Por Phumzile Mlambo-Ngcuka, da IPS –
Nova York, Estados Unidos, 8/3/2017 – Em todo o mundo, muitas mulheres e meninas dedicam um número excessivo de horas às tarefas do lar; habitualmente, destinam a esse trabalho mais que o dobro do tempo dedicado por homens e meninos. Elas cuidam das irmãs e dos irmãos, dos familiares idosos, dos doentes da família, e fazem os trabalhos da casa.
Em muitos casos, essa divisão desigual do trabalho ocorre à custa do aprendizado das mulheres e meninas, e de suas possibilidades de obter um trabalho remunerado, praticar esporte ou serem líderes cívicas ou comunitárias. Isso determina os padrões de desvantagens e vantagens, a posição das mulheres e dos homens na economia, suas aptidões e os lugares de trabalho.
Este é o mundo imutável do trabalho sem recompensa, uma cena familiar de futuros desoladores em todo o mundo; as meninas e suas mães sustentam a família com trabalho não pago e sua trajetória de vida é muito diferente da dos homens da casa.
Queremos construir um mundo do trabalho diferente para as mulheres. Na medida em que crescem, as meninas devem ter a possibilidade de acesso a uma ampla variedade de carreiras, e devem ser incentivadas a realizar escolhas que as levem para além das opções tradicionais nas áreas de serviço e cuidado, e que lhes permitam conseguir empregos na indústria, na arte, no serviço público, na agricultura moderna e na ciência.
Temos que iniciar a mudança na família e na fase escolar mais precoce, para que não haja nenhum lugar no ambiente de uma menina ou um menino em que aprendam que as meninas devem ser menos, ter menos e sonhar em menor escala do que os homens.
Isso exigirá ajustes na criação, nos programas de estudos, nos ambientes educacionais e nos canais que transmitem os estereótipos cotidianos, como televisão, publicidade e diversos tipos de espetáculos. Além disso, será necessário dar passos decididos para proteger as meninas menores das práticas culturais nocivas, como o casamento precoce e todas as formas de violência.
As mulheres e as meninas devem estar preparadas para serem parte da revolução digital. Atualmente, apenas 18% dos títulos de graduação em ciências da computação correspondem a mulheres. Em todo o mundo é necessária uma mudança significativa na educação das meninas, que terão que cursar matérias principais (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) se quiserem competir com êxito pelos “novos empregos” bem remunerados. Na atualidade, as mulheres representam apenas 25% da força de trabalho da indústria digital.
Segundo o Grupo de Alto Nível sobre Empoderamento Econômico das Mulheres, do secretário-geral das Nações Unidas, para conseguir a igualdade no local de trabalho será preciso ampliar as oportunidades de emprego e de trabalho decente.
Para isso, os governos deverão realizar esforços concertados para promover a participação das mulheres na vida econômica; os coletivos importantes, como os sindicatos, terão que dar seu apoio, e se deverá dar lugar à voz das próprias mulheres para gerar soluções que permitam superar as barreiras atuais para a participação das mulheres.
Há muito em jogo: no caso de se conseguir avançar na igualdade de gênero será possível dar um impulso ao PIB mundial de US$ 12 bilhões até 2025.
Também é preciso atuar com determinação para eliminar a discriminação que as mulheres encontram em múltiplas frentes, que convergem para além do tema do gênero: a orientação sexual, a deficiência, a idade avançada e a raça.
Esses fatores contribuem para a desigualdade salarial: a brecha salarial de gênero é, em média, de 23%, mas aumenta para 40% no caso das mulheres afro-americanas nos Estados Unidos. Na União Europeia, as mulheres de idade avançada têm 37% mais probabilidades de viverem na pobreza do que os homens de mesma faixa etária.
Devemos conseguir que funcionem melhor para as mulheres aquelas áreas de atividade em que já estão excessivamente representadas mas recebem baixa remuneração, além de contar com escassa ou nenhuma proteção social.
Trata-se, por exemplo, de que exista uma economia do cuidado sólida – que atenda as necessidades das mulheres e as empregue em troca de uma remuneração –, de serem aplicadas condições de trabalho igualitárias para o trabalho remunerado ou não remunerado das mulheres, e do apoio às mulheres empresárias, incluindo seu acesso ao financiamento e aos mercados.
As mulheres que trabalham no setor informal também precisam que sua contribuição seja reconhecida e protegida. Isso exige políticas macroeconômicas propícias que contribuam para um crescimento inclusivo e permitam uma aceleração considerável do progresso, em beneficio dos 770 milhões de pessoas que vivem na extrema pobreza.
Para enfrentar as injustiças é necessário resolução e flexibilidade por parte dos que empregam, tanto no setor público como no privado. Será preciso oferecer incentivos para contratar e reter as trabalhadoras, como, por exemplo, uma ampliação do auxílio-maternidade para as mulheres, com o objetivo de apoiar também sua reinserção ao trabalho, adoção dos princípios para o empoderamento das mulheres e a representação direta nos níveis de tomada de decisões.
Junto com isso, deverá haver mudanças importantes no auxílio para os pais recentes, além de mudanças culturais que façam da aceitação da licença paternidade uma opção viável e, por fim, um benefício real para toda a família. Em meio a essa trama complexa, também são necessárias algumas mudanças simples mas de grande envergadura: que os pais se ocupem da criação, que as mulheres participem e que as meninas tenham a liberdade de crescer em igualdade com os meninos.
É preciso que todas as partes façam ajustes, se desejam aumentar o número de pessoas que pode obter um trabalho decente, conseguir que esse conjunto de pessoas seja inclusivo, e tornar realidade os benefícios para todas e todos previstos na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, com a promessa de um mundo igualitário. Envolverde/IPS
* Este artigo de Phumzile Mlambo-Ngcuka, diretora executiva da ONU Mulheres, integra a cobertura especial da IPS por ocasião do Dia Internacional da Mulher.
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