe potencial para isso, considerando a cobertura vacinal relativamente baixa nestas capitais. Além disso, existe o risco de re-urbanização da febre amarela, ou seja de transmissão urbana.
Informe Ensp: O que significa exatamente a questão da transmissão urbana da febre amarela?
Luiz Antonio Camacho: Para começar, o macaco é uma vítima tanto quanto nós. Matar os macacos não será a solução. Quem transmite a doença é o mosquito, mas se uma pessoa encontrar um macaco caído ou morto, a orientação é não tocar nele. Ligue imediatamente para o número 1746 e acione a Vigilância Sanitária.
No ciclo de transmissão da febre amarela, a doença e o vírus são os mesmos, no ciclo silvestre e no ciclo urbano. O que muda é que o mosquito que transmite. Na mata, é outra espécie, o Sabethes, e ela está adaptada a se alimentar de sangue de primatas não humanos, ou seja, os macacos. Sendo assim, esse ciclo fica na floresta e eventualmente se espalha a ponto de matar macacos, e virar uma epizootia, que é uma epidemia em animais.
O homem entra acidentalmente nesse ciclo porque vai pra mata fazer ecoturismo, vai trabalhar, ou mora tão próximo à mata, que pode ser picado por um mosquito que não é um mosquito urbano. Então o homem não é uma fonte de sangue habitual do Haemagogos e Sabethes, que são espécies de mosquito proveniente da mata.
Com a aproximação da transmissão, inclusive dos macacos, que podem ser infectados na mata, mas estão muito próximos da área urbana, aonde você tem o Aedes aegypti, temos a possibilidade de reurbanização a partir de casos humanos. No início do século passado, essa doença era urbana, tinha epidemias que dizimavam a população, porque não existia uma vacina. A vacina é de 1937, mas Oswaldo Cruz acabou com o Aedes aegypti antes disso, então a doença foi controlada porque controlou o vetor.
Informe Ensp: A dose fracionada da vacina apresenta durabilidade de pelo menos oito anos. O senhor poderia explicar o motivo dessa diferença com relação a dose padrão?
Luiz Antonio Camacho: Na verdade, essa estimativa de oito anos é devido ao tempo que temos dados. Não sabemos ainda se dura mais de 8 anos, mas nossos dados garantem que em oito anos a maior parte dos indivíduos ainda está com anticorpos no sangue. Fiz questão de destacar anticorpos no sangue, por que mesmo que não detectemos o anticorpo no sangue não significa que o indivíduo não tenha alguma proteção. Temos que ter muito cuidado pois essas questões não são ciências exatas, é ciência biológica, existe uma margem de erro, de variação. 1/5 da dose garante que os indivíduos tenham anticorpos até pelo menos 8 anos. Depois desse período ainda não sabemos, mas vamos continuar acompanhando essas pessoas para obter novos dados.
Informe Ensp: Como se pretende fazer o acompanhamento dessas pessoas que tomaram a dose fracionada? Além disso, quem tomou há dez anos deve tomar de novamente?
Luiz Antonio Camacho: Não. Quem tomou a dose plena não deve tomar novamente. Há uma recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) que preconiza uma dose para vida toda e o Ministério da Saúde acompanhou, deixando de lado as controvérsias sobre a questão.
Nesse momento, a política é: temos um grande contingente de pessoas que nunca foi vacinada. Sendo assim, temos que unir todos nossos esforços para vacinar essa parcela da população. Isso significa concentrar doses existentes, recursos, seringas, recursos humanos, entre outros, para garantir que toda população tenha recebido ao menos uma dose. Posteriormente, vamos cuidar de outra dose, caso necessário.
Com os dados que temos atualmente da dose fracionada da vacina, garantimos que quem tomar vai estar protegido e a duração da imunidade é de pelo menos oito anos. A partir disso, vamos prosseguir com os estudos e poderemos dizer daqui a um tempo se quem tomou a dose fracionada precisará ou não de um reforço.
Informe Ensp: Aqueles que tomaram a dose plena, há 20 anos, por exemplo, deverão tomar outra dose?
Luiz Antonio Camacho: Nesse momento, eles não são prioridade. A Organização Mundial da Saúde (OMS) diz, baseada em alguns dados, que não é necessário vacinar novamente. Uma dose é para toda vida. No Ministério da Saúde, trabalhamos hoje uma orientação programática e estratégica voltada para a campanha de vacinação atual que busca imunizar quem nunca tomou nenhuma dose da vacina.
Informe Ensp: No caso da população mais vulnerável, como idosos, crianças e gestantes, qual orientação?
Luiz Antonio Camacho: Recomenda-se que as gestantes se vacinam somente em situações de risco, como estamos vivendo agora. Caso contrário, não. No caso dos idosos, recomenda-se tomar em situações de risco acompanhada de orientação médica. No que diz respeito ao tipo de vacina, às gestantes, idosos e crianças abaixo de dois anos recomenda-se a dose plena, por não termos informações sobre dose fracionada nessa população.
Informe Ensp: A quantidade de vacina que temos atualmente é suficiente para atender a população?
Luiz Antonio Camacho: Uma das razões de fracionar é que atualmente possuímos uma demanda concentrada no tempo e no espaço. [O Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos] Bio-Manguinhos/Fiocruz entregou, no ano passado, aproximadamente 60 milhões de doses de vacinas de febre amarela. Agora estamos entrando em campanha em três cidades muitos grandes (São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador). Desta forma, por maior que seja a produção de Bio-Manguinhos, a demanda concentrada no tempo e no espaço nos força a lidar com um número de doses disponível, e com o estoque estratégico que precisamos ter num curto espaço de tempo. Isso nos força a fracionar. Isso significa que não está faltando vacina e o fracionamento é para lidar com essa situação emergencial.
A Fiocruz tem um lado de produção de vacina e tem também um lado de produção de conhecimento. O que estamos fazendo hoje é uma saúde pública baseada em evidências científicas. As evidências científicas vem de trabalhos como o que eu apresentei no treinamento realizado na última terça-feira [17 de janeiro], na Ensp. Esses trabalhos nunca se esgotam, um puxa o outro e temos sempre que lidar com a melhor evidência científica disponível naquele momento.
Essa campanha com a vacina fracionada é uma oportunidade para estudos adicionais, como foi feito no Congo. Nossa vacina foi pra lá em 2016 numa campanha que vacinou toda a capital. Foram 7 milhões de pessoas imunizadas com a nossa vacina, pois tínhamos evidências científicas de que podíamos fracionar. Paralelamente, eles coletaram dados e confirmaram que as pessoas tinham respondido à vacina fracionada da mesma forma que a vacina plena. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, pretendemos fazer isso, vacinar e coletar sangue para verificar empiricamente o desempenho da vacina em condições não controladas de pesquisa clínica.
Informe Ensp: Na última terça-feira (17/1), foi realizado, na Ensp/Fiocruz, um treinamento para profissionais de saúde do município do Rio de Janeiro sobre o fracionamento da vacina. O senhor poderia falar sobre o encontro?
Luiz Antonio Camacho: A Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro foi quem organizou e desenvolveu todo o treinamento e fomos convidados a participar para apresentar o estudo sobre o fracionamento da dose. Participaram do treinamento não apenas profissionais da ponta, mas também profissionais que tem a ver, direta ou indiretamente, com a campanha de vacinação. O treinamento foi destinado aos profissionais de saúde do município do Rio de Janeiro, buscando informá-los sobre a campanha de vacinação da febre amarela com dose fracionada, para que, assim, possam informar à população quando questionados sobre o fracionamento da dose.
Mais 200 profissionais de saúde que atuam no município do Rio de Janeiro lotaram o auditório térreo da Ensp para receber informações sobre a dose fracionada da vacina. A atividade contou com a presença do subsecretário Estadual de Vigilância em Saúde do Rio de Janeiro, Alexandre Chieppe, da superintendente de Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, Cristina Lemos, além do mim e da coordenadora da Assessoria Clínica (Asclin) de Bio-Manguinhos, Maria de Lourdes de Sousa Maia, com quem dividi a apresentação sobre o estudo do fracionamento da vacina.
Na ocasião, o secretário apresentou o boletim epidemiológico do Rio de Janeiro e destacou que estamos passando por um novo ciclo de febre amarela, que se comporta muito próximo de outras arboviroses urbanas. Alexandre destacou ainda que o Rio de Janeiro foi o primeiro estado a fazer a vacinação antes da circulação do vírus e reforçou que não há problema na oferta de vacinas.
Minha fala foi em conjunto com a Lourdes, especificamente sobre estudo que comprova a imunogenicidade da dose fracionada. A pesquisa com doses reduzidas teve início em 2009, com a aplicação de diferentes dosagens em 900 voluntários de um estudo clínico. Em 2017, os mesmos voluntários foram chamados para participar de uma segunda etapa que avaliou a soropositividade, ou seja, a imunidade que eles ainda tinham após o período de oito anos. Da amostra inicial, foram analisados dados de 319 participantes.
Os resultados apontaram que mesmo com a aplicação de 1/5 da dose padrão, a vacina de febre amarela de Bio-Manguinhos ainda sustentava a proteção similar à inicial. A dose fracionada em 1/5 não é, portanto, mais fraca que a dose padrão. Isso acontece porque, apesar de fracionada, a dose ainda induz o organismo a produzir anticorpos em níveis necessários à proteção contra a doença.
Em sua dose plena, a vacina já é conhecida e aplicada pelos profissionais de saúde, que dominam a técnica. Não se tratou de um treinamento sobre técnica de vacinação, até mesmo por que, nesse caso, o que muda é apena a seringa. É uma fração da dose, a vacina normalmente é feita com 0,5 ml e nessa campanha com a dose fracionada ela vai ser de 0,1 ml, portanto 1/5 da dose, e para isso vai ser exigido outra seringa de 0,1 ml. É um volume muito pequeno, e a seringa precisar ser apropriada para obter dose precisa em volume tão pequeno.
O objetivo maior desse treinamento foi informar os profissionais de saúde para que eles possam informar a população. É claro que eles também vão receber um treinamento com essa pequena mudança na técnica, pois a diluição da vacina é a mesma, apenas na hora de aspirar o conteúdo, é que o volume é menor. Mas nesse momento a ideia foi informar os profissionais pra que eles possam informar a população
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 23/01/2018
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