Confira a reportagem completa da Zero Hora aqui.
Reprodução do Jornal Sul 21
Jaqueline Silveira
Jaqueline Silveira
As obras de revitalização de Cais do Porto reacenderam o debate quanto à preservação ambiental de Porto Alegre. Recentemente foi entregue à prefeitura o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) do empreendimento. Com 2,5 mil páginas, o documento aponta o corte de 330 árvores no trecho entre o Cais e a Usina do Gasômetro. Em compensação está previsto o plantio de 769 mudas, porém não há informações sobre o local onde será feita a reposição. O número de mudas a serem plantadas leva em conta a altura e o tipo de árvore removida. O estudo, realizado pela empresa ABG Engenharia e Meio Ambiente, analisou ainda a vegetação da área que receberá a obra e constatou que 90% dela se encontra na área em que deve ser erguido o empreendimento – 75% dela constituída de espécies exóticas.
Assim que tomou conhecimento de algumas das conclusões do EIA-Rima, a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) divulgou nota criticando os projetos de revitalização do Cais Mauá e da Orla do Guaíba que, segundo a entidade, não privilegiam a cidade e também trazem prejuízos ao meio ambiente. Além disso, a nota alerta que Porto Alegre está menos verde. Em 2014, conforme a Agapan, foram cortadas 2.951 árvores e foram plantadas 2.275, porém nem todas as mudas sobreviveram. Com base em dados fornecidos pela própria Secretaria de Meio Ambiente (Smam), a associação informa que, nós últimos 10 anos, foram derrubadas mais de 34 mil árvores na Capital. “Porto Alegre tem cada vez menos árvores nos bairros e mais carros circulando, congestionando e poluindo o ar”, diz um trecho do texto.
Atualmente, de acordo com estimativa da Smam, Porto Alegre tem 1,2 milhão de árvores. Novo presidente da Agapan, o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo argumenta que o corte de árvores preocupa a entidade, uma vez que a derrubada ocorre em locais concentrados e a reposição é feita em locais dispersos. Embora a associação não atribua o mesmo peso às espécies nativas e exóticas, ele sustenta que não “é um bom negócio” substituir uma “árvore adulta” por muda, já que não há garantia de vida da planta reposta. “A retirada de 330 árvores nos assusta. O índice de depredação é grande e a consolidação é baixa”, observa o presidente da Agapan.
Nova lei regra a compensação
Secretário do Meio Ambiente da Capital, Mauro Moura afirma que a prefeitura fiscaliza a reposição e que cada “árvore cortada é compensada”. No momento da entrega da obra, segundo ele, a Smam verifica se todas as medidas de compensação previstas foram cumpridas, já que a secretaria precisa emitir “um termo de recebimento” no encerramento do processo da licença. Ele acrescenta que os licenciamentos também são fiscalizados pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE).
Além disso, Moura ressalta que, desde janeiro deste ano, está em vigor uma nova lei que aperfeiçoa as regras sobre a compensação e que a Sman está trabalhando para colocá-las em prática, uma vez que é uma legislação nova. Antes, a lei que regulamentava a compensação era de 1983. “As normas são de forma bem intencionada, mas as práticas nem sempre são bem intencionadas”, avalia o presidente da Agapan, citando o corte das mais de 300 árvores para revitalização do Cais. “É trocar o útil e necessário por uma promessa”, exemplificou Leonardo Melgarejo, sobre a futura reposição de 769 mudas.
O secretário do Meio Ambiente frisa, entretanto, que a quantidade de árvores a ser derrubada para a revitalização do Cais do Porto não é definitiva, pois o assunto ainda será discutido com a comunidade em audiência pública neste segundo semestre. “É uma proposta que não passou pelo crivo da Smam”, acrescenta Moura. O parecer da Secretaria do Meio Ambiente, segundo ele, só poderá ser emitido depois do debate com a população. Já sobre a obra de revitalização da Orla do Guaíba, o secretário afirma que está sendo feita “uma reavaliação” do projeto de arborização.
Quanto ao conflito sobre o corte e reposição de árvores, Moura frisa que é natural a polêmica quando se trata desse assunto. “Às vezes, um morador não quer, por exemplo, uma árvore em frente a sua casa por questão que pode servir para o ladrão se esconder”, exemplifica o secretário, sobre os conflitos envolvendo o tema.
Corte e reposição de árvores para obra do Cais
Total de árvores a serem cortadas – 330
Total de árvores preservadas ou realocadas – 19
Total de árvores compensadas – 760
Usina do Gasômetro
Árvores derrubadas – 227
Árvores preservadas – 3
Compensação – 515
Praça Brigadeiro Sampaio
Árvores derrubadas – 15
Árvore transplantada – 1
Compensação – 46 mudas
Setor das Docas
Árvores Derrubadas – 57
Árvores realocadas – 14
Compensação – 145
Passagem Ramiro Barcelos
Árvores derrubadas – 23
Compensação – 47 mudas
Setor dos Armazéns
Árvores derrubadas – 8
Árvore transplantada – 1
Compensação – 16
Reposição da Avenida Beira-Rio está em andamento
Em 2013, a derrubada de árvores para a duplicação da Avenida Beira-Rio (Edvaldo Pereira), obra da Copa do Mundo, gerou protestos, batalha judicial, marchas e até o movimento “Ocupa Árvores”, que por 43 dias permaneceu acampado nos arredores na tentativa de impedir o corte. Porém, numa ação surpresa para evitar protestos, na madrugada do dia 29 de maio, a prefeitura, com o auxílio do aparato da Brigada Militar, retirou as árvores.
Ao total, conforme a assessoria de imprensa da Secretaria do Meio Ambiente, foram removidas 215 árvores correspondendo a uma área de 4,8 mil metros² de vegetação. Em contrapartida, deveriam ser plantadas 1.379 mudas, além da compensação em dinheiro destinado ao fundo que financia ações e equipamentos para área ambiental.
O secretário Mauro Moura afirma que o plantio das mudas está sendo feito e que parte da reposição vegetal ocorreu nos arredores da Avenida Beira-Rio. O restante seria realizado em outros lugares da cidade. Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria do Meio Ambiente, a maior parte da compensação em dinheiro já foi cumprida (leia mais abaixo) – o que ocorre quando há inviabilidade de reposição na própria região. Já a compensação vegetal, exceto a entrega de 165 mudas ao viveiro municipal, está em andamento e irá se prolongar até o final do mês de outubro. Já quanto às áreas do plantio das mudas, a obtenção dessas informações revelou que a fiscalização da prefeitura é precária. O secretário pediu que as informações das áreas fossem solicitadas à assessoria de imprensa, que, por sua vez, repassou a outros setores. De terça-feira (21) até a tarde desta sexta (24), a Secretaria do Meio Ambiente não conseguiu disponibilizar os dados solicitados pelo Sul21.
Aliás, o acesso a esse tipo de dado é motivo de reclamação tanto da Agapan quanto do coletivo “Cais Mauá de Todos”. “Nós temos a mesma dificuldade de vocês só que há mais tempo”, afirmao sociólogo João Volino, representante do coletivo, sobre as áreas de reposição da vegetação.
“Depois desse conflito (derrubada de árvores na Avenida Beira-Rio) parece muito temerário cortar mais de 300 árvores”, avalia o presidente da Agapan, adiantando que haverá protestos dos ambientalistas com o fim de barrar a remoção dessa grande quantidade de árvores. Melgarejo afirma que assim que a entidade analisar detalhadamente o estudo do impacto ambiental pedirá uma agenda com a Smam para tratar do assunto.
Audiência popular
Já o coletivo “Cais Mauá de Todos” promoverá um audiência popular no dia 1º de agosto, às 15h, na Praça Brigadeiro Sampaio, um dos locais atingidos pelas obras de revitalização. Representante do grupo, o sociólogo João Volino diz que a ideia é debater com a população dos arredores para discutir o assunto. “A população entender que os espaços públicos precisam de uma ampla discussão com a sociedade”, argumenta ele, acrescentando que, se for necessário, deve ser realizado referendo ou plebiscito sobre obras em lugares públicos da Capital. Na Praça Brigadeiro Sampaio, há previsão de um estacionamento e a construção de uma alça elevada, mas a audiência quer oportunizar a exposição de diferentes pontos de vista sobre o modelo de revitalização de todo o Cais Mauá. “Esse modelo de projeto nós não concordamos. Nós queremos a revitalização da área, mas não ao preço de shopping e de estacionamento”, ressalta Volino, sobre as obras previstas em um dos cartões postais de Porto Alegre.
Fiscalização do MP
Promotora de Justiça e de Defesa do Meio Ambiente da Capital, Josiane Camejo explica que o Ministério Público não faz uma fiscalização direta em relação às licenças concedidas. Isso corre, segundo ela, quando, no curso de alguma investigação, vem à tona a notícia de que foi concedida licença a um cidadão ou a uma. Foi o que ocorreu no caso da remoção das árvores da Avenida-Beira, motivando o ingresso de uma ação civil pública pelo MP contra a prefeitura da Capital. O MP chegou a obter uma liminar para suspensão do corte, mas depois a Justiça liberou a remoção.
A promotora ressalta que o poder público não tem obrigação de encaminhar relatório sobre o cumprimento da compensação, como o plantio das mudas e os locais, entretanto, quando requisitado, em caso específico, os dados são encaminhados para análise do MP.
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