Por Washington Novaes*
Melhor não postergar soluções. Isso pode ter consequências muito graves.
Com certo constrangimento, ao que parece (Estado, 18/10), peritos internacionais que terão de examinar queixa enviada pelos advogados do ex-presidente Lula com relação a procedimentos do Estado brasileiro que envolvem o ex-chefe do governo disseram desconhecer a questão. Segundo um desses peritos, “na melhor das hipóteses o tema deve entrar na agenda em meados de 2017” (embora nela já esteja protocolado). A denúncia é de “abusos de poder” do juiz Sergio Moro e de procuradores da Operação Lava Jato, além de “parcialidade” do Judiciário. Será examinado pela Convenção Internacional de Direitos Políticos. Mas, conforme este jornal, com o acúmulo de atrasos, provavelmente “a questão não será tratada antes do fim de 2017”.
Resistirá durante quase um ano e meio? Com a balbúrdia nas nossas discussões políticas, ainda terá relevância? Principalmente não estando entre 25 casos prioritários já selecionados pela convenção?
O Partido dos Trabalhadores (PT) “contempla agora a perspectiva de se desmanchar como organização partidária, porque não poderá mais, talvez nunca, contar com a sedução do Estado para amalgamar forças progressistas que sustentem o mito do populismo hoje desmoralizado de Lula da Silva e seus cúmplices, boa parte dos quais devidamente encarcerada”. Tudo isso estaria conduzindo ao “grande racha que se delineia no partido (…) agora como “10.º em número de prefeituras conquistadas” (…). O fato é que a desconstrução do PT, até recentemente inimaginável, parece provável” (Estado, 18/10).
Já o historiador e professor da Unesp Albert Aggio pensa (18/10, A2) que os resultados eleitorais indicam, se não o fim do partido, ao menos o fim da era eleitoral de predomínio do PT. Não à toa, “voltou-se a falar em refundação do PT”, em ‘nova esquerda’ e mesmo numa “outra esquerda”. E mais: “O resultado eleitoral nada mais fez que jogar uma pá de cal no projeto de poder do PT, sem remissão”. E agora?
Os diagnósticos de que há um “avanço do conservadorismo”, afirma este jornal, não convencem, apenas levam mecanicamente a pensamentos como “fora Temer”, “fora o golpe”. O tempo exigiria “uma outra esquerda”, plural, democrática e reformista, “para ingressar no século 21 com, corpo e alma novos”. Mas do lado conservador também não se vislumbram novos caminhos. Quase invariavelmente surgem as velhas propostas, quase unicamente de defesa e até de ampliação dos velhos formatos dos capitais financeiros – em parte para compensar a remuneração desse tipo de investimento, principalmente externo, mas com forte influência nos índices internos de juros e de inflação.
Ao mesmo tempo que a situação se radicaliza no campo das palavras e até de algumas situações, seguimos nos impasses. O governo prepara – informa este jornal (13/10) – “uma campanha publicitária direcionada ao Nordeste para informar que a região vai entrar no sexto ano consecutivo da estiagem. Será a seca mais prolongada dos últimos 100 anos”, já com a previsão de colapsos de abastecimento de água para consumo humano em Campina Grande e pontualmente em Fortaleza. E, inacreditavelmente, o objetivo primeiro é evitar que o presidente da República “seja responsabilizado pela falta de água numa região em que já é impopular”. E mais: “O governo avalia que, se preparar a população para o problema, a reação será minimizada (Coluna do Estadão, 13/10). Só isso, mesmo com 6.800 carros-pipa atendendo a 3.500 localidades?
E onde estão pensamentos mais abrangentes para um país como o Brasil, que poderia ter posição privilegiada, com território continental, sol o ano todo, quase 13% de toda a água superficial existente no planeta, a maior biodiversidade planetária em vários biomas, imensa riqueza mineral? O que se vê, neste momento, é o início de uma discussão sobre a privatização do Aquífero Guarani, com 1,1 milhão de quilômetros quadrados – o maior depósito subterrâneo de água, que abrange as Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste –, sem lembrar que água é bem que se pode esgotar ou ter seu uso inviabilizado, como na região de Ribeirão Preto (SP). Ou ainda diante da proposta de fracking em vários pontos, condenada pela comunidade científica.
O que é possível ver neste momento é a total ausência de concepções políticas nacionais ou sua transposição para projetos políticos, sua discussão em campanhas municipais, estaduais ou nacionais, que levem a formulações capazes de preencher o vazio que nos cerca, à direita, à esquerda, no centro. Um marasmo preocupante, só quebrado em certos momentos, como o que este jornal registrou (18/10) com o assassinato do coordenador de campanha do candidato do PMDB em Porto Alegre e o ataque a tiros ao comitê do candidato Nelson Marchezan (PSDB).
Enquanto isso, seguimos com um índice brutal de desemprego, acima de 10%; mais de metade de nossas residências não são ligadas às redes públicas de saneamento – e quase tudo o que é ali coletado é despejado sem tratamento em rios (só agora se começa a despoluir os Rios Tietê e Pinheiros; mais de 10% das habitações urbanas não recebem água tratada); a poluição ambiental urbana vai literalmente à estratosfera, com a emissão de poluentes por carros e motos crescendo 192% em duas décadas.
Seria ingênuo supor que as corporações políticas, os ocupantes de cargos públicos – eleitos ou não – não tenham consciência desse quadro. Mais provável é que ele esteja umbilicalmente ligado às indicações para os cargos por motivos eleitoreiros, como as manifestações em praça pública explicitam. Mas há indicações de esgotamento, apesar das resistências dos beneficiários, sejam eles detentores do poder ou seus beneficiários. Com consequências que podem ser até dramáticas.
Diante da visibilidade do quadro, melhor não postergar soluções. Pode ter consequências muito graves. (O Estado de S. Paulo/#Envolverde)
* Washington Novaes é jornalista (e-mail: wlrnovaes@uol.com.br).
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo
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