Segundo os pesquisadores que participaram do resgate, os botos estavam encalhados por falta de água nos afluentes do rio Araguaia. “No primeiro resgate pode ter sido por conta da escassez de chuvas ou pelo bombeamento de água clandestino. Já no segundo, foi pelo bombeamento regulamentado das fazendas de agroindústria da região do Tocantins”, disse a pesquisadora do Inpa Vera da Silva
Por Fernanda Farias – Ascom Inpa
Foto: LMA – Inpa
A convite da Agencia estadual de meio ambiente do estado do Tocantins (Naturatins), neste fim de semana foram realizados pela equipe do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTIC) e da Associação Amigos do Peixe-boi (Ampa), com o apoio do IBAMA do Pará, e do Batalhão de Polícia Militar Ambiental do Tocantins (BPMA), dois resgates de botos da espécie Inia araguaiaensis. O primeiro resgate capturou três animais no Pará e o segundo outros nove botos no rio Formoso, no estado do Tocantins, de onde foram levados para o rio Javaés, também na Bacia do rio Araguaia.
De acordo com a coordenadora do Projeto Boto, a pesquisadora do Inpa Vera da Silva, o primeiro resgate aconteceu próximo ao município de Floresta do Araguaia, no Pará, na quarta-feira (24). “Nunca houve uma seca tão severa assim, os moradores nos falaram. Várias são as possibilidades para acontecer esse episódio no rio Maria, uma delas é a seca mais rigorosa por conta das chuvas mais escassas, ocasionada pelas mudanças climáticas, mas também pode ser que exista um sistema clandestino de bombeamento de agua no rio, o que não pudemos comprovar”, comentou.
Segundo a equipe, um dos animais era uma fêmea adulta com marcas de tiros e estava muito debilitada. “Encontramos vários orifícios de balas de chumbo de espingarda de caça, que são muito usadas por pescadores para afastar os botos das redes e do cardume e também por pessoas que praticam a “pesca esportiva” para afastar os botos do anzol”, explicou a pesquisadora, acrescentando que todos os exemplares de boto, que foram coletados pelo Inpa anos atrás no rio Araguaia, tinham marcas de bala de chumbo.
Para retirar os botos do local onde se encontravam, foi necessário carregar os animais por cerca de 150 metros ao longo do leito seco do rio, e depois em um caminhão, os animais foram levados pela estrada de barro durante 1h30. Segundo da Silva nunca houve um resgaste desta magnitude, por longa distância, com os animais debilitados e muito tempo fora da água.
Segundo resgate – Tocantins
O segundo resgate foi no Estado do Tocantins, no município de Lagoa da Confusão, cerca de 300 km do primeiro resgaste. “Saímos do Pará e após 6h de carro chegamos em Lagoa da Confusão. Depois viajamos mais 1h de estrada de barro até o rio Formoso, afluente do rio Araguaia. Os botos estavam neste trecho do rio onde existem três bombas de captação de água para irrigação das fazendas de agricultura de larga escala de soja, milho e arroz. Cada bomba, segundo técnicos da Naturatins, bombeiam cerca de 1800m3 de água do rio por hora, por isso, com a redução rápida do nível das aguas os animais ficam “empossados””, relatou da Silva.
O resgate foi realizado três dias após o desligamento emergencial das bombas de irrigação utilizados pelas fazendas locais. A proibição da captação de água nos rios da região nesse período foi determinado pela Naturatins.
Os órgãos ambientais dos dois Estados do Brasil solicitaram a ajuda da pesquisadora Vera da Silva por ser referência nacional ao que diz respeito às pesquisas com botos, tendo mais 30 anos de experiência na área.
Bombeamento prejudica meio ambiente
Segundo a pesquisadora Vera da Silva, que é doutora em reprodução e ecologia de mamíferos pela Universidade de Cambridge na Inglaterra, esse tipo de ação prejudica todo um sistema ecológico. Fauna e flora da região são penalizados com o bombeamento desenfreado. “Visto que o rio Araguaia é habitat natural de botos, peixes, tartarugas, jacarés, que também ficam encalhados e acabam morrendo, é preciso que os órgãos competentes fiscalizem de modo severo com hidrômetros” e controlem com mais rigor o período de pouca agua na região, comentou.
Ainda conforme da Silva, são várias fazendas que utilizam esse sistema de irrigação no mesmo local. “As fazendas podem, independente uma da outra, ligar ao mesmo tempo todas as bombas, depende apenas da demanda de água. Um dos fiscais da Naturatins nos disse que essas bombas podem irrigar até 2 mil metros cúbicos de água por hora, isso apenas uma bomba, daí a importância da fiscalização na área”.
Nova espécie
Essa espécie, que foi descrita em 2014 por pesquisadores do Inpa da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), é exclusiva da Bacia do Tocantins-Araguaia, e que já está isolada pela hidrelétrica de Tucuruí, conforme coordenadora do projeto Boto. “Essas espécies já não tem conexão com o estuário do amazonas. Os animais estão sofrendo ameaças da mudança do próprio ambiente, causada não apenas pelas mudanças do clima, mas principalmente pelas ações do homem”, finalizou a pesquisadora.
Financiamento para o resgate
O resgate foi financiado pelo o Aquário de São Paulo e pela Associação Amigos do Peixe-boi (Ampa), que atuam em parceria com o LMA. Além da pesquisadora Vera da Silva, sete profissionais associados ao do Laboratório de Mamíferos Aquáticos (LMA/Inpa) participaram do resgate, uma bióloga Nívia Do Carmo, dois veterinários: Rodrigo Amaral e Estéfani Fugita, e três pescadores do Projeto Boto: Ney Lopes, Sidinei e Moisaniel.
Fonte: INPA – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
in EcoDebate, 08/09/2016
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