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Enquanto nossa economia depender do crescimento, cada recessão será devastadora. Para mudar, necessitamos do decrescimento: reduzir a escala da economia de modo planificado, sustentável, equitativo. Essa carta-manifesto é o resultado de um processo de colaboração dentro da rede internacional de decrescimento. Foi assinada por mais de 1.100 especialistas e mais de 70 organizações de mais de 60 países.
O manifesto é do coletivo Degrowth New Roots, publicado por CPAL Social, 18-05-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A pandemia do coronavírus já custou inumeráveis vidas e não se sabe como se desenvolverá no futuro. Enquanto que as pessoas na primeira linha da assistência sanitária e a atenção social básica está lutando contra a propagação do vírus, cuidando dos doentes e mantendo as operações essenciais em funcionamento, uma grande parte da economia se paralisou. Essa situação é imobilizadora e dolorosa para muitos: cria medo e ansiedade sobre a sorte daqueles que amamos e das comunidades que fazemos parte, ainda que seja também um momento propício para levar adiante coletivamente novas ideias.
A crise desencadeada pelo coronavírus já pôs em manifesto muitas fraquezas de nossa economia capitalista obcecada pelo crescimento: insegurança para muitos, sistemas de saúde paralisados por anos de austeridade e ia subvalorização de algumas das profissões mais essenciais.
Esse sistema, enraizado na exploração das pessoas e da natureza e que é muito propenso à crise, foi, não obstante, considerado normal. Ainda que a economia mundial produza mais que nunca, não cuida dos seres humanos e do planeta, enquanto que a riqueza é acumulada por poucos e devasta o planeta.
Milhões de crianças morrem a cada ano por causas evitáveis; 820 milhões de pessoas estão subalimentadas; a biodiversidade e os ecossistemas estão em degradação e os gases de efeito estufa seguem aumentando, o que conduz a uma violenta mudança climática antropogênica: aumento do nível do mar, tormentas devastadoras, secas e incêndios, que devoram regiões inteiras.
Durante décadas, as estratégias dominantes contra esses males foram deixar a distribuição econômica em grande medida nas mãos das forças do mercado diminuir a degradação ecológica mediante a dissociação e o crescimento ecológico.
Isso não funcionou. Agora temos a oportunidade de aproveitar as experiências da crise do coronavírus: desde as novas formas de cooperação e solidariedade que estão florescendo, até o reconhecimento generalizado dos serviços básicos da sociedade como a saúde e o trabalho assistencial, o abastecimento de alimentos e a eliminação de dejetos.
A pandemia também incitou medidas governamentais sem precedentes nos tempos de paz modernos, que demonstram o que é possível quando há vontade de atuar: a remodelação inquestionável dos orçamentos, a mobilização e redistribuição do dinheiro, a rápida expansão dos sistemas de seguridade social e do alojamento das pessoas sem lar.
Ao mesmo tempo, temos que ser conscientes do aumento das problemáticas tendências autoritárias como a vigilância de massas e as tecnologias invasivas, o fechamento de fronteiras, as restrições ao direito de reunião, e a exploração da crise pelo capitalismo do desastre. Devemos resistir firmemente a tais dinâmicas, porém não paramos por aí.
Para iniciar uma transição para um tipo de sociedade radicalmente diferente, em vez de tratar desesperadamente de colocar novamente em marcha a destrutiva máquina do crescimento, sugerimos aproveitar as lições do passado e abundância de iniciativas sociais e de solidariedade que brotaram em todo o mundo nos últimos meses. Diferentemente do que ocorreu depois da crise financeira de 2009, deveríamos salvar as pessoas e o planeta em vez de resgatar as empresas e sair desta crise com medidas de suficiência e não de austeridade.
Portanto, nós, os que assinam essa carta, oferecemos cinco princípios para a recuperação de nossa economia e a base para criar uma sociedade justa. Para desenvolver novas raízes para uma economia que funcione para todos, necessitamos:
1. Colocar a vida no centro de nossos sistemas econômicos
Em vez de crescimento econômico e produção desperdiçada, devemos colocar a vida e o bem-estar no centro de nossos esforços. Embora alguns setores da economia, como a produção de combustíveis fósseis, militares e publicidade, devam ser eliminados o mais rápido possível, devemos incentivar outros, como saúde, educação, energia renovável e agricultura orgânica.
2. Reavaliar radicalmente quanto trabalho e de que tipo é necessário para uma boa vida para todos
Precisamos colocar mais ênfase no trabalho de cuidado e valorizar adequadamente as profissões que demonstraram ser essenciais durante a crise. Os trabalhadores das indústrias destrutivas necessitam ter acesso à capacitação para novos tipos de trabalho que sejam regenerativos e mais limpos, assegurando uma transição justa. Em geral, temos que reduzir o tempo de trabalho e introduzir planos para compartilhar o trabalho.
3. Organizar a sociedade em torno ao fornecimento de bens e serviços essenciais
Embora o consumo e as viagens desnecessárias precisem ser reduzidas, as necessidades humanas básicas, como o direito à alimentação, moradia e educação, devem ser garantidas para todos por meio de serviços básicos universais ou planos de renda básica universal. Além disso, uma renda mínima e máxima deve ser definida e introduzida democraticamente.
4. Democratizar a sociedade
Isso significa permitir que todas as pessoas participem nas decisões que afetam as suas vidas. Em particular, significa uma maior participação dos grupos marginalizados da sociedade, assim como a inclusão dos princípios feministas na política e o sistema econômico. O poder das empresas mundiais e do setor financeiro deve se reduzir drasticamente mediante à propriedade e à supervisão democráticas. Os setores relacionados com as necessidades básicas como a energia, a alimentação, a moradia, a saúde e a educação tem que abandonar a comoditização e da financeirização.
5. Basear os sistemas políticos e econômicos no princípio da solidariedade
A redistribuição e a justiça – transnacional, intersetorial e intergeracional – devem ser a base da reconciliação entre as gerações atuais e futuras, entre grupos sociais dentro dos países, bem como entre os países do sul e do norte. O Norte Global, em particular, deve acabar com as formas atuais de exploração e gerar reparações para as anteriores. A justiça climática deve ser o princípio norteador da rápida transformação socioecológica.
Enquanto tivermos um sistema econômico que depende do crescimento, cada recessão será devastadora. Em vez disso, o que o mundo precisa é de declínio – uma redução planejada, mas adaptável, sustentável e equitativa da economia, levando a um futuro em que possamos viver melhor com menos. A crise atual foi brutal para muitos, atingindo os mais vulneráveis com força, mas também nos dá a oportunidade de refletir e repensar.
Isso pode nos fazer perceber o que é realmente importante e mostrou inúmeras possibilidades de aproveitá-las. O crescimento, como movimento e conceito, reflete essas questões há mais de uma década e oferece uma estrutura coerente para repensar a sociedade com base em outros valores, como sustentabilidade, solidariedade, equidade, convivência, democracia direta e gozo da vida.
Una-se a nós nesses debates e compartilhe suas ideias no Congresso sobre Decrescimento Viena 2020 (neste link), no Dia do Decrescimento Mundial, no próximo 06 de junho, para construir juntos uma saída intencional e emancipadora de nossos vícios do crescimento.
Em solidariedade, assinam:
Jason Hickel, George Monbiot, Carola Rackete, Giorgos Kallis, Ashish Kothari, Julia Steinberger e mais de 1.100 pessoas.
Nota da Redação: Sobre o mesmo tema sugerimos que leia, também:
(EcoDebate, 25/05/2020) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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