Mudanças climáticas à vista nas margens do Rio São Francisco
Na Bahia, quase a metade das cidades da caatinga, no entorno do Rio São Francisco, têm alto risco de sofrer danos provocados pelas mudanças climáticas nos próximos 25 anos. A conclusão é de um estudo realizado por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que mapeou a vulnerabilidade às alterações do clima em 84 municípios, que fazem parte da bacia hidrográfica do Velho Chico e estão localizados na região do bioma caatinga. Coordenada pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) e Centro de Pesquisas René Rachou (Fiocruz-Minas), a pesquisa utiliza uma metodologia desenvolvida na Fiocruz que já foi aplicada para mapear a vulnerabilidade nas cidades do Rio de Janeiro. O trabalho foi financiado pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, por meio de edital, e contou com o apoio da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz.
A gravidade das alterações climáticas previstas para a região foi um dos fatores que levaram os pesquisadores a realizar o estudo. “Esta será uma das áreas mais afetadas pelas mudanças do clima. Além disso, o bioma da caatinga é muito peculiar e característico do nosso país. É importante preservá-lo”, afirma a pesquisadora do IOC Martha Barata, coordenadora-geral do projeto. Especialista em mudanças do clima e cidades, Martha é coordenadora do núcleo da Rede de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Urbanas (UCCRN, na sigla em inglês) para a América Latina, anunciado no ano passado.
Calcular o impacto das alterações de chuvas e temperatura em cada cidade é apenas uma das etapas para determinar a vulnerabilidade da população às mudanças climáticas. Segundo Martha, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (chamado de IPCC, na sigla em inglês) define a vulnerabilidade como “a propensão a sofrer danos”. Esta é influenciada pelo nível de exposição, pela sensibilidade e pela capacidade de adaptação da população ao fator de perigo. “No estudo, consideramos que o nível de exposição é apontado pelas características ambientais, a sensibilidade pode ser percebida pela ocorrência de certas doenças, a capacidade de reação é indicada pelo perfil socioeconômico do município, e o fator de perigo é a possível mudança do clima”, enumera a pesquisadora.
Entre os 84 municípios analisados na Bahia, 34 foram classificados nas faixas de maior vulnerabilidade mesmo no melhor cenário climático. Já considerando as piores previsões para o clima, o número de cidades com vulnerabilidade alta ou muito alta chegou a 40. A maioria das cidades nesta situação está concentrada entre o oeste e o sul da região estudada, em uma área que vai de Campo Alegre de Lourdes até Mortugaba. Nesse trecho, os cientistas preveem os maiores impactos do aquecimento global, tornando o clima extremamente quente e seco. Entre as cidades mais vulneráveis estão os municípios de Urandi e Rio do Pires, que revelam como os diferentes fatores contribuem para o problema: de um lado, as falhas na saúde e a degradação ambiental deixam a população exposta; de outro, as fortes mudanças do clima representam uma grande ameaça. O resultado é uma população com altíssima propensão a sofrer danos no futuro caso medidas de adaptação, que reduzam a vulnerabilidade da população, não sejam adotadas.
Os pesquisadores ressaltam que combater os fatores de vulnerabilidade é uma forma de preparar as cidades para enfrentar as mudanças climáticas no futuro. “Problemas de saúde e de condições socioeconômicas que já existem devem ser agravados pelas mudanças do clima. As cidades precisam de investimentos para dar à população condições de lidar com eventos extremos, como a seca, que deve se intensificar na região”, avalia Diana. Além disso, embora os efeitos das mudanças climáticas devam ser mais graves na parte oeste e sul da área estudada, os autores destacam que condições de vulnerabilidade foram identificadas de forma disseminada. “O município menos vulnerável da região é Paulo Afonso, que constitui um polo econômico por causa da hidrelétrica. No entanto, ao lado desse município está Jeremoabo, que tem alta vulnerabilidade, considerando as condições socioeconômicas, ambientais e de saúde. Esse é um ponto relevante uma vez que o poder público tem a possibilidade de trabalhar para que as áreas mais desenvolvidas influenciem as cidades do entorno”, relata Martha.
(Reportagem: Maíra Menezes – IOC/Fiocruz)
Informe ENSP, in EcoDebate, 16/02/2016
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