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sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Impacto do ecoturismo à fauna silvestre deve ser mais bem investigado, diz professora da UERJ

Por Karina Toledo, da Agência FAPESP


(foto: Sapajus flavius/Acervo CPB/ICMBio)
Professora da UERJ aponta problemas como o aumento na mortalidade de animais relacionado à pesca, à caça, à colisão com veículos e embarcações e até vitimados por hélices de barcos (foto: Sapajus flavius/Acervo CPB/ICMBio)


O ecoturismo costuma ser visto como uma forma sustentável de explorar o patrimônio natural de um país – preservando a integridade dos ecossistemas, gerando renda para as comunidades locais e, desse modo, contribuindo para a conservação da vida selvagem.
Mas na avaliação da ecóloga Helena de Godoy Bergallo, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), esse tipo de atividade pode causar impactos consideráveis à fauna, que precisam ser mais bem compreendidos pela ciência e minimizados por meio de uma gestão mais eficaz.
O tema foi debatido durante o Workshop sobre Pesquisa Aplicada à Gestão da Fauna Silvestre – promovido em São Paulo, no dia 23 de novembro, pela coordenação do Programa FAPESP de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade (BIOTA). Segundo os organizadores, o objetivo do evento foi estimular a aplicação de boa ciência para aprimorar a gestão da fauna silvestre – bem como envolver a academia e outros setores da sociedade nesse debate.
“Conhecemos bem os impactos diretos observáveis do ecoturismo, mas não sabemos qual é a dimensão do problema. Qual é o efeito que a mortalidade de alguns indivíduos pode ter sobre a população de uma espécie e sobre o ecossistema? A escala de aceitabilidade dos impactos costuma ser baseada em motivos estéticos e não científicos. Faltam estudos”, disse Bergallo.
Entre os problemas citados pela pesquisadora está o aumento na mortalidade de animais relacionado a atividades como pesca e caça ou à colisão com veículos e embarcações. Segundo Bergallo, não são raros os casos de peixes-boi vitimados por hélices de barcos, por exemplo.
Além disso, a pesquisadora menciona as alterações no habitat e na composição de plantas decorrentes da construção de pousadas, restaurantes e demais infraestrutura necessária para receber turistas. “O pisoteamento da vegetação nas trilhas causa a compactação do solo e a modificação das plantas. Pode haver perda de espécies nativas e entrada de invasoras, redução na floração e frutificação. Já a onda formada pelos barcos pode promover a intrusão de sal em comunidades que não toleram esse mineral”, contou.
Também é frequente ocorrer distorção do hábito alimentar dos animais, seja por causa da comida oferecida pelos turistas ou por iscas usadas pelos organizadores dos passeios para atrair espécies como o boto-rosa, por exemplo. Muitas vezes, alguns indivíduos são mantidos em cativeiro para que o visitante possa ter um contato mais próximo com a fauna.
Outras fontes de impacto podem passar despercebidas pelos humanos, disse a pesquisadora, como a luz artificial e os sons emitidos por barcos, aeronaves e veículos terrestres.
“As pessoas costumam achar lindo quando veem os cetáceos surfando ao lado de embarcações, mas na verdade eles estão estressados com todo aquele barulho. Há ainda o exemplo das ariranhas perturbadas por barcos durante o período de alimentação no Peru e o do anfíbio fossorial da espécie Spea hammondii, induzido a emergir de buracos onde se esconde pelo som dos veículos, provavelmente por ser semelhante ao de chuvas fortes”, disse.
Como consequências desses impactos, Bergallo mencionou a migração de espécies que não toleram a presença humana; a redução no tempo que o animal tem para se alimentar e a elevação no gasto energético (ambas relacionadas ao tempo perdido tentando fugir dos humanos); comportamento social aberrante (aumento na agressividade entre indivíduos de uma mesma espécie e disputa pela fonte de alimento introduzida pelo homem); maior vulnerabilidade de algumas espécies a competidores e predadores; abandono de filhotes e perturbação no padrão reprodutivo.
“Sabemos que populações pequenas, de reprodução lenta, e espécies raras são as mais afetadas. Mas ainda há poucos estudos ligando o impacto sobre determinados indivíduos aos efeitos sobre as populações. Também são necessários estudos que ajudem a avaliar a capacidade de suporte de diferentes ecossistemas para que seja possível estabelecer o número máximo de visitantes nesses locais”, disse Bergallo.
Para a cientista, o ecoturismo tem um potencial limitado de contribuir com a conservação da biodiversidade e apenas com boa gestão e melhor regulamentação será possível obter benefícios reais com a atividade.
“A legislação brasileira e o Plano Nacional de Turismo não trazem uma regulamentação específica para o ecoturismo. É preciso pensar na criação de normas éticas – a exemplo das existentes nas comunidades de observadores de aves”, defendeu Bergallo.
Lacunas no conhecimento
Como explicou Luciano Verdade, membro da coordenação do BIOTA e pesquisador do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (USP/Cena), o workshop realizado na sede da FAPESP visa promover a interação entre o que se produz de pesquisa científica que pode ser aplicada na gestão da fauna com as diversas demandas existentes na sociedade.
“O Brasil tem uma política pública excessivamente conservadora no que toca à governança da fauna. A filosofia é: proíba tudo e trate todas as espécies como ameaçadas. Mas, além da proteção em si, existe uma diversidade maior de demandas em relação à fauna. Há animais que vivem em conflito com a agropecuária, a silvicultura ou mesmo com a saúde pública. Por outro lado, há outros que podem gerar riqueza e inclusão social se explorados de forma biologicamente sustentável. O panorama é mais complexo”, disse Verdade.
O pesquisador ressaltou ainda a necessidade de desenvolver projetos de monitoramento que permitam detectar de forma precoce e eficiente eventuais mudanças no estado das populações silvestres.
“Esse processo [a boa gestão da fauna] pode ser limitado quando não sabemos ao certo o que fazer por falta de base conceitual. Há momentos que sabemos o que fazer, mas falta tecnologia para saber como fazer. A inovação, portanto, deve ser estimulada. Há ainda diversas situações em que sabemos o que fazer e como, mas não onde, quando e com quem. Nesse caso falta uma estrutura de governança. Nossa tentativa hoje é contribuir para uma percepção mais clara do que nos limita”, disse Verdade.
Segundo Carlos Alfredo Joly, professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro da coordenação do BIOTA, o debate poderá auxiliar na definição de temas para futuras chamadas de propostas lançadas no âmbito do programa.
“O BIOTA geralmente faz duas chamadas por ano, sem contar aquelas lançadas com parceiros nacionais e internacionais. A definição da temática nasce dessas discussões com a comunidade científica”, contou Joly.
Além dos impactos do ecoturismo, também foi abordada no evento a gestão de espécies invasoras, como é o caso do javali. Segundo Virgínia Santiago, da Embrapa Suínos e Aves, a população de javalis tem se expandido expressivamente desde os anos 1990, competindo por recursos com espécies nativas. Os riscos sanitários associados a esse fenômeno, disse a pesquisadora, ainda são desconhecidos.
O pesquisador Walfrido Moraes Tomas, do Laboratório de Vida Selvagem da Embrapa Pantanal, lembrou que em 2017 completou 50 anos a lei que proibiu a caça no Brasil (exceto a de subsistência).
Segundo ele, a caça existe no território nacional desde a chegada da espécie humana e ainda hoje é onipresente, apesar de formalmente proibida.
“Não conseguimos evitar o uso descontrolado e nada sabemos sobre seus efeitos sobre populações. Não há números oficiais. Com a proibição da caça, não construímos na academia as carreiras específicas para a gestão de fauna, não foi estabelecida uma demanda por profissionais com este perfil. Não estabelecemos, portanto, nenhuma base científica que possa dar suporte às tomadas de decisão”, afirmou Tomas.
Mauro Galetti, professor do Departamento de Ecologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro, falou sobre como a defaunação pode contribuir para o agravamento das mudanças climáticas. Segundo ele, a redução das populações de grandes frugívoros nas florestas tropicais – os únicos animais capazes de dispersar sementes de maior porte – resulta na substituição de árvores de madeira dura por espécies com menor capacidade para armazenar carbono (leia mais em: http://revistapesquisa.fapesp.br/2015/12/18/extincao-de-animais-pode-agravar-efeito-das-mudancas-climaticas/).
A bióloga Cláudia Schalmann, da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), abordou questões relacionadas à fauna silvestre nos processos de licenciamento ambiental de projetos e empreendimentos paulistas. Destacou a importância de medidas mitigadoras do impacto, como evitar a entrada de animais domésticos nas áreas verdes, manter a conectividade do fragmento florestal do lote com o entorno e criar passagens de fauna (elevadas ou subterrâneas) em rodovias, entre outras.
A gestão de espécies ameaçadas foi tema da palestra de Marcio Martins, professor do Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências da USP, que explicou como foi elaborado o Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, organizado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Todas as apresentações foram transmitidas ao vivo e as gravações estão disponíveis na íntegra pelo site: http://www.fapesp.br/eventos/fauna.


in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 08/12/2017

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