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terça-feira, 13 de dezembro de 2022

A REINVENÇÃO DO FUTURO - Dal Marcondes

Dal Marcondes, da Envolverde – O combate objetivo da desigualdade é o principal, se não o único, caminho da humanidade em direção ao futuro, que não deve ser encarado como inexorável. Este início de século pode ser definido como uma nova encruzilhada no tempo para a humanidade, assim como foi há 100 anos, no início do século XX. Um adulto de 1915, se perguntado como seria o futuro, não teria a mais remota possibilidade de prever o nosso presente. Olharia em volta e veria um mundo conturbado, em guerra (muito semelhante ao nosso), mas com tecnologias que estavam apenas nascendo (também muito parecido com os nossos dias). No entanto, não teria nenhuma informação de tendência que permitisse prever a sociedade pós-industrial deste século 21. Certamente, com alguma boa vontade ele poderia desejar que a humanidade já tivesse superado as guerras e a desigualdade, principais flagelos do seu tempo. O início do século XX assistiu às primeiras máquinas complexas tornarem-se a base da sociedade humana, se iluminou com a eletricidade e se maravilhou com as descobertas da química. Também viu essas novas maravilhas sendo utilizadas como armas. Nada daquele momento permitia vislumbrar as fantásticas conquistas desse início de século XXI. Eletricidade, mecânica e química se transcenderam em uma ciência interligada e capaz de elevar o conhecimento humano a um patamar quase divino. A humanidade deste século á mais bem preparada, mais culta, mais habilitada em todas as áreas de conhecimento. Enquanto a informação era para poucos em 1915, em 2015 a internet e suas ferramentas tornaram ciência e conhecimentos de acesso universal. Durante a maior parte da história humana havia a crença generalizada de que o futuro é algo inexorável, é auto realizável e nada se poderia fazer para mudar o destino. O Oráculo, desde os tempos de Delfos, tem poder de vida e morte sobre os crentes. Reis e generais consultaram os oráculos ao longo dos tempos para saber de sua sorte nas batalhas, assim como pessoas comuns seguem outras superstições para tentar descortinar o futuro inexorável à sua frente. O cenário de 2015 é completamente diferente. O futuro é algo a ser construído de acordo com os desejos e o planejamento da humanidade e de suas instituições. A casualidade tem pouco espaço em um momento da história em que a humanidade precisa tomar as rédeas de seu destino em decidir os rumos de sua civilização. Há dilemas fundamentais a serem enfrentados de forma objetiva e com um plano de trabalho capaz de superar inércias históricas, com o potencial de inovar nas relações humanas e, principalmente, com a capacidade de apoiar a humanidade em um salto evolucionário em direção ao futuro. Os desafios a serem superados são inúmeros, estão presentes em quase todos os campos do conhecimento e das relações humanas. No entanto, nenhum é maior do que a necessidade de superação da desigualdade. O planeta Terra abriga neste início de século sete bilhões de seres humanos. As estimativas dos demógrafos aponta que chegaremos a nove bilhões por volta de 2050 e depois haverá uma estabilização. Em 1900 havia menos de dois bilhões de habitantes na Terra, um número parecido com a quantidade de pessoas que neste início do século XXI de fato têm acesso às benesses da civilização contemporânea. Entre quatro e cinco bilhões de pessoas vivem com algum ou diversos tipos de carência. A desigualdade é o mais importante desafio deste tempo. Levar à totalidade das pessoas a universalização de direitos já considerados universais deveria ser o principal foco da motivação de governos, empresas, instituições e pessoas. Ao mesmo tempo em que a humanidade consegue espalhar conquistas nos campos da educação, da ciência, da tecnologia e da medicina, a concentração de riquezas nas mãos de uns poucos torna o processo distributivo limitado. Um estudo realizado pela organização internacional Oxfam mostra que durante a mais importante crise financeira global desde a crise de 1929, em 2008, o número de bilionários no planeta dobrou, enquanto a desigualdade, ou seja, a distância entre ricos e pobres, aumentou. Winnie Byanyima, diretora executiva da Oxfam Internacional A diretora executiva da Oxfam Internacional, Winnie Byanyima convoca a sociedade para virar esse jogo, “antes que a situação piore”. Os dados mostram que atualmente a soma das fortunas de 1% da população global é maior do que a soma da renda dos 99% de humanos restantes. Os números levantados pela Oxfam são impressionantes: “Se as três pessoas mais ricas do mundo gastassem US$ 1 milhão por dia, precisariam de 200 anos para exaurir suas fortunas”, informa o relatório. Segundo o documento, as 85 pessoas mais ricas viram sua fortuna coletiva crescer US$ 668 milhões ao dia entre 2013 e 2014. Isso corresponde a quase meio milhão de dólares por minuto. Governos e empresas precisam rever seus conceitos de acumulação e distribuição de renda. A desigualdade não é um bom negócio para ninguém. Para as empresas a distribuição de renda gera mercados, acesso das populações aos bens, produtos e serviços do século XXI. Para os governos significa sociedades mais bem preparadas e estruturadas para um melhor desempenho em políticas púbicas, com mais autoestima e melhores contribuintes. O embate de ideologias dos tempos atuais perdeu seu foco principal, a qualidade de vida da sociedade a à qual servem os políticos. Planejar como superar esse entrave civilizatório da desigualdade é o principal desafio da humanidade. É papel de todos, principalmente daqueles que detém dinheiro e poder. Uma regra obsoleta do marketing prega que as empresas de sucesso são aquelas que conseguem fidelizar seus clientes e vender mais para os mesmos. Essa empresa certamente vai ganhar dinheiro por algum tempo, mas não tem uma contribuição eficaz para o desenvolvimento da sociedade que a acolheu. A empresa de sucesso do século XXI será aquela que consegue fazer o dinheiro girar pela sociedade, deixando benefícios em toda a sua cadeia de valor. E antes que perguntem, sim, remunerar os acionistas. Há um conceito que define com muita clareza o papel das empresas neste novo século, é do empresário Ray Anderson, fundador da organização Sustainability e um dos precursores da economia do compartilhamento. “O Lucro não pode ser o principal objetivo de uma empresa, o foco das empresas deve ser sua missão. O lucro é apenas um dos fatores necessários para que as empresas cumpram sua missão”. Empresas ao redor do mundo estão engatinhando em uma mudança de seu foco, começam a dar mais atenção aos seus impactos ambientais e sociais. Buscam trabalhar com medidas mitigatórias em relação ao meio ambiente e apoiam projetos sociais com foco principalmente em educação e redução da pobreza. Muitas elegeram água e resíduos como suas preocupações prioritárias, o que é bom, porque na lista de prioridades do século XXI esses dois temas vem logo em seguida à desigualdade como desafios urgentes. No entanto, a crise de 2008 mostrou que a determinação das empresas em manter sua coerência em relação aos projetos de sustentabilidade ainda carece de perseverança. Muitas delas praticamente abandonaram os planos de investimentos nessa área e, outras, desarticularam suas equipes de profissionais em sustentabilidade. Mesmo os tradicionais relatórios de sustentabilidade com base em princípios do GRI (Global Reporting Iniciative) perderam consistência e passaram a ser olhados apenas como obrigação de “cumprir tabela”. A crise civilizatória que se espalha pelo planeta neste início de século guarda muitas similaridades às crises que assolaram o mundo no início do século XX. Guerras e incapacidade de diálogo entre nações e povos de distintas crenças e culturas. Em 1915 o Planeta estava mergulhado em seu primeiro grande evento global, uma guerra que demoliu os impérios e redesenhou as fronteiras do mundo. Certamente os reis e generais da época foram incapazes, antes do conflito, quando ele ainda poderia ter sido evitado, de prever os impactos das nascentes tecnologias mecânica e química sobre o campo de batalha. A diferença estrutural entre os dois momentos históricos é a atual habilidade de previsão de cenários e a capacidade da humanidade em superar os impasses propostos pela visão de inexorabilidade do futuro. O desenvolvimento inercial e inconsequente, descompromissado com a transformação dos paradigmas que regem a economia e a cultura, apenas leva ao acirramento das tragédias, com consequências catastróficas para a humanidade. Neste ponto é bom lembrar que o planeta Terra tem bilhões de anos e a humanidade chegou a uns poucos milhares de anos, e apenas nos últimos dois a três séculos fez estragos que durarão também uns poucos milhares de anos para o planeta consertar. Isso quer dizer que o que está em questão quando se fala em planejar o futuro nada tem a ver com o clássico conceito ambientalista de “salvar o planeta”, mas sim com garantir a resiliência do habitat humano como suporte para a qualidade de vida da atual civilização. O papel das empresas é fundamental para garantir qualidade da transição da economia para um modelo de menor impacto ambiental e excelência em impacto social. Todas as áreas empresariais têm muito a contribuir e, para isso, precisam mudar sua visão de mundo. A simples acumulação de capital não transforma e, a partir de um determinado valor apropriado a própria organização e seus acionistas não são mais impactados pelos resultados financeiros. Nesse ponto é preciso entrar em cena outro conceito, o de ciclo de vida dos produtos. Transformar a maneira de fazer, a qualidade e a quantidades de materiais e recursos naturais utilizados, o processo de venda, utilização e descarte é fundamental para ganhar escala que permita atender a todos e não apenas a uma pequena parcela da humanidade. É preciso estabelecer o fim de produtos e materiais desconectados com um modelo mais sustentável de civilização. O combate objetivo da desigualdade é o principal, se não o único, caminho da humanidade em direção ao futuro. As alternativas são todas catastróficas. Informação e conhecimento são os principais fatores evolucionários e de transição para uma ética de preservação ambiental e para uma sociedade menos desigual. (Envolverde) * Dal Marcondes é jornalista, diretor da Envolverde, passou por diversas redações da grande mídia paulista, como Agência Estado, Gazeta Mercantil, Revistas Isto É e Exame. Desde 1998 dedica-se a cobertura de temas relacionados ao meio ambiente, educação, desenvolvimento sustentável e responsabilidade socioambiental empresarial.

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