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A partir da esquerda: José Cirilo, Vherá Poty, Ana Barros, José Catafesto |
Participantes do último Agapan Debate de 2015, realizado na segunda-feira (9/11) em Porto Alegre, decidiram elaborar uma moção contra a PEC 215, que repassa ao Congresso Nacional as atribuições do Executivo, especialmente na demarcação de terras indígenas e quilombolas, e defenderam uma ação por crime de responsabilidade contra o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em defesa dos Guarani Kaiowá, que estão sendo dizimados no Mato Grosso do Sul, por interesse de terras e minerais e, pior, a demarcação está em processo de reconhecimento há no mínimo 30 anos. Para tanto, será criado um grupo de trabalho, composto por advogados e demais militantes da Agapan, na construção desses documentos, que também inclui uma ação junto ao Ministério Público Federal.
O Agapan Debate, promovido pela Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, tratou sobre “Holocausto Indígena e Ecocídio”, reunindo os caciques Mbyá-Guarani Vherá Poty e José Cirilo Pires, além do professor José Otávio Catafesto de Souza, doutor em Antropologia Social pela Ufrgs.
Aos 28 anos, Vherá Poty, cacique da aldeia Mbyá-Guarani Pindó Mirim, de Itapuã, em Viamão, tem José Cirilo (45 anos) como referência de resistência indígena. Cirilo é cacique da aldeia Mbyá-Guarani da Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre, e defende o sagrado nas plantas, no vento, na chuva, na esperança de relações mais humanas entre as pessoas. “Precisamos respeitar os deuses que há, por exemplo, no trovão”, gesticula.
Cirilo ressalta a espiritualidade dos Guarani e diz acreditar no diálogo e no respeito entre as raças, e mesmo entre as etnias, em prol do coletivo dos povos tradicionais. Isso envolve a elaboração e execução de políticas públicas diferenciadas, que evitem, por exemplo, que os povos originários, primeiros habitantes do Brasil, vivam na miséria. “Nós só queremos um cantinho de terra para viver. Queremos paz, liberdade e ser feliz”, destacou o cacique.
Sobre a PEC 215/00 que tramita no Congresso (no último dia 27 de outubro, esta Proposta de Emenda à Constituição foi aprovada por uma Comissão especial destinada a analisar o tema), Cirilo reafirma não perder a esperança de que a sociedade vai reconhecer e pressionar contra essa alteração “injusta e criminosa” na Constituição. “Acredito que não vai adiante e não será aprovada”, disse.
MASSACRE OU AGRESSÃO AOS DIREITOS?
“Precisamos lutar contra essa política que pisa sobre as pessoas, sobre nossos irmãos indígenas”, anunciou o também cacique Vherá Poty, ao observar que “este é o pior ano em termos políticos para os indígenas”. Segundo ele, o genocídio que ocorre no Brasil vai de ataques corporais à construção de uma política que quer exterminar os povos indígenas. “É por isso que precisamos nos fortalecer no processo de construção política, nos apropriando e acompanhando as questões políticas que defendam o nosso povo”, disse.
Vherá observa que “os relatos do genocídio que acontece no Mato Grosso do Sul são dolorosos e espiritualmente machucam demais”. Para ele, o descaso das autoridades e da população contra esse massacre indígena comprova que a lei não é para as minorias. “É preciso fortalecer esse movimento de todas as etnias do Brasil e de outros países contra esse projeto e valorizar mais os nossos aliados não indígenas que estão nos apoiando nessa causa”, argumentou.
Para Vherá, o conhecimento e as práticas espirituais dos indígenas, que fortalecem a resistência cultural desses povos, incomodam o chamado avanço do sistema político brasileiro. “Estaremos de cabeça erguida na batalha e acredito que vamos vencer e derrubar esse projeto que não defende a nossa bandeira, que é a humana”, disse Vherá, ao salientar a importância de construção de uma política que atenda às necessidades humanas. “É fundamental e necessário nos agregarmos mais e nos entendermos uns aos outros”, afirmou.
ESPÍRITO COLETIVO TRADICIONAL
O professor José Otávio Catafesto de Souza, doutor em Antropologia Social pela Ufrgs, atualmente consultor e pesquisador na produção de relatórios de caracterização e delimitação de comunidades quilombolas (Macaco Branco, Portão; Paredão, Taquara) a fim de reconhecimento de regularização fundiária pelo Incra, falou sobre o “Recrudescimento da Violência sobre Indígenas no Brasil Atual: Cosmoecologia dos Guardiões Originários da Terra em Enfrentamento às Forças Destrutivas do Homo Econômicus em sua fundamentação Cosmológica Utilitária”.
Para Catafesto, somente a detenção de áreas por comunidades tradicionais poderá garantir a preservação das espécies. “Onde tem índio, tem mato”, comparou, ao observar que “as comunidades indígenas são sociedades do ócio. Nós somos do ‘negócio’, que é a negação do ócio”.
Segundo o professor, o RS é um dos estados gestores de políticas indígenas que tem apresentado algumas transformações ainda não reconhecidas pela academia. “Aqui, os indígenas têm obtido ganhos reais em termos de terras desapropriadas”, disse, ao citar três áreas concedidas durante o governo Olívio Dutra, num total de 800 hectares, e outros 800 hectares de mata concedidos, no ano passado, pelo Departamento Nacional de Infraestrutura (Dnit/RS) aos Mbyá Guarani.
Acompanhando a luta e a regularização de terras indígenas no Estado e também no Brasil, o professor Catafesto destaca que “os indígenas querem que os fazendeiros ou os agricultores saiam das terras felizes e indenizados, sem conflitos e barricadas”.
Catafesto antecipa ainda sua visão de pedagogia e de relação com a terra a partir da cultura Guarani, “que será apolítica do próximo milênio”. Para ele, “o acesso livre à terra é o que vai nos destituir finalmente da propriedade privada, que tantos conflitos e mortes têm provocado na história do país”, para os Guarani, “as divindades nos fortalecem nas batalha”.
O Agapan Debate foi mediado por Ana Maria Barros Pinto, jornalista, com especialização em Direitos Humanos pela Ufrgs e pesquisadora indigenista.
Jornalista Adriane Bertoglio Rodrigues
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