Denúncia do Ministério Público mostra ação da Justiça, mas não resolve o problema das vidas assoladas pela lama.
Por Hélio Rocha. Especial para Plurale*
Linhares e Colatina (ES) – No próximo dia 5 de novembro, completa-se um ano desde o crime ambiental – o maior da História do Brasil – cometido pela mineradora Samarco, controlada pelas gigantes Vale e BHP Billiton, que destruiu os vilarejos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, no município de Mariana, deixou 19 mortos, centenas de desabrigados, poluiu o Rio Doce e desencadeou uma série de prejuízos econômicos em Minas Gerais e Espírito Santo que atingiu principalmente os mais pobres. Durante o ano de 2016, Plurale em Site e Plurale em Revista acompanharam o caso e estiveram em Mariana e municípios banhados pelo Rio Doce – em Minas Gerais e Espírito Santo – para conhecer o testemunho de quem foi atingido pela tragédia, além de cobrar as mineradoras e o Poder Público quanto a medidas para punir os culpados e reparar os danos causados. De uma forma geral, a constatação é de que pouco foi feito desde novembro do ano passado, tanto do ponto de vista social, quanto ambiental.
O sinal da tragédia ainda ronda Mariana. Os desabrigados ainda vivem na cidade, em imóveis alugados pela Samarco, a maioria tendo como único ganho o cartão com salário mínimo e cesta básica pagos pela empresa. A medida paliativa, anunciada pouco após o desastre, não repara a perda de quem tinha ganhos muito maiores com suas profissões. Imóveis e veículos foram indenizados em preço de tabela, muito abaixo do que poderiam valer em negociação. Os R$ 100 mil em caso de morte não reparam a dor da perda. Em Mariana, no Vale do Rio Doce ou no litoral capixaba, a sensação de injustiça permanece, mas a revolta ou a desolação dão lugar à certeza de que é preciso seguir a vida e lutar na Justiça e no dia a dia, a fim de recuperar a qualidade de vida e o meio ambiente.
Dos gabinetes do Judiciário, a última notícia é a denúncia, pelo Ministério Público Federal (MPF), de 21 pessoas por homicídio qualificado (entre outros crimes como lesão corporal, dano a patrimônio público e privado e ao meio ambiente), entre elas o presidente licenciado da Samarco, Ricardo Vescovi, além de outros diretores da mineradora, da Vale e da BHP. A ação é resultado de uma força-tarefa que constatou que os investigados sabiam dos riscos do rompimento das barragens e não teriam investido adequadamente na segurança das estruturas que abrigavam os rejeitos de minério. Tampouco teriam sido transparentes em relação à integridade das barragens. Os acusados podem ir a júri popular e estão sujeitos a até 54 anos de prisão. Entretanto, a morosidade da Justiça e a noção de que a punição não recupera o que foi perdido, põe as personagens dessa história diante de desafios mais pragmáticos e cotidianos: recuperar bens, renda, meio ambiente e um local para viver.
Os novos vilarejos. Promessa vai sair do papel?
A dúvida paira, entre os desabrigados de Mariana. A Samarco promete e construção de novos distritos para substituir Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, provendo casas e estrutura para que as vítimas possam voltar a viver próximas de onde moravam. Segundo as empresas, os locais estão escolhidos e foram definidos de acordo com a vontade de seus futuros moradores. De acordo com José do Nascimento, 71 anos, aposentado e presidente da Associação de Moradores de Bento Rodrigues, o projeto foi apresentado e foi escolhido um terreno próximo de Mariana. “O ano foi ruim demais, todo mundo viveu do cartão e das indenizações. A reconstrução do distrito seria um alento maior”, afirma. Antônio Pereira, 47, motorista, é mais cético. “Quanto mais o tempo passa, mais todo mundo esquece a tragédia e finge que é menor o dano que foi causado.”
A dona de casa Cleonice Rezende contesta a boa intenção da Samarco. Para ela, é inaceitável que dezenas de famílias sobrevivam com um salário mínimo. “Minha família tirava mais que isso no mês. E nenhuma indenização repara a história que foi perdida na lama de Bento Rodrigues.” A mulher inclusive, relata que a família retornou algumas vezes ao vilarejo submerso em lama para encontrar seus bens. “Achamos uma mesa que tinha sido feita na nossa casa, pelo meu marido.”
Plurale procurou a Samarco para questionar sobre o prazo e a execução das obras dos novos distritos, além de sobre a continuidade das medidas de reparação dos danos sociais e ambientais. Até o momento, não houve resposta. O IBAMA, em recente coletiva, criticou a lentidão das obras, enquanto a Samarco assegurou que o cronograma está sendo seguido.
Prejuízos na agricultura e na pesca
Ao longo do Rio Doce, toda a cadeia produtiva que dependia da bacia hidrográfica do leste de Minas Gerais e do estado do Espírito Santo foi severamente prejudicada. A pesca, principalmente, foi atingida de forma irreparável neste último ano. Por centenas de quilômetros, ribeirinhos foram impedidos de pescar e ficaram à mercê do cartão da Samarco, tornando-se mais um grupo de famílias que ficou relegado a receber um salário e pouco mais de R$ 400 de cesta básica. Na alta temporada da pesca, a atividade costumava render R$ 4 mil por família, de acordo com os trabalhadores.
O engenheiro especialista em gestão de recursos hídricos do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), César Carvalho, afirma que a crise hídrica provocada pela tragédia impacta até hoje a região. Contudo, programas de irrigação e a perfuração de poços artesianos atenuaram o problema e mantiveram a agricultura na ativa. O mesmo não pôde ser feito com a pesca. “Foi o setor econômico mais afetado, pois até a presente data a população não tem garantias de consumo saudável do pescado e a atividade vem retornando suas atividades de uma forma não atestada.”
Muitos pescadores estão voltando a pescar sem qualquer laudo oficial que os autorize, no desespero para recuperar a renda perdida. De acordo com o pescador do município de Linhares Leoni Carlos, 69 (foto), além da falta de renda, a inatividade acarreta prejuízos. “Barco parado gera despesa. É propriedade, tem imposto. Além disso, a inatividade prejudica a madeira, os materiais, a estrutura toda.” O trabalhador, que não está pescando, diz entender a situação dos colegas. “Muitos têm família para sustentar e há, inclusive, quem, mesmo cadastrado como pescador, não tenha recebido o cartão da Samarco. A gente liga e o pessoal da empresa afirma que essa pessoa ‘não se enquadra no perfil’, sem mais explicações.”
O Fundo Renova, responsável pelo contato com a população para ressarcimento e assistência às vítimas, pertence à própria Samarco e é representado pela mesma assessoria, que ainda não retornou á Plurale. (Plurale/ #Envolverde)
* Publicado originalmente no site Plurale.
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