Dentre os tantos problemas apresentados pelo novo Código Florestal em análise no Senado Federal, a questão referente à Reserva Legal (RL) é apontada por muitos como um problema demasiadamente grande, pelo fato de abranger três questões centrais que englobam tanto a questão ambiental quanto a social.
A primeira delas trata-se da não obrigação de preservar uma quantidade de mata nativa nas propriedades referente ao bioma onde está inserida – algo existente no atual Código.
Nas áreas que se encontram na Amazônia, por exemplo, 80% da propriedade tem que ser composta por RL. No caso do cerrado, 35% e nas demais regiões, 20%.
Contudo, o novo relatório permite que essa contagem possa valer para diversas propriedades de um mesmo ruralista, desde que as áreas se apresentem no mesmo bioma. Ou seja, será possível um latifundiário obter uma terra em São Paulo e outra na Bahia, de modo que a área localizada no estado do nordeste possa servir para compor o porcentual que a RL prevê. Assim, a área de São Paulo poderá ser desmatada, sem a aplicação de multa.
O coordenador do Greenpeace, Márcio Astrini, explica como o incentivo à destruição de matas está em vigor no novo Código. “O projeto de lei, de uma forma geral, diminui a proteção às florestas, além de criar incentivos ao desmatamento. Por exemplo, quando ele permite que você desmate em um estado e possa compensar em outro. O que você está incentivando? É a redução dos índices de preservação das reservas legais. Existem vários outros artigos que vão por esse mesmo caminho, mas o projeto inteiro tem essa linha de mais desmatamento, anistia e menor proteção florestal.”
Outro ponto fundamental nessa questão seria a expulsão de pequenos agricultores e povos tradicionais, já que tais áreas são mais baratas, portanto, as que seriam compradas para compensação.
Quatro módulos fiscais
Um segundo ponto de discussão é a liberação para se desmatar RL em propriedades de até quatro módulos fiscais (medida que varia de acordo com o município, podendo ser de 20 a 440 hectares).
Segundo o texto a ser aprovado, essa medida ajudaria na agricultura familiar, que muitas vezes necessita utilizar toda a área de seu terreno para a plantação, e assim, sobreviver dela. Entretanto, não há uma distinção entre a agricultura familiar e o agronegócio, senão pela medição dos módulos fiscais. É nesse ponto que a polêmica começa.
“Eles sabem que modulagem fiscal não é parâmetro para você calcular se o agricultor é pequeno, familiar ou grande. Se ele tem ou não uma necessidade social que tem que ser suprida pelo Estado. É a mesma coisa que você dizer que todos os imóveis em São Paulo, de até 90 metros quadrados, estão isentos de IPTU, porque todos os que têm um apartamento ou uma casa desse tamanho são, necessariamente, pobres. É mentira.
Eles usam esse expediente para poder – com a justa possibilidade de se beneficiar o pequeno agricultor, o mais necessitado – estender esse benefício para o grande produtor rural”, explica Astrini.
A questão pode ir mais longe, já que os proprietários de latifúndios poderão dividir suas terras em pequenas áreas que iriam até o limite da modulagem fiscal. Assim, se houvesse um desmatamento em um dos pequenos lotes, não existira qualquer restrição jurídica ou legal para o ato. Ainda segundo o coordenador, os municípios travariam uma disputa para ver quem ofereceria o maior módulo fiscal, atraindo as grandes empresas agrícolas.
O último tema, mas não menos importante, envolve a permissão de se recuperar com 50% de espécies exóticas as áreas de RL. Isso significa que metade da RL, que deveria ter o bioma natural da região onde se encontra, teria seu espaço composta por uma vegetação não-nativa, causando grande impacto ambiental.
Segundo Astrini, “o Greenpeace entende que o pequeno agricultor, que está em situação de fragilidade social, deve ser assistido pelo Estado. O que a bancada ruralista faz é pegar essa justa necessidade do pequeno e tentar usá-la para beneficiar os grandes latifundiários e os grandes empresários agrícolas, que são os que mais destroem terras no país”.
Estudo
De acordo com um estudo realizado no meio do ano pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), caso essas propostas referentes à RL fossem aprovadas, cerca de 29 milhões de hectares de mata nativa deixariam de ser recuperada, numa perspectiva mais otimista.
“No bioma Amazônico, estão 60% dessa área não recuperada. Em termos relativos, no entanto, a Caatinga e a Mata Atlântica seriam os biomas mais prejudicados. Nessas regiões, o percentual de reserva legal que não seria recuperada, em comparação ao total da área desmatada, seria superior a 50%”, relata o estudo.
O projeto já passou pelas comissões de Agricultura (CRA) e de Ciência e Tecnologia (CCT) do Senado, cujo o relator foi o senador Luiz Henrique (PMDB-SC). Resta apenas a Comissão de Meio Ambiente (CMA), relatada por Jorge Vianna (PT-AC), onde os principais temas serão avaliados, marcada para o dia 26 deste mês. Se passar, irá a plenário.
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FONTE : análise de Leandro Carrasco, da Página do MST, publicada pelo EcoDebate, 11/11/2011
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