Por Peter Moon | Agência FAPESP
A seca atual que aflige o Nordeste iniciou em 2012 e se intensificou desde então. Ela já dura cinco anos e é considerada a mais severa em várias décadas. A intensidade e a persistência da atual estiagem podem ser indícios de que os extremos da variabilidade climática já começaram a cobrar a sua fatura no Nordeste brasileiro. E a conta pode aumentar se esses extremos passarem a ser mais frequentes e intensos em cenários de mudanças climáticas nas próximas décadas.
“As projeções de clima geradas pelos modelos climáticos sugerem que, daqui para a frente, as estiagens mais severas e prolongadas tenderão a ser a regra, não mais a exceção, porém a incertezas de ter este cenário futuro ainda existe”, afirma o hidrologista e meteorologista José Antonio Marengo, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) em Cachoeira Paulista, no interior de São Paulo.
Estas são algumas das conclusões do artigo “Drought in Northeast Brazil – past, present, and future”,publicado em Theoretical and Applied Climatology, assinado por Marengo e pelos meteorologistas Roger Rodrigues Torres, da Universidade Federal de Itajubá, e Lincoln Muniz Alves, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
A pesquisa utilizou a ferramenta PULSE-Brazil (Platform for Understanding Long-term Sustainability of Ecosystems), desenvolvida no âmbito do projeto Impact of climate extremes on ecosystem and human health in Brazil (PULSE-Brazil), apoiado pela FAPESP e pelo Natural Environment Research Council (NERC), do Reino Unido (Leia mais sobre a pesquisa em agencia.fapesp.br/19116/).
Os pesquisadores basearam o estudo em projeções climáticas estimadas a partir da aplicação ao Nordeste dos modelos climáticos globais do 5º Relatório de Avaliação (AR5) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), de 2014.
A seca é um fenômeno natural no Nordeste. Há relatos da sua incidência desde o século 16, ou seja, desde o início da colonização do país. O clima hoje é semiárido, mas no futuro poderá não ser mais. Em outras palavras, o sertão pode se tornar uma zona árida e favorecer um processo de desertificação na região, afirma Marengo.
A época das chuvas no Nordeste acontece entre os meses de março e maio. É nesse período que a precipitação fornece a água que irá ser armazenada nos milhares de cisternas espalhadas pela região, água guardada pelos pequenos agricultores para os meses de estiagem.
Atualmente, durante os meses chuvosos não chove todos os dias. Há intervalos sem precipitação que duram de cinco a seis dias. O que as projeções indicam é que, durante o período chuvoso, esses intervalos “secos” tenderão a ser mais numerosos e mais longos. No futuro, os “veranicos” poderão se estender por até 40 dias. Ou seja, a quantidade de precipitação nos meses chuvosos tenderá a ser menor do que a atual.
Isso irá impactar diretamente na quantidade de água que poderá ser armazenada no solo e nas cisternas. Menos dias de chuva se traduzem em menos água nas cisternas e no solo que tende a ressecar, com prejuízo para a vegetação do semi-árido, adaptada a um volume sazonal de chuvas que se torna mais deficiente.
De acordo com as projeções, menos chuva significa também dias mais quentes. Esse é um processo que já vem acontecendo há muito tempo. De acordo com Marengo, as projeções passadas indicam que a temperatura média no Nordeste já aumentou 0,8 grau centígrado entre 1900 e 2000.
Foram feitas projeções para estimar as alterações no índice de chuvas e nas temperaturas médias do Nordeste tanto ao longo do século 20 quanto até o final do século 21. O aquecimento vai aumentar. Na melhor das hipóteses, as projeções apontam para uma elevação nas temperaturas médias de outros 2 graus centígrados até 2040, o que poderia também estar acompanhado de períodos secos mais intensos e longos.
No pior dos cenários, o aumento das temperaturas prosseguirá até pelo menos o fim do século 21. Isso fará com que, em 2100, as temperaturas nordestinas sejam em média até 4,4 graus superiores às atuais. Nestas condições, se medidas governamentais sérias e imediatas não forem tomadas para, por exemplo, conter os desmatamentos, o sertão pode virar um grande deserto, alerta Marengo.
“As decisões da COP-21 de Paris em relação à redução nas emissões de gases de efeito estufa em todo o mundo poderiam ajudar a reduzir o aquecimentos a níveis inferiores a 2 C nas próximas décadas, e isso poderia amenizar os impactos do aquecimento global, pois com aquecimento projeto de 4.4 C ate 2100 na região podem trazer consequências desastrosas para a populacao do Nordeste”, diz Marengo.
Com menos chuvas e mais calor ao longo do ano, a vegetação típica da caatinga tenderá a ser gradualmente substituída pelas cactáceas, que são vegetação típica de desertos. O impacto disso para a agricultura, principalmente a familiar e de subsistência, será incomensurável.
O Nordeste ocupa18% do território nacional. Ali vivem 53 milhões de pessoas. Segundo Marengo, o semiárido nordestino já é a região seca mais densamente povoada do planeta, com 34 habitantes por quilômetro quadrado. As mudanças climáticas cobrarão do Nordeste um preço salgado. Sera inevitável? “Hoje só temos uma certeza”, diz o pesquisador. “A de que no futuro os períodos de seca serão mais longos e mais quentes.”
O artigo Drought in Northeast Brazil – past, present, and future, assinado por Marengo, Roger Rodrigues Torres, Lincoln Muniz Alves e publicado em Theoretical and Applied Climatology pode ser lido emhttp://link.springer.com/article/10.1007/s00704-016-1840-8.
in EcoDebate, 21/09/2016
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