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sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Desmatamento na Amazônia pode atingir limite irreversível, com mudanças para vegetação rala e esparsa e baixa biodiversidade

Com mudanças climáticas e uso indiscriminado do fogo, se o nível de desflorestamento atingir entre 20% e 25% o ciclo hidrológico do bioma pode ser severamente degradado, alertam cientistas

Por Elton Alisson, Agência FAPESP

desmatamento

O desmatamento da Amazônia está prestes a atingir um determinado limite a partir do qual regiões da floresta tropical podem passar por mudanças irreversíveis, em que suas paisagens podem se tornar semelhantes às de cerrado, mas degradadas, com vegetação rala e esparsa e baixa biodiversidade.
O alerta foi feito em um editorial publicado nesta quarta-feira (21/02) na revista Science Advances. O artigo é assinado por Thomas Lovejoy, professor da George Mason University, nos Estados Unidos, e Carlos Nobre, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas – um dos INCTs apoiados pela FAPESP no Estado de São Paulo em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – e pesquisador aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
“O sistema amazônico está prestes a atingir um ponto de inflexão”, disse Lovejoy à Agência FAPESP. De acordo com os autores, desde a década de 1970, quando estudos realizados pelo professor Eneas Salati demonstraram que a Amazônia gera aproximadamente metade de suas próprias chuvas, levantou-se a questão de qual seria o nível de desmatamento a partir do qual o ciclo hidrológico amazônico se degradaria ao ponto de não poder apoiar mais a existência dos ecossistemas da floresta tropical.
Os primeiros modelos elaborados para responder a essa questão mostraram que esse ponto de inflexão seria atingido se o desmatamento da floresta amazônica atingisse 40%. Nesse cenário, as regiões Central, Sul e Leste da Amazônia passariam a registrar menos chuvas e ter estação seca mais longa. Além disso, a vegetação das regiões Sul e Leste poderiam se tornar semelhantes à de savanas.
Nas últimas décadas, outros fatores além do desmatamento começaram a impactar o ciclo hidrológico amazônico, como as mudanças climáticas e o uso indiscriminado do fogo por agropecuaristas durante períodos secos – com o objetivo de eliminar árvores derrubadas e limpar áreas para transformá-las em lavouras ou pastagens.
A combinação desses três fatores indica que o novo ponto de inflexão a partir do qual ecossistemas na Amazônia oriental, Sul e Central podem deixar de ser floresta seria atingido se o desmatamento alcançar entre 20% e 25% da floresta original, ressaltam os pesquisadores.
O cálculo é derivado de um estudo realizado por Nobre e outros pesquisadores do Inpe, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e da Universidade de Brasília (UnB), publicado em 2016 na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.
“Apesar de não sabermos o ponto de inflexão exato, estimamos que a Amazônia está muito próxima de atingir esse limite irreversível. A Amazônia já tem 20% de área desmatada, equivalente a 1 milhão de quilômetros quadrados, ainda que 15% dessa área [150 mil km2] esteja em recuperação”, ressaltou Nobre.
Margem de segurança
Segundo os pesquisadores, as megassecas registradas na Amazônia em 2005, 2010 e entre 2015 e 2016, podem ser os primeiros indícios de que esse ponto de inflexão está próximo de ser atingido.
Esses eventos, juntamente com as inundações severas na região em 2009, 2012 e 2014, sugerem que todo o sistema amazônico está oscilando. “A ação humana potencializa essas perturbações que temos observado no ciclo hidrológico da Amazônia”, disse Nobre.
“Se não tivesse atividade humana na Amazônia, uma megasseca causaria a perda de um determinado número de árvores, que voltariam a crescer em um ano que chove muito e, dessa forma, a floresta atingiria o equilíbrio. Mas quando se tem uma megasseca combinada com o uso generalizado do fogo, a capacidade de regeneração da floresta diminui”, explicou o pesquisador.
A fim de evitar que a Amazônia atinja um limite irreversível, os pesquisadores sugerem a necessidade de não apenar controlar o desmatamento da região, mas também construir uma margem de segurança ao reduzir a área desmatada para menos de 20%.
Para isso, na avaliação de Nobre, será preciso zerar o desmatamento na Amazônia e o Brasil cumprir o compromisso assumido no Acordo Climático de Paris, em 2015, de reflorestar 12 milhões de hectares de áreas desmatadas no país, das quais 50 mil km2 são da Amazônia.
“Se for zerado o desmatamento na Amazônia e o Brasil cumprir seu compromisso de reflorestamento, em 2030 as áreas totalmente desmatadas na Amazônia estariam em torno de 16% a 17%”, calculou Nobre.
“Dessa forma, estaríamos no limite, mas ainda seguro, para que o desmatamento, por si só, não faça com que o bioma atinja um ponto irreversível”, disse
O editorial Amazon tipping point (doi: 10.1126/sciadv.aat2340), assinado por Thomas Lovejoy e Carlos Nobre, pode ser lido na revista Science Advances em http://advances.sciencemag.org/content/4/2/eaat2340.
O artigo Land-use and climate change risks in the Amazon and the need of a novel sustainable development paradigm (doi: 10.1073/pnas.1605516113), de Carlos Nobre, Gilvan Sampaio, Laura Borma, Juan Carlos Castilla-Rubio, José Silva e Manoel Cardoso, pode ser lido na revista PNAS em http://www.pnas.org/content/113/39/10759.

Agência FAPESP, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 23/02/2018


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