“Se os líderes globais adotam uma resolução com lindas palavras, mas sem compromissos concretos, não conseguirão marcar uma diferença na vida das pessoas que fogem das guerras e dos conflitos”, destacou à IPS o diretor do escritório da Anistia Internacional na ONU, Richard Bennett.
Por Phoebe Braithwaite, da IPS –
Nações Unidas, 16/9/2016 – A reunião de alto nível da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre refugiados e migrantes ajudaria a reassentar uma em cada dez pessoas nessa situação. Por outro lado, os Estados membros assumiram apenas compromissos vagos, como uma campanha para acabar com a xenofobia. As organizações e pessoas que trabalham em questões de direitos humanos ficaram decepcionadas com o resultado do documento acordado pelos Estados antes do encontro, que acontecerá no dia 19, na sede da ONU em Nova York, porque não chega a criar um marco integral e vinculante que proteja os refugiados.
“Se os líderes globais adotam uma resolução com lindas palavras, mas sem compromissos concretos, não conseguirão marcar uma diferença na vida das pessoas que fogem das guerras e dos conflitos”, destacou à IPS o diretor do escritório da Anistia Internacional na ONU, Richard Bennett. Muitas das pessoas consultadas pela IPS coincidiram em afirmar que os Estados membros mais ricos perdem uma oportunidade crucial de enfrentar a xenofobia e o racismo, ao permitirem que os refugiados sejam reassentados em seus países.
“Quando se conversa com os refugiados, dizem que os homens com as Kalashnikovs (arma automática russa) os empurram, e os engravatados fogem”, contou à IPS ArvinnGadgil, diretor de Associações e Política do Conselho Norueguês para os Refugiados.“Parecia que os Estados membros estavam desejosos realmente de encontrar um mecanismo para compartilhar a responsabilidade. Talvez de forma ingênua, pensamos que estaria acertado, e naturalmente ficamos decepcionados. Esse era um dos resultados da cúpula que agora parece que não será atingido”, lamentou.
O funcionário norueguês se referiu às negociações como uma “corrida para o abismo”, que levou a uma “sistemática aversão pelo risco” e a uma esmagadora preocupação por seus interesses nacionais. “Há pouquíssimos motivos para sermos otimistas”, reconheceu, criticando as conversações prévias que, segundo disse, estiveram dominadas pelo “menor denominador comum da vergonha”.
“Existe uma crise enorme e esses diplomatas se sentam em Nova York para discutir termos que podem ou não se concretizar, há uma brecha enorme entre seu discurso e a realidade”, destacou Bennet, ao relatar o processo pelo qual os países mudam promessas significativas por vagas afirmações de responsabilidade compartilhada.
O número de pessoas deslocadas se mantém elevado em todo o mundo, como nunca antes na história da ONU. Cerca de 65 milhões de pessoas foram obrigadas a abandonar suas casas, uma em cada 113 é refugiada, solicitante de asilo ou deslocada internamente, 21,3 milhões dessas pessoas são refugiadas e 51% menores de idade.
E, no entanto, até um artigo do documento relativo à detenção de meninos e meninas foi considerado muito controvertido pelos membros das Nações Unidas. A assessora especial da reunião de alto nível, Karen AbuZayd, explicou que a implantação do direito das crianças de nunca serem detidas foi extremamente controverso para alguns Estados, e foi modificado para estabelecer o princípio de que “as crianças raramente sejam detidas”.
Em seus esforços para atender questões mais amplas de mobilidade humana, a reunião de alto nível se concentrará tanto nos refugiados como nos migrantes, apesar de os debates sobre os dois temas serem controversos porque a questão das migrações é um tema menos atendido pelo direito internacional. A situação dos deslocados internos não será tratada no encontro, apesar de haver 45 milhões de pessoas nessa situação dentro das fronteiras nacionais.
Aproximadamente 86% dos refugiados residem em países de rendas baixa e média, como Líbano, Jordânia, Chade, Turquia e Nauru. E, inclusive a Austrália, os mantém em centros de detenção situados em ilhas, inclusive os menores de idade. Ao criticar os países “que erguem fronteiras e muros”, Bennet pontuou que “não há um mecanismo disparador”, não há critérios concretos nem objetivos para decidir como um Estado cumpre a parte que lhe cabe. É como um enfoque especial, baseado na generosidade de um país oferecer, ou não, lugares de reassentamento ou dinheiro.
O documento negociado afirma: “em muitas partes do mundo, somos testemunhas, com grande preocupação, de respostas cada vez mais xenófobas e racistas contra os refugiados e migrantes”, bem como uma maior aceitação dessas atitudes. Mas os próprios Estados as perpetuam quando se negam a aceitar pessoas de diferentes países, incluindo as que fogem da violência e da perseguição.
No dia 12, a Anistia criticou a declaração do Grupo dos 20 países ricos e emergentes, que defende “compartilhar a carga”, se referindo aos refugiados, o que foi considerada uma “cruel hipocrisia”, pois muitos dos países do G-20 impedem os esforços de reassentamento. Além, obviamente, do termo utilizado, que tem conotações negativas para as pessoas que estão nessa situação.
Os países são “reticentes em fixar objetivos para aceitar e ajudar os refugiados porque há um discurso tóxico em matéria de migrações e refugiados que afeta a política nacional”, apontou Bennett. Para ele, outro assunto preocupante do documento final é que “avança por um caminho que classifica o deslocamento de pessoas como um problema de segurança, sem considerar que os refugiados contribuirão para construir sociedades mais diversas e, de fato, mais fortes”.
O partido da chefe de governo da Alemanha, Angela Merkel, da União Democrata Alemã, que sistematicamente atua como uma força moral para reassentar refugiados e se nega a cair nas estratégias eleitorais xenófobas que são propagadas por muitos países europeus, perdeu na segunda semana deste mês uma eleição local frente ao partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha.
Sem querer tirar muitas conclusões de uma única eleição local, Gadgilobservou que “poderia chegar um momento decisivo na política europeia, em que acabaremos com o definitivo crescimento de partidos motivados principalmente por visões xenófobas do mundo e por uma representação artificial dos imigrantes como basicamente e nada mais que maus”.
No dia 2 deste mês, completou um ano da morte do menino de três anos Aylan Kurdi, cuja fotografia de seu corpo em uma praia despertou a simpatia de muitas pessoas em diferentes partes do mundo e contribuiu para individualizar o sofrimento que acontece em grande escala. A escritora e dramaturga nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie declarou, há pouco tempo, que “ninguém é unicamente um refugiado”, destacando a centralidade das migrações humanas na história da humanidade, por ocasião do Dia Mundial da Assistência Humanitária.
Bennett ressaltou que as conversações preliminares à reunião de Nova York não ouviu “nenhum país dar exemplos de histórias reais de refugiados ou migrantes. Para os Estados parece algo abstrato, um exercício acadêmico”.Por sua vez, o diretor executivo da organização Médicos Sem Fronteiras, Jason Cone, deu sua opinião sobre a reunião de alto nível do dia 13 e afirmou que, “definitivamente, são os líderes políticos que precisam dar um passo à frente e tomar as decisões. São problemas que podem ser resolvidos basicamente quando se destina a eles os recursos corretos”.
Agora as esperanças estão postas na Cúpula de Líderes sobre Refugiados, convocada para o dia seguinte pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, para a qual convidou chefes de Estado e de governo para que assumam compromissos nacionais, mais do que coletivos para o reassentamento de refugiados. Envolverde/IPS
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