Segundo estudo, intervenções governamentais contra degradação ambiental são paliativas e não desafiam interesses econômicos
Por Rafael Oliveira, do Jornal da USP.
As políticas ambientais pensadas para a Amazônia são paliativas e as políticas de cunho desenvolvimentistas favorecem mais aos grupos econômicos externos à região do que aos amazônidas. É isso que afirma o pesquisador Michel Cantagalo, autor de uma tese de doutorado sobre o tema pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP em Piracicaba.
Intitulada Degradação e preservação: uma análise histórico-econômica das ocupações humanas na Amazônia, a pesquisa de Cantagalo, que é professor do IFSP (Instituto Federal de São Paulo) em Piracicaba, aponta que a destruição da floresta está diretamente relacionada à entrada e ao avanço do sistema de mercado na região. “A literatura diz que o problema de degradação da Amazônia começou nos anos 60, 70. Mas não, o problema da Amazônia começa com o colonizador e ele vai crescendo e se expandindo. Os primeiros dados estatísticos são de 1920, 1940 e ali já dá para ver que a Amazônia estava sendo degradada”, explica o pesquisador. Em sua tese, ele se baseou em análise dos dados dos censos agropecuários de 1920 a 2006, além de ampla revisão bibliográfica para elucidar a hipótese central da tese.
Segundo Cantagalo, as intervenções governamentais na região são para maquiar os problemas, sem interferir nos interesses econômicos. “Quando surgem as políticas ambientais para a região, elas são simplesmente para tentar corrigir um desmatamento, nunca para propôr um desenvolvimento para a região, nunca para focar na autonomia ou nas potencialidades específicas daquela população. É sempre uma tentativa de modernizar, mas no sentido de tornar tecnológico e incluir em mercados globais, nunca de olhar para a região com suas especificidades”, aponta.
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Sistema de Mercado
O “sistema de mercado” apontado por Cantagalo em sua tese é aquele conceituado pelo estudioso austríaco Karl Polanyi. “Não é o que as pessoas usualmente chamam de capitalismo. O que Polanyi aponta é que até um pouco antes da revolução industrial havia um sistema que era guiado pelo tempo humano. Com a inserção das máquinas na economia, acontece uma financeirização. As demandas aumentam, a necessidade de produzir aumenta e passa a existir um excedente de mão de obra. Também se acelera a transformação das terras em áreas privadas e produtivas”, aponta o pesquisador.
Com essa nova lógica, criam-se “mercados artificiais”. “Agora o objetivo da produção é a riqueza, o que gera uma economia artificial. Para Karl Polanyi, mercadoria é apenas aquilo que foi produzido para ser vendido. Terras não foram produzidas para serem vendidas; trabalho não foi produzido para ser vendido, moeda também não. Esses são os três primeiros mercados artificiais, depois surgiram outros”, esclarece Cantagalo. Segundo o pesquisador, como o meio ambiente não se configura como mercadoria, por não ser escasso para o sistema produtivo, ele é deixado de lado em prol da viabilização do mercado.
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Soluções inviáveis
A bibliografia relacionada à degradação da floresta amazônica levanta teses diversas para explicar os motivos que causaram a situação. Segundo Cantagalo, uma das principais aponta que houve, simultaneamente, um governo que acelerou o processo econômico na região e que foi ausente no momento de guiar esse processo, tornando-o fora de controle.
Para o pesquisador, as soluções apresentadas pela literatura para resolver a questão amazônica não têm como existir na prática. “A minha tese, de que a culpa é do sistema de mercado, que é simplesmente um processo civilizatório da Amazônia, vem para mostrar que está se ignorando o pano de fundo. As soluções que a literatura propõe precisariam que você tivesse poderes sobre o sistema de mercado, que existisse um interesse público que fosse contra as determinações do mercado”, explica.
De acordo com Cantagalo, o que é apresentado pela literatura “recorta isoladamente a região, como se ela não existisse dentro do mundo”, ignorando as macroestruturas sociais. “Sugerem que se proíba a pecuária na Amazônia, mas como você vai fazer isso? Quem tem poder de fazer isso? O próprio governo não tem o poder de fazer isso. A questão da madeira, tem que fiscalizar e fazer a lei valer lá. Mas quem fará isso? Como propomos algo que ninguém pode realizar? Ninguém tem poder de realizar o que a literatura sugere”, questiona o pesquisador.
Como propomos algo que ninguém pode realizar? Ninguém tem poder de realizar o que a literatura sugere.”
No último capítulo de seu trabalho, Cantagalo apresenta o Projeto Reca (Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado). Trata-se de um “grupo de pequenos produtores rurais que, unidos através de uma associação e de uma cooperativa, produzem de maneira sustentável no interior do Acre”. Apesar do sucesso da empreitada, exemplo raro de iniciativa localista que funcionou na região amazônica, o pesquisador ressalta que o sucesso do projeto deu-se por condições bastante específicas. “O Reca deu ‘sorte’, foram características únicas que fizeram este processo dar certo, e ele não pode ser replicado. Foi um processo que não cruzou interesses maiores econômicos. Todos os outros projetos parecidos com ele que cruzaram com esses interesses terminaram em tragédia na Amazônia, em assassinatos, em populações sendo expulsas de terras”, finaliza.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 22/06/2017
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