Por James Jeffrey, da IPS –
Adis Abeba, Etiópia, 10/10/2016 – O jornalista eritreu Estifo por sete anos economizou para pagar uma pessoa que o levasse, junto com sua família, da capital da Eritreia até a fronteira da Etiópia. Uma vez do outro lado, solicitou asilo às autoridades do país. Agora é um dos milhares de cidadãos eritreus que vivem em Adis Abeba, capital etíope, onde edita uma revista que busca dissuadir seus compatriotas na cidade e em acampamentos de refugiados dispersos por esse país de se arriscarem na perigosa travessia para chegar ao norte da Líbia e cruzar o Mar Mediterrâneo para a Europa.
“A revista trata dos riscos da emigração e da difícil realidade de estar na Europa”, explicouEstifo. “Além disso, uma vez ali, não se pode regressar, as coisas mudam muito. Por outro lado, há muito mais coisas em comum com Adis Abeba e é mais fácil regressar à Eritreia”, acrescentou.
Desde que o agora falecido primeiro-ministro da Etiópia, Meles Zenawi (1955-2012), implantou uma política de portas abertas para os refugiados, o número de pessoas nessa situação chegou a 700 mil, a maior quantidade na África.A política também se estendeu aos refugiados procedentes da Eritreia, país que a Etiópia considera seu arqui-inimigo desde a catastrófica guerra entre ambos, que durou dois anos e terminou em 2000, sem resolver nada e deixando apenas maior ressentimento mútuo.
Não surpreende que entre os que emigram para a fronteira sul haja um grande número de jornalistas, pois a Eritreia figura na lista dos dez países com maiores restrições à imprensa, compilada pelo Comitê de Proteção dos Jornalistas (CPJ) em 2015, sendo o que mais aplica a censura no mundo e o que mais prende profissionais da imprensa na África. As limitações da imprensa na Eritreia começaram em 2001, quando, ao que parece, o mundo estava distraído com os atentados contra Nova York e Washington em 11 de setembro daquele ano.
Naquele mês “foram fechados canais de notícias privados e a maioria dos meus colegas foi presa”, recordou Estifo, que se salvou por ser jornalista esportivo, trabalho recomendado por um amigo para evitar chamar muito a atenção. Mesmo temendo por sua segurança, Estifo decidiu unir-se aos meios militares que operavam em Sawa, uma base no deserto, onde as Forças de Defesa da Eritreia recrutam seus soldados e onde os novatos recebem treinamento básico.
As condições de vida eram más e só pagavam 600 nafkas (US$ 38) por mês, e não dava para muito depois de pagar 500 nafkas pelo aluguel. Quando considerou que era seguro, começou a se aventurar no exterior e vender sapatos com ajuda de sua mulher, para economizar e fugir. “Não vendemos nenhum de nossos pertences antes de partir para não levantar suspeitas. Chegamos à fronteira às duas horas madrugada, mas esperamos até amanhecer para cruzá-la, porque uma patrulha poderia atirar em nós”, contou Estifo.
Beyene, outro jornalista refugiado, trabalha com Estifo na revista e recordou a detenção de 40 repórteres em 2009, acusados de vazarem informação sobre a Eritreia para a imprensa estrangeira.“Não tinha direitos como jornalista e era perigoso até trabalhar para a televisão estatal. Se fizesse algo que não gostassem, chamavam a polícia”, afirmou Beyene. As detenções ocorriam até mesmo quando os profissionais descansavam na sala de chá.
Por medo de propagação do movimento de protesto conhecido como Primavera Árabe, as autoridades da Eritreia planejaram, em 2011, oferecer serviços de internet aos seus cidadãos, mas é uma lenta conexão telefônica, e menos de 1% da população se conecta, segundo a União Internacional de Telecomunicações da Organização das Nações Unidas (ONU). Além disso, a Eritreia tem o menor número de usuários de telefone celular, apenas 5,6% dos pouco mais de 4,6 milhões de habitantes.
“Os jovens não têm oportunidades para fazer suas coisas, não podem fazer nada por sua família, tudo empurra para deixar o país”, disse Yonathon, de 31 anos, que emigrou em 2011 e passou um ano em um acampamento de refugiados antes de se mudar para Adis Abeba. “Ninguém pode defender a justiça ali, antes de começar você é detido”, lamentou. O governo autoritário da Eritreia emprega uma vasta rede de espiões, “mas é uma questão de sobrevivência, para alimentar suas famílias, a situação os obriga a espiar”, justificou, sem aprovar a atitude.
Yonathon e seu amigo Teklu, de 29 anos, têm amigos eritreus que tentaram cruzar o Mediterrâneo a partir da Líbia. Felizmente, nenhum de seus conhecidos morreu em travessias, ao contrário dos milhares de pessoas que deixaram suas vidas no mar. No entanto, uma sobrinha de Yonathon, de 20 anos, morreu na Líbia enquanto esperava para cruzar o mar, mas não se sabe a causa, e Teklu tem familiares sequestrados durante sua travessia por terra para o norte, mas libertados após pagamento de um resgate.
“Naturalmente que pensei sobre isso”, reconheceu Yonathon sobre a possibilidade de emigrar para a Europa. “Há quatro anos estou aqui, e qual será meu futuro se permanecer?”, perguntou.As frustrações dos refugiados concentram a atenção da revista de Estifo, chamada Tsila, termo em idioma tigrínio para guarda-chuva, em alusão ao fato de os refugiados estarem sob o guarda-chuva protetor de outro país, pontuou o jornalista.
A revista é editada graças a fundos fornecidos pelo Conselho Norueguês para Refugiados e publicada de forma bimestral com tiragem de três mil exemplares, dos quais 600 são distribuídos em acampamentos de refugiados. Cada um dos sete jornalistas recebe um salário de US$ 31 por mês.“Não é muito dinheiro, mas temos que fazer isso, do contrário não nos ouvirão”, opinou Estifo ao explicar que o importante é mostrar que viver na Europa está longe da versão glamorosa que os jovens eritreus veem nas redes sociais.
A revista também publica matérias sobre artistas eritreus e atividades empresariais, e evita assuntos delicados de índole política ou religiosa para não ficar em uma posição incômoda, nem deixar a organização norueguesa nessa situação.
A Etiópia tem seus próprios problemas em matéria de liberdade de imprensa. O mesmo estudo do CPJ coloca este país em quarto lugar. “Só escrevemos sobre temas que não são controversos, mas queremos nos dedicar a assuntos que consideramos mais importantes”, reconheceu Estifo. “Porém, somos limitados pela disponibilidade de fundos. Se conseguirmos outros, poderemos escrever de forma independente sobre outros assuntos”, ressaltou.
Outro problema é que não têm recursos suficientes para ir até os acampamentos entrevistar os residentes eritreus. Os três maiores campos, May Aini, Adi Harush e Hitsats, ficam na região Tigray, no noroeste da Etiópia, perto da fronteira com a Eritreia e o Sudão e a centenas de quilômetros de Adis Abeba.Além disso, a revista não tem sede física, seus editores trabalham em seus notebooks em cafés com nomes italianos, pois a Eritreia foi colônia da Itália, mas com proprietários eritreus.
Estifo sonha com algum dia colocar no ar uma rádio que seja ouvida em seu país. “Sair da Eritreia é uma forma de protestar contra o governo, mas em lugares como a Etiópia, onde os eritreus devem se perguntar o que podem fazer para contribuir para a liberdade com seus próprios recursos”, destacou Estifo. Envolverde/IPS
*Na matéria foram usados apenas os primeiros nomes dos entrevistados por motivo de segurança.
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