De fato, um dos maiores desafios da Nova Agenda Urbana é a sustentabilidade ambiental e financeira da infraestrutura necessária para desenvolver os compromissos assumidos em Quito em matéria de habitação, transporte, serviços públicos e acesso a informática.
Por Emilio Godoy, da IPS –
Quito, Equador, 26/10/2016 – “Nós prefeitos temos que administrar as cidades médias como se fossem capitais”, afirmou Héctor Mantilla, prefeito de Floridablanca, a terceira cidade em importância do departamento de Santander, no norte da Colômbia. “Os cidadãos não querem apenas serviços públicos, mas também infraestrutura, e assim podem ser geradas obras sustentáveis”, ambiental e financeiramente, acrescentou.
Mantilla, que ocupa o cargo desde janeiro deste ano, participou da terceira Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Habitat III), realizada na capital do Equador entre os dias 17 e 20 deste mês, que desembocou na Declaração de Quito Sobre Cidades e Assentamentos Sustentáveis Para Todos, conhecida com Nova Agenda Urbana (NAU).
Na cúpula, que a ONU Habitat organiza a cada 20 anos, Mantilla falou das necessidades de infraestrutura e sobre sua gestão. Floridablanca, com 300 mil habitantes, faz parte da área metropolitana de Bucaramanga, junto com outros dois municípios. Para atender diferentes demandas sociais, a administração local construiu dois distribuidores viários e um parque de parapente.
As experiências e expectativas do prefeito refletem as preocupações dos governos, especialmente municipais. De fato, um dos maiores desafios da NAU é a sustentabilidade ambiental e financeira da infraestrutura necessária para desenvolver os compromissos assumidos em Quito em matéria de habitação, transporte, serviços públicos e acesso a informática.
Para a mexicana Alicia Bárcena, secretária executiva da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), as prioridades residem em mobilidade, água e saneamento, moradia adequada, resiliência, energia renovável, fomento à digitalização e combate à segregação e à desigualdade.“Falta estrutura. Não está suficientemente integrada. Temos dois cenários. O norte-americano, com taxas de motorização aceleradas, ou o europeu, com cidades menores, onde o uso do carro particular é desestimulado”, explicou à IPS
A dirigente da Cepal afirmou que “é necessário um tipo de infraestrutura e planejamento para que seja resiliente”, uma característica fomentada nos últimos anos por organismos internacionais como Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e relacionada com a capacidade de um ecossistema para absorver o estresse ambiental sem mudar seus padrões ecológicos característicos.
Em 2015, 54% da população mundial vivia em entornos urbanos, taxa que subirá para 66% até 2050. O continente americano será a região mais urbanizada do mundo, com 87% de população urbana. Em particular, a América Latina e o Caribe terão 86%, Oceania 74%, Europa 82%, Ásia 64% e África 56%.
O estudo América Latina e Caribe, Desafios, Dilemas e Compromissos de Uma Agenda Urbana Comum, divulgado durante a cúpula de Quito, diz que, apesar do considerável aumento de infraestrutura obtido nas últimas décadas, seu déficit nas cidades continua sendo um dos maiores desafios para os países em desenvolvimento em geral.
O documento, elaborado pelo Fórum de Ministros e Autoridades Máximas da Habitação e do Urbanismo da América Latina e do Caribe, pela Cepal e pelo Escritório Regional para a América Latina e o Caribe da ONU Habitat, diz que a América Latina e o Caribe têm taxa de investimento de 2% do produto interno bruto regional, contra 8% do PIB regional do sudeste da Ásia.
A taxa de investimento total em infraestrutura “esteve em retrocesso nas três últimas décadas, devido, sobretudo, a uma redução relativa do investimento público, a um aumento limitado do investimento privado e a uma retração das fontes de financiamento multilateral”, segundo estudo.
No Sul em desenvolvimento as metrópoles enfrentam contaminação, exposição à mudança climática, crescimento caótico, trânsito congestionado, proliferação da economia informal e desigualdade. Vários cálculos medem a dimensão dos requerimentos. O Programa Cidades Emergentes e Sustentáveis do BID estima a brecha de infraestrutura urbana para investimentos prioritários nessas cidades em US$ 142 bilhões.
Por seu lado, a Aliança da Liderança de Cidades para o Financiamento Climático projeta uma necessidade global de US$ 93 trilhões para infraestrutura de baixo carbono e resiliente à mudança climática durante os próximos 15 anos.A NAU menciona 33 vezes a palavra “infraestrutura”, embora careça de vias e metas para desenvolvê-la.
A pergunta recorrente é de onde sairá o dinheiro para a infraestrutura, considerando que regiões como a América Latina atravessam um freio econômico, depois de uma década de expansão, que permitiu combater a pobreza e ampliar a obra pública.
O colombiano Andrés Blanco, especialista em desenvolvimento urbano e habitação do BID, propõe vários mecanismos, entre eles a recuperação da renda urbana ou do lucro do solo para o Estado. “A ideia básica é utilizar esse recurso para financiar infraestrutura. Mas não se faz porque há um problema de fluxo de caixa. O custo é pago pelo governo e pelas comunidades, mas se privatiza o beneficio ao dono do solo”, apontou à IPS.
Em três cidades brasileiras, o BID registrou que o investimento de US$ 1 por metro quadrado em instalações de água potável eleva o valor do solo em US$ 11, de US$ 3 por m2 em esgoto elevou esse valor em US$ 8,50; e de US$ 2,58 por m2 de pavimentação, em US$ 9,10. Em Quito, a transformação de solo rural em urbano o valorizou em 400%.
Em Quito,o BID publicou o documento Expandindo o Uso da Valorização do Soloe em breve divulgará outro sobre o lucro urbano.Em Floridablanca, o governo local recuperou US$ 30 mil, de um total de US$ 175 mil, que cem propriedades devem pagar por terem se beneficiado por investimentos em equipamentos urbanos. “Osrecursossãoo grande desafio da NAU, como encontrar financiamento. Os prefeitos devem priorizar a obra de pequena escala, mas é necessária grande infraestrutura nas áreas metropolitanas”, disse Mantilla.
Para Bárcena, a Habitat III deixa “uma grande tarefa de financiamento. O uso do solo poderia ser mais rentável. Os Estados não podem sozinhos, por isso, tem de haver uma grande coalizão entre governos, empresas, organizações para tornar mais habitável o espaço público e urbano e conectar mais as cidades”.
A Cepal, que elabora um estudo sobre o uso do tempo nas cidades, propõe mecanismos como políticas de captura do valor do solo, para aumentar a arrecadação e dirigir a forma e a infraestrutura urbana; a emissão de bônus municipais, para arrecadar capital para projetos de infraestrutura de longo prazo; e plataformas de investimento para atrair dinheiro privado.
No Panorama Global Sobre Caminhada e Ciclismo, divulgado em Quito, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) exorta os países a investirem pelo menos 20% de seus orçamentos de transporte em infraestrutura para pedestres e ciclistas, para salvar vidas, reverter a poluição e reduzir as emissões de carbono. Envolverde/IPS
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