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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Que fazer com o clima no patrimônio histórico? artigo de Washington Novaes

Nesta semana, está se realizando em Sintra, Portugal, promovido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o Congresso Mundial da Organização das Cidades Patrimônio Mundial – no qual está presente o autor destas linhas. O tema central é o dos problemas que as cidades históricas vêm sofrendo com as mudanças climáticas no mundo – e como enfrentá-los.Nas últimas semanas, por exemplo, a maior parte da cidade de Bangcoc, na Tailândia, teve quase toda a sua área ocupada pela água de chuvas e inundações. E ali se encontra um patrimônio histórico e artístico muito valioso, a começar pelo Templo do Buda de Esmeralda – trata-se, de fato, de um conjunto de templos que formam uma espiral que termina no monumento central, um templo com paredes forradas de pedras preciosas, piso de fios de prata e, ao centro, um Buda de metro e meio de altura, na verdade, uma peça inteiriça de jade. Também está ameaçado o Templo do Buda de Ouro, outra peça enorme, toda em metal precioso. Ou o Palácio Real, uma joia arquitetônica – entre outras peças.
Não é preciso aqui insistir em informações sobre mudanças do clima e suas consequências, já expostas em vários artigos neste espaço. Basta relembrar que os “desastres climáticos” têm aumentado de ano para ano e o Brasil já é um dos países com mais eventos dessa natureza e vítimas. Ou a informação de que as emissões de poluentes que se concentram na atmosfera e intensificam mudanças aumentaram 6% em 2010 e chegaram a mais de 30 bilhões de toneladas anuais (cientistas dizem que, se passarem de 32 bilhões de toneladas, não será possível conter o aumento da temperatura da Terra em 2 graus Celsius – limite além do qual as mudanças serão muito mais fortes do que já são).
Nosso país não escapa ao problema em muitas de suas cidades históricas, comprometendo patrimônios seculares, como é o caso de São Luís do Paraitinga (SP), ou da cidade de Goiás, antiga capital do Estado, ou das cidades serranas do Rio de Janeiro, para citar apenas algumas, onde está boa parte do patrimônio do Brasil colônia ou do Brasil Império. Em todas elas, chuvas intensas extravasaram de rios assoreados por causa do desmatamento em suas bordas e da erosão – além de terem suas margens, planícies naturais de inundação, tomadas por ocupações humanas de alto risco. Mas não é só: o próprio volume e o peso de chuvas torrenciais sobre construções antigas e frágeis são uma grave questão. Ou a impermeabilização de solos urbanos e a formação de correntes de água para lugares que deveriam ser preservados.
Obviamente, o primeiro caminho é recompor o leito dos rios, desassoreá-los, para que possam suportar maior volume de água sem atingir as construções históricas. Isso exigirá também recompor a vegetação em suas margens, para que chegue menos água aos rios. Construir muretas de proteção onde for possível e necessário. Impedir a impermeabilização do solo ao redor dos monumentos.
Mas os problemas não terminam aí. Como reforçar construções antigas – muitas de adobe ou taipa – sem desvirtuá-las com a presença de outros materiais? Como fazer isso sem comprometer a temperatura ambiente, a aeração? Como pode o poder público trabalhar em patrimônios particulares e ali aplicar recursos? Como enfrentar a divisão de áreas entre muitos herdeiros, alguns deles desejosos de negociar a sua parte? Mais complicado ainda, como fazer em lugares (como cidades do barroco mineiro) onde o patrimônio histórico está ao ar livre? Prover coberturas, se isso pode desvirtuar a visão e a paisagem? Providenciar réplicas, moldes em cera, para o caso de os eventos os danificarem gravemente?
Há situações em que até providências de socorro podem ser muito complicadas – e não apenas no caso de chuvas. Numa cidade histórica goiana, Pirenópolis, por exemplo, que é do século 18, um acúmulo de problemas levou a um incêndio numa igreja de construção única, ornamentação também singular, que começou pela nave central. Bombeiros e especialistas do patrimônio histórico chegaram, juntos, quando o fogo já tomava bancos e altares. Bombeiros queriam não apenas combater o problema na nave central, mas resfriar as paredes, para que não fossem atingidas – mas os jatos de água poderiam comprometer não apenas a pintura histórica, como ameaçar a própria construção, muito frágil. Foi difícil um acordo – mas se preservou o patrimônio. Na cidade de Goiás, pouco tempo depois de reconhecida como patrimônio da humanidade, uma enchente nas cabeceiras do Rio Vermelho – desmatadas – chegou ao centro histórico e atingiu até a casa de Cora Coralina. Exatamente porque as recomendações sobre o que se deveria fazer na bacia não foram seguidas.
Outro problema está na formação de pessoas com conhecimentos para os trabalhos necessários, na prevenção a na reparação. Que saibam escolher os materiais – tintas, cal, telhas, vidros, entre outros – adequados. O Instituto Federal de Goiás tem cursos técnicos profissionalizantes que formam pessoas capazes de reproduzir elementos construtivos adequados. O Ministério da Cultura já tem restauradores capacitados.
Há um lugar importante que cabe à comunicação. Não apenas tratando adequadamente da questão do clima, mas alertando previamente para situações de risco, seja para os monumentos históricos, seja para as pessoas – como a ocupação de topos de morros, encostas, áreas de inundação natural, desmatamentos que podem comprometer os cursos d’água e provocar situações indesejáveis.
Há muito a ser feito. Importante é ter consciência dos problemas. Agir com rapidez nos momentos críticos. Dotar de pessoas e recursos os órgãos capazes de cuidar do patrimônio histórico – que é da humanidade e, aqui, da sociedade brasileira. E, principalmente, atuar preventivamente, minimizar a possibilidade de danos.

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FONTE : Washington Novaes, jornalista. Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo. EcoDebate, 28/11/2011.

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