Enquanto a dívida financeira dos Estados ocupa as manchetes dos jornais, outra dívida, mais discreta, mas não menos importante, busca um lugar para si entre as grandes questões internacionais: trata-se da dívida ambiental, conceito segundo o qual a industrialização dos países desenvolvidos e os danos ambientais por ela causados os tornariam devedores em relação a países em desenvolvimento. Uma dívida que poderia, portanto, aumentar ainda mais a dependência financeira do Norte em relação ao Sul.
Eloi Laurent, economista no Observatório Francês das Conjunturas Econômicas (OFCE) e professor do instituto Sciences Po, fala sobre as questões desse conceito, a duas semanas da abertura da cúpula de Durban sobre o clima, e às vésperas de um colóquio sobre esse mesmo tema na região de Île-de-France na segunda-feira (14), organizado pelo Sciences Po e pelo Instituto do Desenvolvimento Sustentável e das Relações Internacionais (Iddri).
Le Monde: Como o sr. define a dívida ambiental?
Eloi Laurent: Há inúmeras definições possíveis, então é preciso escolher. Uma definição genérica baseia-se na constatação da distribuição desigual dos custos econômicos e humanos das crises ambientais entre países que não contribuíram igualmente para elas. A ideia central é que esses custos são, no processo de desenvolvimento econômico, deslocados dos países ricos, que não querem assumir sua responsabilidade, para países pobres, que não podem assumir suas consequências.
Todavia, o conceito de dívida ambiental, apresentado nos fóruns internacionais há cerca de trinta anos, sofre por ter sido concebido inicialmente como uma contramedida à dívida financeira dos países latino-americanos. Nos anos 1980, esses países disseram: Tudo bem, nós devemos dólares aos países ricos, mas estes nos devem pelo buraco da camada de ozônio.
Quem é realmente credor de quem? Foi o pecado original do conceito de dívida ambiental, o que a afundou logo de início e a tornou hoje ainda mais frágil, considerando a grande reviravolta do endividamento mundial ao qual estamos assistindo.
O que ela representa exatamente para os países desenvolvidos?
Laurent: No sentido estrito, ela representa o reconhecimento de uma responsabilidade em relação aos países mais pobres. Quando levamos socorro ao Haiti porque esse país dispõe de capacidades institucionais muito frágeis diante das catástrofes que ele precisa enfrentar com frequência, nós quitamos uma espécie de dívida ambiental.
De maneira mais precisa, mas também mais duvidosa, podemos ver essa responsabilidade de uma forma mais retrospectiva, por exemplo, em matéria de mudança climática; falamos então de “responsabilidade histórica”. Mas o conceito, que implica a ideia de compensação, se torna muito delicado de se manejar. A Convenção das Nações Unidas sobre a mudança climática não reconhece essa “responsabilidade histórica” dos países ricos, mas menciona uma “responsabilidade comum, mas diferenciada”.
Para mim, esse é o verdadeiro sentido da dívida ambiental: não o reconhecimento da culpa de um em relação ao outro, mas de um erro coletivo em nossa estratégia de desenvolvimento, de uma corresponsabilidade diferenciada e de uma solidariedade em comum à qual cada país deve se associar de acordo com suas necessidades e capacidades. Vista por esse ângulo, é imensa a responsabilidade dos Estados Unidos, que há dez anos bloqueia as negociações climáticas.
Como definir a dívida ambiental ao longo do tempo, sendo que se trata de um conceito móvel, que deve evoluir?
Laurent: Vemos muito bem em que ponto a China mudou a configuração das coisas, no tempo e no espaço: ela emitiu quatro vezes menos gases de efeito estufa que os Estados Unidos desde a revolução industrial, se tomarmos como referência o início dos anos 2000; mas até 2050, se ela continuar com sua trajetória, ela terá emitido tanto quanto os EUA.
Ao mesmo tempo, uma equipe de Stanford mostrou que os fluxos de dióxido de carbono da China para os Estados Unidos atingem quase 350 milhões de toneladas, devido às importações americanas em energia, bens e serviços, ou seja, quase o mesmo tanto que as emissões associadas à produção na França. Como então se calcula a dívida ambiental dos Estados Unidos em relação à China?
O que não quer dizer que os princípios que fundamentam o conceito de dívida ambiental devam ser abandonados: as questões de Justiça estão no cerne de todos os debates ecológicos e há desigualdades ambientais consideráveis entre as nações e dentro das nações, é preciso medi-las para combatê-las. Mas isso só será feito mantendo-se uma distância de qualquer discurso simplista, pois a Justiça, especialmente entre as nações, é uma arte incrivelmente difícil.
Então que soma representa essa dívida, e como ela é calculada?
Laurent: Em um artigo publicado em 2008 pela revista “PNAS”, que até hoje é o exercício mais completo já feito sobre o conceito de dívida ecológica, Thara Srinivasan e seus coautores se esforçaram para avaliar, no período de 1961-2000, a distribuição dos custos ambientais, distinguindo três tipos de países de acordo com seu nível de desenvolvimento. O cálculo, certamente discutível, mostra que os países pobres arcam com a mesma participação “bruta” dos custos ambientais globais que os países ricos (20%), ao passo que os países de renda intermediária arcam com 60% dos custos.
Mas, uma vez que esses custos são ponderados por seu peso real, levando em conta o nível de desenvolvimento dos países que os assumem (o que pode se chamar de “custo líquido”), a distribuição muda: 45% para os países pobres, 52% para os países intermediários e somente 3% para os países ricos. Além do mais, mais da metade desses custos ambientais para os países pobres provêm da atividade dos países de outra categoria.
Também se pode olhar pela perspectiva inversa, a da distribuição desigual dos benefícios ambientais no mundo. Um estudo de 2009 mostrou que um europeu consome 43 kg de recursos naturais por dia, um americano consome 88 kg e um australiano, 100 kg; contra 34 kg para um sul-americano, 14 kg para um asiático e 10 kg para um africano.
De que maneira podemos aplicar esse conceito? Deve-se dar a ele uma dimensão jurídica internacional?
Laurent: Como bem mostrou o economista Olivier Godard, o conceito de dívida ambiental é muito problemático do ponto de vista jurídico, e portanto muito pouco operacional no contexto das negociações internacionais, ou até contraproducente. É preciso saber se queremos estar certos moralmente, mas errados ecologicamente.
A ideia só foi debatida seriamente em 1997, quando foi redigido o Protocolo de Kyoto após uma proposta do Brasil, e ela foi descartada. Até onde sei, desde então, nenhum país articulou de maneira clara uma proposta juridicamente fundamentada e orçada, e submetida às outras partes. Os exercícios de modelização que foram encomendados pela ONU para avaliar a responsabilidade das nações na mudança climática levam a conclusões empíricas moderadas, pois deixam espaço para as considerações normativas.
Não seria esse conceito negativo demais, podendo alarmar os países que já estão sofrendo com a crise econômica e pouco predispostos a avançar nas negociações climáticas?
Laurent: Há de fato um tremendo choque com o debate sobre as dívidas financeiras. Como ele coloca em jogo as noções de sustentabilidade e de justiça intra e intergeracionais no esforço de pagamento, ele deve nos permitir avançar no reconhecimento de nossa dívida ambiental comum, entendida como aquela que todos nós devemos uns aos outros. Talvez seja desagradável ouvir isso, mas hoje somos todos devedores ambientais, mesmo que nossa capacidade de pagamento varie em proporções consideráveis.
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FONTE : Eloi Laurent é autor de “Social-écologie” (Ed. Flammarion, 2011) e coordenou o “Economie du Développement Soutenable” (acesso livre). Tradução: Lana Lim. Entrevista do Le Monde, no UOL Notícias. EcoDebate, 16/11/2011.
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