No ano de 2017, a Organização das Nações Unidas (ONU) definiu para o Dia Mundial da Água, comemorado em 22 de março, o tema “Águas Residuais”, conceito que diz respeito basicamente a qualquer tipo de esgoto, seja ele de origem doméstica, comercial ou industrial. A questão é complexa e heterogênea: enquanto apenas cerca de 68% da população mundial conta com instalações sanitárias adequadas, segundo dados da ONU, países como Singapura praticam o tratamento do esgoto para transformação em água potável como uma realidade de seus habitantes.
“Tecnicamente falando, atualmente dispomos de tecnologias para transformar de toda e qualquer forma a qualidade da água”, começa Luciano Zanella, pesquisador do Laboratório de Instalações Prediais e Saneamento do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). “O problema é que quanto mais radical a mudança, mais cara ela é, não só em termos de instalação, mas de operação e manutenção. Para garantir a transformação de uma água residual em água potável, por exemplo, é necessário manter três ou quatro sistemas em operação, para aumentar a segurança e reduzir a probabilidade de falhas”, explica.
A viabilidade financeira é, para Zanella, um dos pontos-chaves para a questão do reúso das águas e aproveitamento de subprodutos resultantes do tratamento de esgoto no Brasil. Segundo o pesquisador, o uso de recursos do meio ambiente pode ser poupado por meio de alternativas tecnológicas que mantém as águas disponíveis para uso por mais tempo, como os sistema de reúso, e já são realidade por serem economicamente vantajosas para os envolvidos.
“As águas residuais, de acordo com a legislação, precisam receber um tratamento adequado antes de serem lançadas novamente no meio ambiente. É lei. No caso do reúso, essas águas receberiam tratamentos além do convencional, dependendo da finalidade para a qual serão utilizadas”, detalha o pesquisador. “Hoje, é vantajoso para muitas indústrias fazer o próprio tratamento da água para utilizá-la para determinadas atividades como lavagens, por exemplo, ou mesmo comprá-la de empresas com estações de reúso. Além de ganharem em marketing ambiental, é mais barato do que comprar o mesmo volume de água potável”.
Na indústria, explica Zanella, os usos são variados e dependem do tipo, porte e setor ao qual o empreendimento pertence. Já no ambiente comercial e doméstico, algumas alternativas para o reúso de águas residuais estão se popularizando nas grandes cidades. O uso de esgotos tratados em concomitância com águas de chuva em descargas sanitárias é uma das medidas financeiramente rentáveis para shoppings centers; em alguns condomínios residenciais, parte do esgoto (geralmente aquele intitulado de águas cinza) é tratado e utilizado para o mesmo fim.
Contudo, o ponto alto do reúso para o pesquisador está começando a dar seus primeiros passos no país agora. “A tendência dos últimos anos é não encarar a água residual como algo a ser tratado e lançado de volta no meio ambiente, apenas. No tratamento desse tipo de efluente, é possível encontrar água, nutrientes, matéria orgânica, até mesmo gases para a geração de energia. O esgoto é uma fonte de subprodutos, cujo aproveitamento depende da viabilização financeira do tipo tratamento necessário para obtê-los”.
Zanella cita como exemplos a presença de nutrientes como nitrogênio e fósforo nas águas de esgoto, fundamentais na agricultura e cuja importação é comum no Brasil. “Compramos substâncias que temos à mão e jogamos fora. Hoje, aqui mesmo no IPT, nós temos pesquisas de recuperação de compostos de nitrogênio e fósforo a partir da urina. Fora do país, muitos lugares já contam com a extração desses nutrientes durante o tratamento do esgoto, destinados à irrigação de culturas na agricultura”, conta o pesquisador.
Em alguns locais do mundo, segundo ele, também já existem trabalhos de sintetização de compostos de nitrogênio a partir do lodo gerado nas estações de tratamento convencionais. Além disso, tanto os processos de tratamento anaeróbios de esgotos, quanto os processos de tratamento do lodo gerado pelo tratamento aeróbio das águas residuais resultam na produção de metano, gás que pode servir como combustível para a produção de energia elétrica.
“Isso é uma evolução no reúso: o aproveitamento de insumos que estariam sendo despejados no meio ambiente. Mas é importante dizer que, caso a caso, é preciso estudar a viabilidade técnica e econômica de manutenção e operação para implementação de cada tratamento específico, para que essas alternativas sejam de fato eficazes”, finaliza.?
Colaboração de Gabriela Romão, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 23/03/2017
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