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quarta-feira, 1 de julho de 2009
Ecovila: a vida com emissão zero (ou quase)
Que o planeta passa por um momento decisivo em sua história, isso todo mundo sabe. O que poucos têm conhecimento - pelo menos aqueles que vivem nos grandes centros - é de que existem possibilidades de viver com menor impacto ambiental. Uma delas é vislumbrada pela permacultura, termo que significa cultura permanente, ou, em outras palavras, sustentável. Para conhecer uma comunidade baseada nesse preceito, decidimos deixar o conforto insustentável da cidade grande para conhecer como é a vida com emissão zero (ou quase) de CO2.
São três horas da tarde de segunda-feira (8/6). Estamos chegando ao IPEMA (Instituto de Permacultura e Ecovilas da Mata Atlântica), um centro focado em educação de permacultura que fica cravado na Mata Atlântica de Ubatuba, no litoral Norte de São Paulo. Apenas uma pequena estrada onde mal cabem dois carros e com asfalto aparentemente novo ligam a rodovia Rio-Santos à estrada de terra que dá acesso ao nosso destino final.
Percebemos que estamos literalmente no meio da floresta, com árvores nativas abraçando toda a redondeza. Um pequeno rio de águas cristalinas passa à nossa esquerda. Logo adiante, pouco depois da placa que indica o início das terras da ecovila, uma casa de pau-a-pique - técnica de construção em que as paredes são erguidas com madeira, cipó e barro - revela a rusticidade de tudo o que veríamos dali para frente. Depois de mais ou menos quatro horas de estrada, é nítido que o corre-corre de São Paulo ficou para trás.
Procuramos alguém para nos receber. A nossa frente, uma casa de dois andares, feita de madeira. Cercado pelo paisagismo natural da área, no térreo, a casa tem uma cozinha e o refeitório, onde eles (os permacultores) se encontram para diversas atividades. É um espaço comum, onde há música, comida e conversa - digna que uma boa cozinha. No andar de cima, o dormitório ou alojamento, como é “oficialmente” chamado o espaço. Há camas e boas cômodas vazadas. Vamos passar a noite ali.
Marcelo Duarte, um engenheiro agrônomo que faz estágio no IPEMA, é quem nos recebe. Marcelo Bueno, o bioarquiteto fundador da ecovila, está em reunião com os funcionários do programa educacional em permacultura. Enquanto isso, Duarte mostra a horta nos fundos da cozinha, onde também está o centro de triagem de material reciclável. Ele fala sobre as bioconstruções erguidas pelos estagiários na propriedade, a captação e reciclagem de água, a produção de energia etc. Mas, talvez o mais importante, o agrônomo nos conta sobre o drama pessoal que muitos enfrentam ao mudar de vida.
Com e a favor da natureza
Duarte, assim como os outros permacultores, trabalha com um princípio básico que é estar “com” e “a favor da” natureza, e não “contra” ela. Na fala, o engenheiro agrônomo mostra naturalidade. Para ele é importante explicar que os sistemas desenvolvidos são feitos para durar tanto quanto seja possível, com o mínimo de intervenção.
O agrônomo, que, em suas próprias palavras, é bicho-do-mato, fez um caminho tranqüilo até o IPEMA. Mas essa não é a regra. Muitos dos que chegam à ecovila para realizar o curso estão acostumados com certo nível de conforto e de consumo, que está longe da realidade vivida no instituto. Os conflitos pessoais e em grupo começam a aparecer.
Guilherme Miranda, designer gráfico e também estagiário, começou a questionar sua intervenção no mundo. Decidido a mudar de vida, ele abriu mão da estabilidade do trabalho e do conforto da vida que levava no Rio de Janeiro. Ele acredita que é hora de quebrar os paradigmas da vida pós-moderna ligados ao consumo. Com voz pausada e tranqüila, Miranda, hoje, questiona a forma como a sociedade vive e se relaciona. Para ele, uma questão chave é que a população não tem noção do que entra e sai de suas casas. “Hoje, quando vou ao supermercado, não vejo comida nas prateleiras, apenas propaganda, plástico, metal e muita energia desperdiçada”, conta ele. Assim que acabar seu estágio, não pretende voltar para o Rio. Seu objetivo é se integrar a alguma ecovila do país ajudando a divulgar o conceito da permacultura para outras pessoas e comunidades.
Uma decisão difícil
Mas não é todo mundo que segue o mesmo pensamento de Monteverde. Marcelo Bueno, o bio-arquiteto fundador da ecovila, conta que há ainda muito romantismo com relação à permacultura. A adaptação é difícil. Conflitos são inevitáveis.
Segundo Bueno, as “brigas” fazem parte do processo de aprendizado. No começo, quando tudo é novidade, todos ficam bem. Os problemas vão surgindo quando se vive junto por um tempo mais longo. Mas a própria convivência faz com que as diferenças sejam equalizadas e o relacionamento torna-se mais consistente quando cada um passa a entender melhor as necessidades do grupo. O indivíduo volta ao coletivo e o coletivo, ao ecossistema. Inicia-se um ciclo produtivo harmonioso, onde o “eu” está em sintonia com o “nosso”.
Aparentemente, chegamos ao IPEMA com o pessoal já nesse último estágio. Tanto que o grupo prepara agora uma festa de aniversário para um dos funcionários do local. A reunião não vai ser no local de trabalho, mas sim na casa de duas ex-estagiárias, que agora desenvolvem projetos com a equipe da ecovila.
Festa, agrofloresta e uma tal de Jussara
Por volta das seis da tarde, uma das estagiárias nos guia até a festa. O dia está escurecendo, mas ainda há luz o suficiente para ver o caminho das pedras e cruzar o riozinho em segurança. Esse é um atalho, que encurta a jornada em aproximadamente 10 minutos.
Somos uns dos primeiros a chegar. Mas logo outra turma mostra a cara. Trazem cerveja, servem cachaça orgânica e decidem preparar um bolo de fubá e jussara. Era a primeira vez que ouvíamos falar da tal fruta que, como descobrimos mais tarde, é a atração principal do IPEMA. A jussara tem aparência e sabor semelhantes ao açaí. Assim como o primo, vem de uma palmeira que, até então, era usada apenas para se extrair o palmito.
A atividade quase dizimou as palmeiras da região. O que antes era farto, agora é raro. Quando a comunidade local descobriu que era possível viver da cultura do fruto da árvore, a situação começou a mudar. A palmeira derrubada, que é o fim de toda a extração do palmito, deixou de ser interessante. A polpa da fruta rende muito mais em termos monetários e a árvore intacta oferece o produto todos os anos sem cobrar nada por isso.
Para ter uma idéia, uma palmeira adulta, de aproximadamente sete anos de idade, com até 20 metros de altura, rende um palmito de 80 centímetros, grande o suficiente para dois vidros do produto. Vale algo em torno de R$ 1,25 real no mercado negro. A mesma árvore rende 15 vezes mais com a extração da jussara. Essas coisas, enfatiza Marcelo Duarte, não se aprendem nas universidades.
Algumas horas depois, o bolo finalmente fica pronto. O aroma é convidativo. “Parabéns a Você” e o aniversariante começa a servir os convidados.
Desculpem-nos o lugar-comum, mas que delícia de bolo!
Recursos renováveis
A escuridão toma conta da floresta. Não é para menos, já são 10 e meia da noite, e desde as seis e trinta não se vê muito sem a ajuda de lâmpadas e lanternas. Tomamos o rumo do alojamento. Achamos melhor não arriscar pelo rio e pegamos o caminho mais longo, porém mais seguro há essas horas.
De longe, dá para ver uma luz acesa. Vem da casa onde fica o refeitório e o alojamento. Estranhamos. Não seria aquilo um desperdício de energia, péssimo exemplo de uma comunidade que prega a sustentabilidade?
Abordamos o assunto com Guilherme Vieira. Ele explica que o IPEMA conta com dois sistemas de geração elétrica. O mais antigo vem de painéis solares, que não é muito eficiente na região. Chuvas constantes e até mesmo a sombra das árvores impedem que as placas fotovoltáicas trabalhem em sua capacidade máxima.
Mas existe outro recurso abundante na região, esse sim capaz de gerar três vezes mais eletricidade do que se gasta no local: a água. Por meio de uma mini-hidrelétrica, o IPEMA só fica sabendo de colapsos no sistema de distribuição de energia quando alguém leva a notícia ao centro. Com ela, é possível manter aquela luz acesa a noite toda - como um ponto de referência para os estagiários que circulam pelo lugar durante a noite - e abastecer todo o escritório, que conta com computadores, telefone, conexão à internet e data-show.
Hora de dormir. Há uma pia ao ar livre, bem em frente ao refeitório, onde todos escovam os dentes. A água que sai da torneira, a mesma que abastece todo o instituto, vem de uma nascente, no alto da montanha. É limpa e cristalina. No IPEMA, a água não é desperdiçada. Quando escorre cano abaixo, seja o da pia, cozinha ou chuveiro, ela segue para uma usina de tratamento, feita com plantas e bactérias (sistema anaeróbico). Depois de tratada, é reutilizada. Com 98% de pureza, seu fim agora é regar as plantas do viveiro, horta e pomar.
Um novo dia
Às sete e meia da manhã de terça-feira, já estamos de pé. A noite de sono foi boa. Ouvimos vozes lá em baixo, no refeitório. É a cozinheira que começa a preparar o café da manhã.
O resto da turma chega apenas às oito e meia da manhã. A festa na noite anterior havia ido até de madrugada. Decidiram começar às atividades um pouco mais tarde. Em um dia típico, começariam às oito em ponto.
Banheiros secos
Marcelo Bueno acaba de chegar. São nove da manhã e todos preparam-se para trabalhar em uma outra casinha de pau-a-pique, que receberá um grupo de pessoas no feriadão para estudar bioconstruções. A construção e melhoria das moradias são tocadas em esquema de mutirão.
As paredes de barro e materiais reciclados, como janelas, telhados e vigas de sustentação, dão o tom à obra. Na sala, Bueno vai quebrando tijolos feitos de barro para cobrir o chão.
Enquanto trabalham, a natureza faz um chamado a um de nós: o Henrique.
“Vou ao banheiro. Aquele que tem descarga tradicional não está funcionando adequadamente. Decido arriscar no tal do banheiro seco. Espio com certa desconfiança o interior da salinha. Tudo parece bem, sem mau cheiro nem fumaça. Entro, sento e pronto. As fezes caem em uma caixa com serragem e minhocas. Ali, ficam armazenadas por um ano. No fim do processo, serão fertilizantes tão ricos quanto os das galinhas, um dos melhores que existe, de acordo com Bueno.”
Despedida
É quase hora do almoço. A cozinheira prepara receitas vegetarianas, como arroz integral e legumes. Apesar do IPEMA contar com alguma produção de alimento, ainda é preciso comprar comida fora dali. Mas Bueno conta que dá preferência a pequenos produtores e vendas da região. Para ele, essa rede de relacionamento é fundamental para a sustentabilidade. “Procuramos nos abastecer com produtos que conhecemos a origem.
Além de mais saudáveis por serem orgânicos, também evitam a emissão de carbono, que seria produzido com o transporte de um ponto a outro”, explica.
Deixamos o IPEMA com a impressão de que não é tão difícil adotar práticas sustentáveis no dia-a-dia.
Claro que não é de esperar que toda a população de uma cidade mude-se para o campo e passe a praticar a permacultura. Mas algumas ações são possíveis mesmo nos grandes centros: como a criação de hortas comunitárias, implementação de sistemas solares de aquecimento de água e a já conhecida reciclagem.
Complicado mesmo é a mudança de hábitos de consumo.
Permacultura em essência
Entende-se que tanto o habitante quanto a sua moradia e também o meio ambiente em que estão inseridos fazem parte de um mesmo e único organismo vivo. Assim, a permacultura trata os homens e outros animais, as plantas, construções, infraestruturas (água, energia, comunicações) não apenas como elementos isolados, mas como sendo todos parte de um grande sistema intrinsecamente relacionado.
Para que a permacultura ocorra de fato, é necessário a observação e a combinação de vários aspectos: os ecossistemas, a sabedoria ancestral e também o conhecimento científico, aproveitando as qualidades inerentes das plantas e animais, combinando suas características naturais com os elementos que compõem a paisagem, e mais a infra-estrutura existente, para que se possa produzir assim um sistema que suporte o desenvolvimento da vida, tanto na cidade quanto no campo, utilizando o mínimo de recursos possíveis.
A Permacultura aproveita todos os recursos disponíveis, e faz uso da maior quantidade de funções possíveis de se aproveitar de cada elemento presente na composição natural do espaço. Mesmo os excedentes e dejetos produzidos por plantas, animais e atividades humanas são utilizados para beneficiar outras partes do sistema.
As plantações são organizadas de modo que se aproveite da melhor maneira possível toda a água e a luz disponíveis. Elas são arranjadas num padrão circular em forma de mandalas, com acesso facilitado por todos os lados. Os pomares são cobertos de leguminosas imitando o ambiente das florestas. Os galinheiros são rotativos, para que as galinhas sejam deslocadas para outro ponto após terem estercado a terra, que será usada para outro fim, enquanto que as galinhas preparam e adubam uma nova área. Enfim, essa técnica trata a vida como algo em permanente cultura, ou seja, em desenvolvimento sustentável.
Para saber mais :
Instituto de Permacultura e Ecovilas da Mata Atlântica - http://www.ipemabrasil.org.br/
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FONTE : Crédito de imagem: Letícia Freire. Para ver mais fotos, acesse:http://envolverde.ig.com.br/anexos/60161.doc (Envolverde/Mercado Ético)
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