Na América Central não há nenhuma lei que erradique o arraigado costume de construir casas em encostas de montanhas e margens de rios.
Cidade da Guatemala, Guatemala, 24 de outubro de 2011 (Terramérica).- Os desastres meteorológicos cada vez mais frequentes na América Central fazem soar alarmes e levam as pessoas a se organizarem para prevenir riscos e responder às emergências. Contudo, na atual tempestade, os resultados ainda não apareceram. A última tragédia veio com a depressão tropical 12-E: no fechamento desta edição, eram 91 mortos e mais de um milhão de afetados em El Salvador, Honduras, Nicarágua, Costa Rica e Guatemala, sem enumerar os danos à agricultura e à infraestrutura, que levará mais tempo para contabilizar.
O ciclone chegou à região no dia 12 e desde então não cessam as situações de emergência por cheias de rios, desabamentos e deslizamentos de terra. Os governos de Guatemala, El Salvador e Nicarágua declararam estado de calamidade, que lhes permite dispor mais rapidamente de fundos para os trabalhos de emergência. Segundo Williams De León, do Corpo de Bombeiros Voluntários da Guatemala, o medo deixado pelo mortífero Furacão Mitch (1998) e o trabalho de coordenação entre instituições levaram a uma mudança de atitude diante dos riscos. “Muitas pessoas se deram conta de que a Guatemala é muito vulnerável ao clima e agora estão mais organizadas”, disse ao Terramérica.
A partir de 2004, foram criados comitês de desastres regional, departamental e local, nos quais estão representados todos os níveis de governo, o setor privado e entidades da sociedade civil para as atividades de socorro e prevenção. Uma lei de 2010 estabelece critérios básicos de construção, e em julho foram estabelecidos padrões de segurança para prédios públicos. Segundo os bombeiros, há mais pedidos de avaliações de risco em instituições públicas e privadas, sobretudo para obter certificações internacionais como ISO 31000:2009, referente ao manejo de risco.
Embora “ainda faltem normas de segurança, destinação de mais recursos e levar o tema às salas de aula, trata-se de uma cultura de prevenção que deve se generalizar”, comemorou De León. A aposta é “dar maior importância ao mais barato, que é a prevenção, mas não conseguimos”, afirmou ao Terramérica o ativista Guido Calderón, da não governamental Convergência Cidadã para a Gestão de Riscos da Guatemala.
A Coordenadoria Nacional para a Redução de Desastres, com orçamento anual de US$ 5 milhões, não conseguiu nem mesmo pagar os salários de seus 238 funcionários e muito menos atender “com eficiência” as emergências recentes, denunciou seu secretário, Alejandro Maldonado. Nos últimos 12 anos, desde o Mitch, passando pelos ciclones Stan (2005) e Agatha (2010), ficaram na região milhares de mortos, centenas de milhares de afetados e danos econômicos que pioraram as perspectivas de populações empobrecidas, sobretudo em El Salvador, Honduras, Nicarágua e Guatemala.
Já não há dúvida de que o aquecimento global é a causa da meteorologia enlouquecida. “A variação natural do clima aumentou em frequência e intensidade”, disse ao Terramérica o diretor do Centro de Pesquisa e Transferência Tecnológica de Mudança Climática da Universidade de Ciências Comerciais da Nicarágua, José Milán. “Nos últimos 30 anos, a temperatura neste país aumentou um grau, enquanto no planeta subiu 0,7 grau em um século; as precipitações diminuíram entre 6% e 10% no Pacífico, e no Caribe aumentaram 25%”, acrescentou.
O que se pode esperar? “Danos nos cultivos de milho, feijão, arroz e café – muito importantes para a segurança alimentar –, menos disponibilidade de água, significativos danos à biodiversidade e infraestrutura, e aumento de doenças como leptospirose e dengue”, respondeu. Milán acredita que é urgente fortalecer as instituições regionais de gestão de riscos e gerar capacidade na sociedade civil para responder a desastres. Entretanto, a América Central também deve falar com uma só voz no debate sobre mudança climática.
A região “contribui com menos de 0,5% do total das emissões de gases-estufa, diz o estudo “A economia da mudança climática na América Latina e no Caribe 2009”. Porém, sofre os piores castigos, e espera-se que os eventos extremos aumentem entre 5% e 10% em sua intensidade neste século, segundo o informe publicado pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).
René Ramos, coordenador do não governamental Programa de Fortalecimento de Capacidades em Gestão de Risco da América Central, com sede em El Salvador, acredita que prevenir “é o melhor” que os governos podem fazer após atenderem as emergências. Gerenciar os riscos deve ser “um tema integral, que envolva todos os setores da sociedade, pois não é um problema dos ministérios de meio ambiente ou de obras públicas”, acrescentou.
Algo foi feito. O plano operacional 2010-2013 do Centro de Coordenação para a Prevenção de Desastres na América Central inclui desde fortalecer o conhecimento técnico e científico até criar uma rede de abrigos para as vítimas. Os governos também aprovaram a Política Centro-Americana de Gestão Integral de Riscos em 2010. No entanto, na prática, poucas coisas mudam. Nesta região de 43 milhões de habitantes não há nenhuma lei de ordenamento territorial que erradique o arraigado costume de se construir casas nas encostas de montanhas e em margens de rios. Pior ainda. Na Guatemala, segundo o ativista Calderón, os desastres são vistos como fonte de renda para uma reconstrução na qual funcionários e empresários encontram “rentáveis” negócios.
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FONTE : Danilo Valladares (correspondente da IPS).
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