16 de abril de 2015
Por Fernanda Franco (da Redação da ANDA)
Está circulando na grande mídia a notícia de que um casal de ursos polares, Aurora e Peregrino, recém-chegados da Rússia ao Brasil, estarão nesta semana prontos para “serem exibidos” no Aquário de São Paulo.
Infelizmente não nos surpreende que a barbárie do confinamento seja tratada como algo tão corriqueiro, aceitável e até festejado pela mídia comum. A mídia comum, aliás – ainda no auge de seu jornalismo adolescente, imaturo e sem fazer uso de quaisquer fundamentos críticos e éticos -, veicula que os ursos estão felizes-da-vida, bem adaptados, em ambiente climatizado e que tudo isso não passa de mais um “projeto de preservação e reprodução” promovido de forma brilhante pelo Aquário de São Paulo.
Acontece que a realidade é bem outra: depois de 15 horas de voo, a caminho de um ambiente totalmente hostil e diverso à sua natureza, não, os ursos não estão felizes-da-vida. Agora presos em um ambiente minúsculo (em comparação à natureza que teriam se estivessem em vida livre, qualquer jaula é pequena e sem horizonte), além de absolutamente longe de seus habitats, estarão condenados a viver num lugar cujo clima é totalmente diverso do clima para o qual estão preparados biologicamente. E não bastasse essa sentença de morte em pequenas doses, ainda vão ser exibidos, humilhados, para saciar o instinto sádico dos seres humanos.
Descontente com as críticas contrárias, o Aquário de São Paulo publicou recentemente uma nota de esclarecimento em suas mídias sociais, reforçando seu suposto “compromisso com a educação ambiental e o bem-estar animal” e afirmando que a posição do público incomodado com a chegada dos ursos não passa de “falta de informação”.
A situação é muito grave e triste. Estamos diante da urgência de exercer o pensamento lúcido, crítico, potente. É preciso (re)acender – o tanto quanto for necessário – a discussão sobre a barbárie que é retirar os animais da natureza e confiná-los em ambientes artificiais (zoos, aquários, parques temáticos, etc). É preciso desconfiar do discurso dessas instituições ao se dizerem preocupadas com a preservação dos animais, pois o motor de tudo isso é a produção de lucro.
Zoológicos e aquários não promovem a preservação da vida
Quem pensa ou acredita que zoológicos ou aquários contribuem para um trabalho de preservação da vida se engana profundamente. Então para quais fins, de fato, servem essas instituições? A filósofa abolicionista Sônia T. Felipe esclarece: “o que os zoos fazem é procurar a reprodução biológica de espécies ameaçadas de extinção. Mas quando falamos em preservar espécies, não pensamos que uma espécie seja constituída apenas por sua bagagem genética. Cada espécie animal precisa de um espírito específico, que permita a preservação daquele tipo de vida de forma autônoma. Isso os zoos não podem fazer. No máximo, o que eles preservam, é o banco genético”.
Ao serem mantidos em confinamento, os animais vão perdendo, a cada nova geração reproduzida em cativeiro, a memória que constitui sua natureza e seu modo próprio de viver: “Ao serem mantidos no cativeiro por tempo muito longo, refiro-me aos indivíduos da primeira geração posta em confinamento, os animais apagam pouco a pouco a memória que constituía seu ‘espírito’ específico. Se duas ou três gerações são mantidas nesse cativeiro, não resta conhecimento algum que permita aos jovens nascidos em confinamento saber interagir no espaço natural e social que seria próprio de sua espécie de vida. Guardamos, assim, o patrimônio genético, que é matéria biológica. Matamos o patrimônio genuinamente ‘animal’ dessas espécies. Temos apenas ‘organismos’ destituídos de ‘mente’ específica. Por esse motivo, reproduzir animais em zoos não garante que sua espécie de vida seja preservada”, alerta a filósofa.
Entendido para que fins servem os zoológicos e aquários, e considerando que tantas espécies animais encontram-se em condições de vulnerabilidade, não seria mais inteligente, coerente e interessante criarmos e apoiarmos projetos de proteção e recuperação dos habitats?
Apoie a vida livre, não a vida em cativeiro
“Alguns caem e não se levantam nunca mais, geralmente os mais sensíveis, os mais fáceis de se machucar, os seres que mais dor sentem ao viver. Os seres mais sensíveis são os mais vulneráveis. Em contrapartida, esses filhos da puta, que se dedicam a atormentar a humanidade vivem vidas longuíssimas, não morrem nunca. Porque não têm uma glândula, que na verdade é bem rara e que se chama consciência. É a que nos atormenta pelas noites…”
(Eduardo Galeano, escritor e jornalista)
(Eduardo Galeano, escritor e jornalista)
Apoiar a violência não nos torna também violentos? Pois tudo que apoiamos não é exatamente o tecido de que vamos sendo feitos?
Uma forma de não apoiar essa cadeia terrível de rebaixamento da vida é refletindo e compartilhando informações esclarecedoras sobre o papel perverso que realmente cumprem essas instituições de confinamento e lucro, na teia da vida. Seja em conversas (não-odiosas, por favor) com amigos, ou nos encontros mais diversos em que caiba uma abordagem educada sobre o assunto – pois é preciso que seja conhecida e debatida a realidade por trás do que nos leva a crer a falaciosa, e às vezes ingênua, mídia. Disso depende a força da vida em nós. Não de saber simplesmente, mas de um saber cujo efeito é nos apropriarmos de forças construtivas e éticas, que no final das contas fortalecem a liberdade e a diversidade que acontecem quando vivemos perto da natureza que somos – sejamos animais humanos ou não-humanos.
Uma pergunta realmente perturbadora nos assola, noite após noite: a ignorância humana encontrará um limite, uma luz que faça de seus pontos cegos meras lembranças, em tempo de não extinguir a si mesma e a vida como um todo?
Talvez a resposta seja: o tempo é agora.
Nota da Redação: Insistimos com a pergunta: a que servem essas instituições que confinam animais, alegando compromisso com a educação ambiental e com a preservação da vida? Ao lucro. Mas suponhamos que fosse esse o caso dessas instituições, que elas fossem éticas e absolutamente interessadas em proteger animais em condições de vulnerabilidade, ainda assim elas não cumpririam com sua razão de existir, pois se queremos evitar a extinção dos animais, não é esse gênero de interferência que nos cabe: retirar um ser vivente e senciente de seu habitat e lhe dizer, e lhe impor como ele vai viver. Não cabe a nenhum ser vivo o direito de determinar como vai viver um outro ser vivo. O máximo de interferência que nos caberia seria otimizar as condições para a vida florescer: dar à Terra o que ela precisa para que os ecossistemas sigam autonomamente. Cuidar do planeta, dos habitats – e deixar que os animais não-humanos, e senhores de si, façam o resto. Não somos senhores de ninguém, não determinamos vidas, muito menos modos confinatórios de vida. Impor é escravizar, rebaixar. Nada nunca crescerá assim.
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