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sábado, 1 de outubro de 2011
O herói da LatinoAmérica e nossas fragilidades
Todas as crianças da minha época assistiram o seriado Chaves e Chapolin Colorado, trazido do México ao Brasil por Silvio Santos.
O SBT foi líder de audiência por causa destes dois programas, criados por Roberto Gomez Bolaños, conhecido como Chespirito no México, o pequeno Shakespeare, por sua atuação brilhante como ator, diretor, cantor e compositor e outros feitos.
Sou fã dos seriados, que tiveram muitos episódios perdidos e erros de dublagem, mas que marcaram a época pelo singelo e pelo estilo pastelão que agradou crianças e adultos.
Inicialmente foram idealizados para adultos, mas, foi remodelado para crianças depois de atingir grande sucesso entre elas. Quem não lembra de sair de casa para a escola depois de ver os episódios ou voltar da escola e almoçar na frente da TV? A trilha sonora marca até hoje a lembrança de quem via os programas naquela época.
Não estou fazendo uma ‘análise filosófica’, pois isto já foi feito, nem mesmo estou querendo fazer parte dos literários que ‘pensam’ a TV. Sou uma fã apenas.
Não concordo com a ‘crítica’ repetida pelos professores da minha época de escola primária, que diziam ser violentos os programas. Havia na época muitas cenas de nudez e pornografia de baixa qualidade no horário nobre e violência explícita em todos os desenhos para crianças pequenas, mas pouco foram criticados na época. O proprio Bolaños afirma que não fez os personagens pensando numa crítica social, apenas pensou em divertir.
A estética da época, muito bem mostrada em Chapolin Colorado, a pobreza da vila (vencindad d’El Chavo), apenas fez com que crianças do mundo inteiro se identificassem com seus programas de humor singelo e cenários precários.
Chapúlin Colorado lidava de uma maneira ambígua com os animais. Assim como El Chavo Del Ocho, o menino pobre que passava fome, não tinha brinquedos e se escondia em um barril.
Chapúlin é o nome de um inseto mexicano que é comido frito. Muitos episódios mostram ele com medo de animais como o gato, quando ele toma as famosas pastilhas de chiquitolina (nanicolina em português) e se torna mais pequeno do que já é.
Também há um episódio do Dr. Chapatim (mais um dos personagens de Bolaños) em que ele encontra um cavalo de carroça, daqueles demolidos parecidos com os de Porto Alegre, e em tom de deboche, substitui sua ‘caranga’ pela carroça velha. Na época os animais importavam bem menos do que hoje. E isso se nota em filmes portugueses e na arte portuguesa até hoje. Não muito diferente seria no México e mesmo aqui no Brasil.
No episódio ‘Los Toreros’, as touradas que são comumente praticadas no México, como herança da colonização espanhola, são romantizadas. E as crianças brincam com uma espécie de touro de metal com uma cabeça verdadeira.
No episódio ‘Satanás’, La bruja del 71 adota um pequeno cachorrinho, que é recebido com carinho por todos, menos pelo Senhor Barriga, que proíbe animais na vila e pela Doña Florinda que odeia animais e crianças pequenas por que fazem muito barulho. Apesar de suas proibições todos na vila acabam aceitando o cachorrinho.
Em El Perro Callejero a história é semelhante, Chaves encontra um filhote de cachorro na rua e quer adotá-lo, mas o cão é do Seu Madruga, “mi dinero me custou, Chavito!” Depois se descobre que Seu Madruga não comprou o cão, pega todos os cães abandonados para entregar a seus donos por uma recompensa. Já neste episódio, quem colocou a placa de proibição de animais foi a Dona Florinda e não o Seu Barriga, que é o dono da vila.
Em La Resortera, Chaves está matando lagartixas, e todos pensam que ele matou Doña Cleotilde e a Doña Florinda.
No episódio Los pescaditos de colores – 1973 a briga é entre o Seu Madruga que tem peixinhos de aquário e Dona Florinda que tem um gato…ele a acusa de que seu gato comeu seus peixinhos, mas Dona Florinda se defende afirmando que o gato está proibido de comer ‘porcherias’ e que só come ‘carne de primeira classe’.
Em De noche todos los gatos hacen miau Chapolin é chamado para espantar um gato que não parava de miar durante a madrugada. Eles tentam de todas as formas jogar coisas no gato, mas as coisas sempre acabam caindo sobre o guarda. No fim das contas o gato se salva das pancadas ileso.
O episódio que me fez escrever este artigo é o de Dr. Chapatín y Topo Gigio (El besito de las buenas noches) de 1979, Chapolin vem em defesa de uma moça que tem medo de um rato. Mas ele a tenta convencer de que os ratos também merecem ser defendidos. E começa a contar a história de Dr. Chapatin que vai fazer um tratamento ao ratinho Topo Gigio que perdeu a memória.
O episódio é o mais ‘anti-especista’ da série. Que curiosamente coloca sempre a questão dos animais ‘nojentos’ como amigos do Chapolin, que em última análise também é um inseto.
Estas e outras constatações não mudam o fato de que Roberto Gomez Bolaños, hoje com 82 anos e 40 anos de criação do personagem Chavo del ocho, criou personagens cativantes, os quais foram vivamente interpretados pelos atores da série e que tem fãs no mundo inteiro.
Hoje ele vive com Florinda Meza em Cancun, segundo informações recentes da Internet, com três cachorros e pensam em fundar uma ONG para resgatar animais de rua. Uma foto publicada no Twitter por Bolaños mostra Florinda cuidando de um pássaro perdido, que depois de recuperado foi solto. Seu Madruga, Dona Clotilde e Godines (irmão de Bolaños) já faleceram, e os outros atores estão seguindo suas vidas, uns já velhinhos, mas com todo o carinho dos fãs.
Recomendo a série para diversão. Não é uma série profunda (não sei se alguma é), não há grande originalidade. Alguns episódios não tem graça alguma, em outros se rola de rir. Dê preferência para os em espanhol, pois as dublagens deixam a desejar e se perde o contexto das piadas. Há também outros personagens de Chespirito que também podem ser interessantes para quem curte a estética da época, o vocabulário e a década de 70/80, como La Chicharra, história de um jornalista e de uma fotógrafa em um periódico.
Sugestões de leitura:
KASHNER, Pablo. Chaves de um sucesso. Rio de Janeiro: Editora Senac Rio, 2006.
YGLESIAS, Maria Perez. El Chavo del Occho: por que los aman los niños? Revista Herência: Editorial de la Universidad de Costa Rica (UCR), set.1990.
LINS, João Cláudio. Chaves: Um estereótipo da latinidade mexicana. (disponível em http://circoeletronico.blogspot.com/2008/11/chaves-um-esteretipo-da-latinidade.html).
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FONTE : Ellen Augusta Valer de Freitas é licenciada em Biologia pela Unisinos, RS. Foi bolsista de Iniciação Científica pelo CNPq no Instituto Anchietano de Pesquisas, tem experiência na área de Ecologia com ênfase em Zooarqueologia. Trabalha para uma ONG nacional em pesquisa de produtos, é articulista da Agência de Notícias dos Direitos Animais, e do Vista-se e menbro-fundadora do grupo ativista Vanguarda Abolicionista.
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