Editorial do ISA – Instituto Socioambiental
Contradições, falta de um posicionamento claro e contundente por parte da Funai quanto a importantes ações de mitigação de impactos socioambientais da usina de Belo Monte (PA), colocam os povos indígenas da região em uma situação de absoluta vulnerabilidade e incertezas. Leia o Editorial do ISA sobre assunto
O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), João Pedro Costa, enviou à presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Marilene Ramos, no dia 12/11, um ofício com a síntese da avaliação da Funai a respeito da última etapa do licenciamento ambiental dahidrelétrica de Belo Monte (PA). Cabe ao presidente da Funai neste momento recomendar ou não ao Ibama o Licenciamento da Obra no tocante ao seu componente indígena. Cabe ao Ibama ponderar as recomendações da Funai e o parecer de seus técnicos sobre outros componentes socioambientais e decidir sobre a concessão da licença de operação da usina.
O documento da Funai, por um lado, pede sanções à empresa Norte Energia, dona da obra, pelas falhas na execução do componente indígena das condicionantes socioambientais da hidrelétrica. Certifica uma lista de impactos agravados com o não cumprimento de medidas de proteção às Terras Indígena e de saúde dos povos indígenas que vivem na região. Ainda verifica as consequências das ações mal sucedidas da empresa nas áreas atingidas. Solicita a reelaboração integral da matriz de impactos da obra e das correspondentes medidas de mitigação para os povos indígenas afetados. No entanto, surpreendentemente, o ofício afirma que “todas as demais ações relacionadas ao Componente Indígena necessárias, precedentes e preparatórias para o enchimento do reservatório e para implementação do trecho de vazão reduzida (TVR) também foram integralmente cumpridas”.
A contradição entre a existência de inúmeras e graves vulnerabilidades que ainda pesam sobre os povos indígenas e o indicativo de que é possível iniciar o enchimento do reservatório foi denunciada na imprensa e coloca em questão o papel do órgão na proteção dos povos indígenas da região. A Presidência da Funai posicionou-se hoje sobre as reportagens publicadas (veja aqui). O posicionamento da Funai sinaliza positivamente ao Ibama, no tocante ao componente indígena, para a emissão da Licença de Operação de Belo Monte, que permitirá o enchimento do reservatório e o inicio da geração de energia, mesmo sem haver as condições necessárias para enfrentar os impactos da finalização da obra.
A usina está em fase final de instalação, já tendo iniciado os planos de demissão de trabalhadores e desarticulação dos canteiros. Os Estudos de Impacto Ambiental da obra preveem para esta fase um aumento da população desempregada e pressões sobre recursos naturais das Terras Indígenas e Unidades de Conservação, com possibilidade de grave acirramento de conflitos interétnicos caso essas áreas não estejam adequadamente protegidas.
O documento enviado pelo presidente da Funai aponta que o Plano de Fiscalização e Vigilância das Terras Indígenas não foi executado. Faz referência ainda a obrigações de competência exclusiva do poder publico, relacionadas à garantia dos direitos territoriais dos povos indígenas atingidos pela obra que ainda não foram executadas. O exemplo mais gritante dessa situação diz respeito à Terra Indígena Cachoeira Seca. A área aguarda a homologação da Presidência da República e responde por um dos maiores índices de desmatamento do Brasil. Além das invasões de grileiros, a área tem sido palco de saques de exploração ilegal de madeireira sem precedentes (saiba mais).
Além de condicionantes estratégicas não cumpridas pelo empreendedor, existem ações complexas de responsabilidade do governo federal, que demandam articulação institucional e estão totalmente paralisadas, como os processos de retirada de moradores não indígenas das terras Apyterewa, Arara da Volta Grande, Cachoeira Seca e Paquiçamba. O próprio fortalecimento da Funai na região é uma questão de extrema importância que está sendo desconsiderada pelo presidente da instituição. Ao invés de reforçar a estrutura física e de profissionais que atuam na sede da Funai em Altamira, face aos inúmeros desafios colocados por Belo Monte, a Funai sofreu uma redução do número de servidores de 72%, entre os anos de 2011 e 2015, passando de 60 para apenas 23 servidores.
A dívida de Belo Monte com os povos indígenas do Xingu é grande e está sintetizada no Dossiê Belo Monte: Não há condições para a Licença de Operação, assim como no parecer técnico da Diretoria de Licenciamento da Funai emitido em setembro.
A falta de um posicionamento mais claro e contundente por parte da Funai, neste momento, quanto a importantes ações de mitigação de impactos socioambientais e de estruturação do órgão na região, coloca os povos indígenas numa situação de alta vulnerabilidade para encarar esses impactos negativos da usina apontados pelos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) para a fase de operação do empreendimento.
Do ISA – Instituto Socioambiental, in EcoDebate, 25/11/2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário