A propaganda é o principal modelo de financiamento à informação, mas o limite entre entretenimento e jornalismo deve ser muito bem delimitado
O cenário da comunicação de massa mudou radicalmente nos últimos 20 anos. De grandes veículos e corporações de mídia passamos a milhões de atores e produtores de conteúdos dos mais diversos. A publicidade, o principal combustível do mundo da comunicação está se adaptando muito mais rapidamente a essa transformações do que outros setores da mídia, principalmente o jornalismo. No entanto, mesmo monstros sagrados da comunicação, como a televisão, viu seu reinado ser abalado por canais a cabo, internet e sistemas de TV ondemand, como o Netflix, por exemplo. Este admirável mundo novo, que abriu verdadeiras caixas de pandora informativas, que criou bases de dados globais acessíveis a um click, também criou desafios civilizatórios. Edgar Morin, sociólogo e filósofo, explica que informações são apenas dados, conhecimento é como organizamos esses dados de forma a criar um novo saber.
O volume de informações disponíveis para a sociedade nunca foi tão grande. Hoje uma pessoa conectada à internet, com rádio no carro e TV em casa está sujeita a um bombardeio de informações em apenas um dia, que um cidadão do século 19 certamente demoraria anos a acumular. No entanto, a velocidade dessa oferta de informações é tamanha que, na maior parte das vezes, as pessoas são incapazes de processá-las de uma maneira organizada, de forma a transformar parte significativa dela em conhecimento.
Para tornar o quadro ainda mais caótico,as fronteiras entre o jornalismo e o entretenimento foram derrubadas e hoje não há uma divisão clara em torno do que seja jornalismo, informação apurada e contextualizada por profissionais, e o puro e simples lazer midiático, ou pior, a busca deselegante pela audiência a partir de temas e fatos bizarros. Uma antiga lógica utilizada pelas agências de publicidade e anunciantes é a busca por grandes públicos a custo mais baixo. Com isso as verbas publicitárias tendem a migrar para o financiamento de programas que exploram o que a humanidade tem de mais deformado.
Quando uma empresa, organização ou governo planeja seu “Plano de Marketing” a primeira coisa que o planejador tem em mente é atingir objetivos de público. Ou seja, a ação de marketing ou publicidade se reduz apenas a uma operação de compra de “compra de públicos”. Com isso a definição “custo por mil”, que norteia a formação de preço na publicidade, torna-se uma operação mercantil e descolada de qualquer outro objetivo altruísta, como, por exemplo, o financiamento de conteúdos de qualidade para a sociedade.
Se a equação fosse apenas a analise da publicidade como elemento de divulgação de marcas, produtos e serviços, a conta estaria fechada. No entanto há mais por trás das contas publicitárias do que apenas estimular consumo. A publicidade é, também, o principal elemento de financiamento à informação para a sociedade brasileira, e deveria ser garantidora de um direito previsto no Capítulo 5º da Constituição de 1988.
Aliás, o artigo 5.º da Constituição é formado por uma solitária linha e não tem nenhum parágrafo ou adendo. “Art. 5o É dever do Estado garantir o direito de acesso à informação, que será franqueada, mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão”. Ocorre que o interesse de anunciantes não necessariamente se coaduna com o interesse da informação jornalística, principalmente quando ela está caracterizada como uma informação de impacto sobre o status quo econômico.
Esse balaio onde todas as verbas publicitárias são jogadas e distribuídas de acordo com interesses diversos aos do desenvolvimento humano não cumpre seu papel de “financiador da informação”, mas sim de estimulador do entretenimento e de bizarrices. A questão é como viabilizar o financiamento à informação e, ao mesmo tempo, garantir a liberdade de escolha dos anunciantes?
De uma forma bastante simplificada, uma possível solução estaria em separar desse balaio o que é jornalismo do que seja entretenimento e criar uma auto-regulamentação, com a participação dos diversos atores envolvidos, onde uma parte das verbas publicitárias deveria obrigatoriamente ser destinada ao financiamento do jornalismo, enquanto a outra parte da verba poderia ser aplicada livremente em meios de entretenimento.
Um exemplo prático:, uma marca ou empresa vai destinar 100 dinheiros à publicidade, um percentual desse recurso deverá ser obrigatoriamente destinado a meios jornalísticos. Pode ser a qualquer meio jornalístico a critério da própria empresa. Esse formato para eleger meios jornalísticos que receberão a publicidade da empresa também servirá para que seus executivos reflitam sobre que tipo de informação estarão financiando para a sociedade.
É preciso separar jornalismo de entretenimento. Caso contrário em pouco tempo não haverá mais jornalismo e a sociedade ficará refém de informações desencontradas e sem garantias de veracidade e origem. (#Envolverde)
* Dal Marcondes é jornalista, diretor da Envolverde e especialista em meio ambiente e desenvolvimento sustentável.
(Envolverde)
Nenhum comentário:
Postar um comentário