Desastre ocorreu em janeiro de 2000 após o rompimento de um duto da Petrobras que ligava a Refinaria Duque de Caxias (Reduc) a um terminal na Ilha D’Água
ABr
Já se passaram mais de 18 anos que as imagens de aves com o corpo coberto por óleo rodaram o mundo e chamaram a atenção para um desastre ambiental de grandes proporções na Baía de Guanabara, no estado do Rio de Janeiro. Na época, quem viu as imagens da devastação das áreas afetadas, dificilmente poderia acreditar numa recuperação. Hoje, porém, surpreende a densidade da vegetação no manguezal na Praia de Mauá, no município de Magé (RJ), local apontado como o mais afetado no episódio. O trabalho intenso de ambientalistas tornou realidade a restauração e um parque vem sendo estruturado para promover o ecoturismo e a educação ambiental.
O desastre ocorreu em janeiro de 2000 após o rompimento de um duto da Petrobras que ligava a Refinaria Duque de Caxias (Reduc) a um terminal na Ilha D’Água. Foram liberados 1,3 milhão de litros de óleo cru, formando uma mancha escura que se estendeu por mais de 50 quilômetros quadrados. “Devido às correntes marítimas e ao vento, o óleo veio em direção à Praia de Mauá e, na maré alta, se espalhou por toda a área do mangue”, lembra Adeimantus da Silva, pescador na época. Hoje, ele é coordenador do trabalho de campo do Projeto Mangue Vivo, desenvolvido pelo Instituto Ondazul.
Adeimantus se tornou um especialista em mangue e é um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento de um processo bem-sucedido de plantio, que tem características peculiares em função contaminação. Guiando a Agência Brasilpor entre a vegetação, ele conta, orgulhoso, que 90 dos 116 hectares do manguezal já foram reflorestados e que é possível encontrar árvores com cerca de 20 metros de altura. No caminho, se nota também uma assustadora população de caranguejos que, segundo Adeimantus, se distribuem entre mais de 10 espécies diferentes. Também usufruem do ambiente cerca de 100 espécies de aves, entre residentes e migrantes, além de mamíferos como o mão-pelada (guaxinim) e o furão.
A exuberância da vegetação, no entanto, ainda não esconde todas as marcas do desastre. É possível notar pequenas poças onde há presença de óleo. “Isso ocorre quando o caranguejo faz um buraco muito profundo e o óleo que ficou depositado embaixo da terra sobe à superfície”, explica Adeimantus.
Primeiros esforços
A comoção gerada após o desastre estimulou os primeiros esforços de recuperação da área, que mobilizaram acadêmicos, ambientalistas, biólogos e voluntários sensibilizados com a situação, incluindo pescadores e catadores de caranguejos. Um consórcio de organizações não governamentais, liderado pelo Instituto Ondazul, fechou um acordo com o governo federal para gerir as ações emergenciais. Num segundo momento, houve apoio de empresas privadas. Na época, técnicos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) chegaram a avaliar que, dada a dimensão do dano, seria impossível restaurar flora e fauna. Mas o Instituto Ondazul insistiu e criou o Projeto Mangue Vivo.
André Esteves, secretário-executivo do Instituto Ondazul e coordenador-geral do projeto voltado para a criação do parque, avalia que o mangue está até melhor do que antes do desastre. “Estamos no fundo da Baía de Guanabara. Aqui já era uma área contaminada por conta da poluição dos resíduos e da falta de cuidados”. Ele considera, porém, que o trabalho precisa ter continuidade e a dificuldade para a obtenção de recursos pode criar problemas para garantir a preservação do ecossistema. O Instituto Ondazul nunca recebeu verbas do poder público municipal e, em 2010, viu os patrocínios privados sumirem quando notícias relacionadas ao desastre já não tinham destaque na imprensa. “As empresas muitas vezes investem em ações ambientais como estratégia de marketing e querem mídia”, disse.
Para atrair novos investimentos, o Instituto Ondazul convenceu a Prefeitura de Magé a transformar o mangue em uma unidade de conservação ambiental. Em 2012, foi publicado o decreto criando o Parque Natural Municipal Barão de Mauá. A iniciativa abriu caminho para que a recuperação do mangue se beneficiasse de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado em 2014 entre o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e a petroleira Chevron. O acordo busca estabelecer ações de compensação ambiental por desastres causados pela empresa.
O Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) ficou responsável por gerir os recursos previstos no TAC e aprovou o projeto do parque, autorizando um repasse de R$ 1,75 milhão. “Assinamos o contrato em junho de 2017 com prazo para execução em dois anos. É prevista a construção de uma sede, de um quilômetro de passarelas suspensas por dentro do mangue e uma torre de observação. Além disso, os recursos contemplam o plano de manejo do parque que está sendo desenvolvido e a conclusão do reflorestamento da área”, disse André. As obras devem começar nos próximos meses e ser concluídas em março de 2019.
A verba aprovada, porém, forçou uma revisão de todo o projeto, que originalmente tinha um orçamento de R$ 4 milhões e incluía dois quilômetros de passarelas, três torres de observação e uma sede mais robusta, com auditório e equipamentos voltados para a realização de cursos e atividades de educação ambiental. Uma área de lazer, com brinquedos e quadras esportivas, também constava na proposta, como um legado ao município. A ideia é que, com a atração de novos recursos, os planos iniciais possam ser retomados futuramente.
O parque também poderá se tornar um centro de produção de mudas de mangue. Foram produzidas sete mil mudas além da demanda e elas serão provavelmente doadas para outras áreas degradadas no país. Os manguezais ocupam atualmente uma área de aproximadamente 10 mil quilômetros quadrados em todo o Brasil. São formações vegetais típica de áreas alagadiças nas zonas litorâneas e desempenham importante função para o equilíbrio ambiental e para a manutenção da vida marinha, uma vez que abriga grande biodiversidade e é um berçário natural para várias espécies que ali se reproduzem e se alimentam.
“Não desativamos o viveiro e queremos continuar produzindo mudas. No entanto, isso não está contemplado no projeto aprovado pelo Funbio. Então precisamos conseguir recursos com algum patrocinador. E é importante, porque em todo o Brasil existem áreas degradadas de mangue e nós desenvolvemos uma técnica, uma expertise baseada em um trabalho totalmente artesanal. É um processo barato e também é bom para a região porque gera emprego. E além de ser doado, pode também ser vendido gerando receita para a manutenção do próprio parque”, disse André.
Vocação para o turismo
O grande desafio do momento é tornar o parque um espaço atraente ao turismo. Como a unidade é municipal, a continuidade da gestão do Instituto Ondazul depende de discussão a ser realizada com a prefeitura. Para André, o município tem nas mãos uma oportunidade de desenvolvimento, mas para isso precisará investir recursos, o que não fez até o momento. “É um ativo importante para ser utilizado em uma cidade com tanta carência. O parque é um case de sucesso. O turista pode vir aqui, assistir uma apresentação, ver imagens de todos os momentos dessa história, fazer o passeio, plantar uma muda. Ele sai em êxtase. E daí ele vai em outras atrações do município”, avalia.
Com 230 mil habitantes, Magé é o 10º município do estado do Rio de Janeiro com mais habitantes com rendimento mensal de até meio salário mínimo. De acordo com dados de 2016 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 38,2% dos moradores estão nessa condição. O município muitas vezes ocupa as páginas dos jornais devido a disputa política e a problemas de segurança pública. Os últimos três prefeitos não terminaram seus mandatos. Enquanto isso, no restante do estado, a população pouco sabe da sua riqueza natural e histórica. Além do mangue, Magé tem praias e cachoeiras. Fica também na cidade a primeira estação de trens do Brasil, inaugurada 1854.
É com base em todos estes elementos que o Instituto Ondazul aposta no parque como um instrumento capaz de ajudar Magé a se transformar em um destino turístico. Com quase nenhuma estrutura, já são recebidos no mangue atualmente entre 1,5 mil e 2 mil pessoas por ano. São organizadas com frequência visitas de escolas. Os passeios são guiados e precisam ser agendados levando em conta a tábua de marés, já que o mangue fica totalmente debaixo da água em parte do dia. Enquanto as passarelas suspensas não ficam prontas, os participantes precisam calçar galochas, já que pisam no solo enlameado durante todo o percurso.
Mas para alavancar de vez o turismo, André é consciente de que será preciso enfrentar um outro problema: a poluição da Baía de Guanabara. Na maré alta, toda a área do mangue é inundada e, quando o mar recua, deixa resíduos sólidos. O passeio pelo interior da vegetação revela um considerável volume de itens dispersos como chinelos, mochilas, papelão, garrafas e outros produtos plásticos. Uma ideia que vem sendo estudada é a colocação de redes que possam reter o lixo antes que ele alcance à vegetação. Em janeiro deste ano, um mutirão da limpeza com participação de voluntários recolheu mais de 3 toneladas de resíduos. Mas devido à poluição da Baía de Guanabara, o lixo volta a se depositar na área.
Por Léo Rodrigues, da Agência Brasil, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 17/08/2018
"Parque Natural Municipal Barão de Mauá revela restauração de mangue devastado na Baía de Guanabara," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 20/08/2018, https://www.ecodebate.com.br/2018/08/20/parque-natural-municipal-barao-de-maua-revela-restauracao-de-mangue-devastado-na-baia-de-guanabara/.
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