A cultura do desperdício faz parte do dia a dia do povo brasileiro, principalmente nos grandes centros urbanos. Este valor tão enraizado tem como um dos principais motivos a disponibilidade, riqueza e abundância dos recursos naturais em nosso país, pois este ambiente de fartura nos propicia um inconsciente coletivo que potencializa o esbanjamento permanente, lembrando que o nosso modo de vida e cultura estão intimamente ligados ao meio em que vivemos.
Hoje somos 7 bilhões de habitantes que consomem 50% a mais de recursos naturais renováveis disponíveis no planeta[1], e no Brasil 85% da população reside nos centros urbanos, ambientes que afastam as pessoas da natureza e de seus ciclos, ampliando o analfabetismo ambiental. A lógica dos ambientes urbanos estimula o consumo, e não apoia a racionalidade no uso cotidiano da água, dos alimentos, da energia e outros recursos, e isso vem trazendo enormes prejuízos, problemas e instabilidade em relação ao nosso futuro comum, até mesmo a continuidade da espécie humana na Terra.
A crise hídrica é uma ameaça e, ao mesmo tempo, uma oportunidade para os 20 milhões de habitantes que moram nos 36 municípios da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, aprenderem sobre a gestão da água e para que possam redesenhar sua relação com este precioso bem comum. Os gestores públicos das áreas de Educação, Saúde, Comunicação, Meio Ambiente e Recursos Hídricos poderiam encarar esta situação conjuntamente e promover um processo socioeducativo transformador destes valores, onde Pouco pode ser Muito. Evidenciar os limites dos recursos naturais é um dos primeiros passos, rompendo assim com a lógica do infinito que está internalizada na base da cultura do desperdício. Por exemplo, todos deveriam saber que: a região Norte concentra quase 70% de toda água doce disponível no País. Já a Sudeste dispõe de apenas 6%, porém abriga 43% da população ante 8% do Norte. Se dividirmos essa disponibilidade hídrica no Sudeste pelo número de habitantes, a situação aqui é igual a do Nordeste, com 3% da água e 23% de população, ou 0,1% de disponibilidade de água por habitante em ambas as regiões. Porém no ND a população, que sempre conviveu e convive com a seca economiza cada gota, enquanto que no SD as pessoas desperdiçam. Estas e muitas outras informações deveriam fazer parte do conhecimento básico das pessoas, porém a cultura do consumismo e da ausência de valores ligados a vida e a ética estão levando a sociedade à outro rumo.
Mas pergunto a vocês leitores, qual será o plano das Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, Saúde, Comunicação, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê? Alguém sabe? Alguém ouviu falar? Infelizmente as secretarias não se conversam e não possuem nenhum plano comum de atuação para aproveitar este rico momento, e assim continuamos a cambalear rumo ao abismo da incerteza que tanto nos entristece.
Existem muitos inconformados, visionários e ativistas na cidade de São Paulo e região que estão reagindo a esta crise, ensinando as pessoas a Cuidar da água[2]! Estas iniciativas de “Cuidar” da água, estimulam as pessoas a descobrir nascentes e rios enterrados na cidade, captar a água de chuva, plantar árvores nas áreas de mananciais, economizar água no cotidiano, tais como: tomar banho e reservar a água numa bacia para usar na descarga da privada, reutilizar a água da máquina de lavar roupa para limpar o chão, e escovar os dentes utilizando um copo d’água, o que exige boa vontade e dedicação. Se houver estímulo político e mercadológico, em breve estas tecnologias estarão disponíveis para que estas ações sejam automatizadas, mas até lá vamos ter que exercitar a mente, o coração e o corpo para dar conta de enfrentar a crise como uma oportunidade de amadurecer nossa consciência socioambiental, rumo a construção de uma sociedade sustentável e justa.
Infelizmente estas iniciativas vêm sendo encaradas pelo poder público com certo desprezo, não dando crédito devido ao poder transformador que estas práticas de sustentabilidade têm junto ao inconsciente coletivo da sociedade. Acredito que ao começarmos a estimular o cuidado com a nossa água, possamos romper esta lógica de que somos apenas consumidores passivos, e assim trazer novos pensamentos, dinâmicas e olhares para a nossa relação com a água e com os demais recursos naturais.
Para que possamos incluir a cultura da sustentabilidade do uso dos recursos naturais será necessário que haja a ampliação da consciência socioambiental[3], ou seja, de que somos dependentes dos recursos naturais que há na Terra, rompendo a analfabetismo ambiental no qual estamos imersos. Para que haja esta mudança de pensamento, fala e atitude será necessário um forte investimento na Ecopedagogia[4], que trata da aprendizagem de uma educação com sentido na vida cotidiana para promover sociedades sustentáveis, principalmente junto as lideranças, governantes e tomadores de decisão.
Referências 
[1] Living Planet Report, 2014 – WWF
2 Para conhecer os resultados do Seminário Água & Educação visite o site:http://www.5elementos.org.br/site/index.php/resultados-do-seminario-agua-educacao-praticas-e-reflexoes/
3 A Política Nacional de Educação Ambiental LEI No 9.795, DE 27 DE ABRIL DE 1999 e sua implantação acontece muito lentamente, não sendo prioridade nos governos do Brasil.
4 Este conceito foi criado por F. Gutiérrez, educador e pesquisador costa-riquenho, estudioso da obra de Paulo Freire, no início da década de 1990, no contexto da conferência da RIO-92 e está relacionado aos princípios da Carta da Terra, documento produzido por um fórum da sociedade civil e representantes de todos os povos, sendo considerado, por isso, expressão da Cidadania Planetária. (#Envolverde)
Mônica Pilz Borba é pedagoga pela PUC-SP e possui pós-graduação em Educação Ambiental pela Faculdade de Saúde Pública da USP e em Agricultura Biológico Dinâmica pelo Instituto Elo, é fundadora e gestora do Instituto 5 Elementos – Educação para a Sustentabilidade desde 1993, coordenadora e professora de cursos de educação ambiental. Foi vice-presidente do Subcomitê Pinheiros Pirapora da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, coordenou o Centro de Educação Ambiental do Parque Villa-Lobos, e o Centro de Educação Ambiental em Caucaia do Alto (Cotia/SP), projeto do HSBC. Em 2014 coordenou o projeto Consumo Sustentável e Ação dos Resíduos Sólidos na Subprefeitura da Lapa (SP), financiado pelo Fundo Especial de Meio Ambiente do Município de SP e pela Natura. Coordenou programas como o de Energia Social para a Sustentabilidade Local, da Odebrecht Agroindustrial, realizado em várias cidades do País para promover o Desenvolvimento Sustentável Local por meio de uma gestão participativa apoiada em ações educativas e realizou diversos projetos nas áreas de cultura, educação, atividades produtivas, saúde, segurança e meio ambiente. Possui várias publicações voltadas a Educação Ambiental, tais como Águas nos Oeste do Alto Tietê disponível para download.
(Envolverde)