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sexta-feira, 1 de abril de 2016

Perder o amigo ou a humanidade?

Por Maria Helena Masquetti*

Longe de imaginar o que aconteceria, uma mãe postou a foto de seu filho pequeno no blog que criou especialmente para compartilhar com outras famílias as questões que envolvem a síndrome de Pfeiffer. A síndrome da criança se caracteriza pela fusão prematura de ossos do crânio que impede seu crescimento normal, afetando-lhe a forma da cabeça e da face. Para a mãe, era apenas a emoção de poder mostrar seu filho numa condição igual a de qualquer outra criança se lambuzando de comer chocolate. Para o autor da montagem que se espalhou pelas redes sociais, um prato cheio para sua deformada intenção de comparar a criança a um cão da raça pug.
“Perco o amigo, mas não perco a piada!”. Provavelmente foi um bordão desse tipo que motivou a desgraçada gracinha. Afora as discussões sobre os riscos da exposição pessoal na internet, a parte talvez mais triste da história é o quanto isso parece estar longe de ser repudiado uníssona e coletivamente. Volta e meia alguém ainda reclama: “Quer dizer que não se pode mais fazer uma piadinha?” É claro que não pode! Escárnio, sadismo, humilhação, constrangimento, não há como relacionar esses danos com diversão.
“Poxa, na minha infância a gente zoava com todo mundo e ninguém nunca morreu por isso” é uma fala presente também em bocas mais velhas, muitas vezes estufada de convicção. Não é preciso alguém morrer para demonstrar que algo lhe doeu muito. E, num certo sentido, permanecer vivo é carregar a dor por muito mais tempo. Supor que ofensas tão graves à dignidade humana resultam apenas de falhas na educação de berço é esquecer que, hoje, os pais e a escola já não são mais os únicos formadores da personalidade dos filhos.
Sob tantos olhares passivos, comerciais de carrinhos elegem como vencedor o garoto que bater mais forte e destruir os carrinhos do outro (fora a literalmente chocante aula de trânsito); comerciais de cerveja, liberados também na programação diurna, utilizam a mulher como objeto sexual, comparando-a à própria cerveja; shows de horror infestam as mídias pelo fato de a violência dispensar tradução e dublagem, barateando em todos os sentidos as produções. Enquanto isso, assassinos profissionais encarnados por atores famosos, garantem a bilheteria de filmes sangrentos, soprando o cano da arma e saindo ilesos no fim.
Supor que atos abomináveis são típicos de marginalizados chega a ser mero preconceito. Basta tomar por base os trotes violentos nas faculdades onde futuros médicos (justo quem) submetem calouros a suplícios, torturas, humilhações e obscenidades inenarráveis a ponto de culminar em tragédia uma farra zero em criatividade e nota dez em violência e estupidez.
Para melhorar nossa qualidade humana, precisamos reagir à pequenez do bullying. Quem quiser demonstrar sua capacidade de ser engraçado, deve poder fazer rir qualquer pessoa, independentemente da situação, de sua aparência física ou condição social, sexual, intelectual, religiosa ou cultural. E sem ela ter que fingir que não foi afetada, como acontece com muitas, pelo temor de serem excluídas (ainda mais) de seus grupos. Como disse Freud, o conhecido pai da psicanálise, que não era bom em piadinhas, mas genial em renunciar à mediocridade em favor da evolução: “A inteligência é o único meio que possuímos para dominar nossos instintos”, lembrando que instinto qualquer animal também tem. (#Envolverde)
Maria Helena Masquetti é graduada em Psicologia e Comunicação Social, possui especialização em Psicoterapia Breve e realiza atendimento clínico em consultório desde 1993. Exerceu a função de redatora publicitária durante 12 anos e hoje é psicóloga do Instituto Alana.

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