[EcoDebate] Maio de 1968, o fim do mundo era eminente, cada minuto que se passava poderia ter sido o último, um botão acionaria a guerra nuclear e inevitavelmente a destruição em massa, as superpotências disputavam ideologicamente as mentes que já não pertenciam mais aos corpos dos indivíduos, impondo a submissão, utilizando-se dos instrumentos mais letais da humanidade: as armas e os bancos. Os jovens universitários e secundaristas de Paris ergueram barricadas e tomaram o controle da cidade, a capital da França foi sitiada, os velhos burocratas foram expulsos sob o lema: “não confiem em ninguém com mais de trinta anos”.
Os jovens formulavam novas perguntas e os velhos ofereciam velhas respostas, os jovens tinham novas duvidas e os velhos respondiam velhas certezas, os jovens inspiravam as utopias e os velhos agonizavam na realidade, os jovens queriam ir a luta contra as velhas propostas e os velhos enviavam os jovens á guerra para morrer em nome das velhas propostas, os jovens almejavam um mundo novo e os velhos já cansados e acomodados proclamavam o fim do mundo.
Gerações de vivencias e experiências distintas, tempos distantes, tornando impossível a compreensão através da experiência. O filósofo Nietzsche explicou: “Ninguém consegue tirar das coisas, incluindo os livros, mais do que aquilo que ele já conhece. Pois aquilo a que alguém não pode chegar por meio da experiência, para isso ele não terá ouvidos”. Os velhos, impossibilitados de vivenciar as novas angústias e desejos dos jovens, não conseguiam compreende-los, mesmo que as novas gerações gritassem, para isso “eles não teriam ouvidos”.
Esse distanciamento de compreensão entre as gerações etárias se agravou com o advento da internet, o fluxo de informações e acesso as redes virtuais tornou a geração jovem a detentora do conhecimento. Pela primeira vez na história da humanidade são os mais velhos que aprendem com os mais novos. Antes, os mais velhos eram os que transportavam a tecnologia, ou seja, o acumulo de conhecimento. Hoje já não suportam o fardo, não enxergam a realidade que se impõe, não são capazes de minimizar os dramas e rirem com as comédias, o que lhes resta é a incompreensão e proclamar o fim do mundo.
Cada vez mais distantes das gerações passadas, os jovens transladam sem referencias satisfatórias, aprendendo dentro da própria geração a formular perguntas e fornecer respostas sobre a vida. Uma garota de dez anos divertia-se diante da tela do computador manejando um “jogo de meninas”, cuja função era a de vestir uma adolescente, as opções dos vestuários eram todas sensuais, demarcando as curvas do corpo saliente nas extremidades e magérrimo no tronco. Essa brincadeira se converte no aprendizado, sem a interferência da geração passada. E da mesma maneira os relacionamentos em suas diversas áreas são elaborados, cada vez mais velozes e descartáveis, o real e o virtual em um só corpo, um mundo inóspito para gerações passadas e incerto aos jovens.
O número de palestras, retiros, cursos e programações para casais crescem vertiginosamente, no mundo de aceleração contínua o casamento é considerado uma instituição falida, o longo tempo de duração e a promessa “até que a morte os separe” contrasta com a velocidade das relações virtuais. Assim são os namoros, prazos curtos, fast-food do prazer. Caso o mundo real não proporcione a satisfação desejada, a vida virtual fornece respostas imediatas. Sem a possibilidade de referências das gerações passadas que ao observar os relacionamentos atuais declaram o fim do mundo, os jovens não distinguem mundo off-line do on-line nas relações. O sociólogo Zygmunt Bauman alerta: “mais que ajudar a criar vínculos e diminuir a tragédia dos sonhos não realizados, o sexo pela internet ajuda a enfraquecer e tornar mais superficiais as relações laboriosamente construídas na vida real off-line, por isso mesmo, é menos satisfatório e cobiçado, menos valioso e valorizado”.
E como resolver esse confronto de gerações? Existem verdades absolutas entre as faixas etárias? O educador Rubem Alves, homem que transformava palavra em poesia nos deixou uma percepção adequada para essa situação: “O que é necessário compreender é que ninguém tem a verdade. Nós só damos palpites. No momento em que os indivíduos compreendem que suas verdades não passam de palpites, eles ficam mais tolerantes”.
Apesar da insistência da proclamação do fim do mundo, o que a humanidade sempre vivenciou foi o declínio de “um mundo” e a ascensão de um “novo mundo”, ou seja, a transformação das percepções sobre o mundo. Declarar o fim do mundo talvez seja a confirmação de que o indivíduo já não se insere mais nas novas realidades possíveis, sempre sendo criadas e reinventadas, um aprendizado continuo entre gerações, agora sem uma ordem hierárquica estabelecida pelo ano de nascimento.
Daniel Clemente
Professor de História e Sociologia
Colégio Adventista de Santos
Pós Graduação PUC-SP
Professor de História e Sociologia
Colégio Adventista de Santos
Pós Graduação PUC-SP
in EcoDebate, 29/10/2015
"A proclamação do fim do mundo, artigo de Daniel Clemente," in Portal EcoDebate, 29/10/2015, http://www.ecodebate.com.br/2015/10/29/a-proclamacao-do-fim-do-mundo-artigo-de-daniel-clemente/.
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