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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016
Oceano mais quente, muito mais degradado
Por Washington Novaes*
Há poucos dias, o World Ocean Assessment divulgou (21/1) texto do estudo que já fora aprovado pela ONU em dezembro último, preparado em 55 capítulos por 600 cientistas da área para orientar decisões que terão de ser tomadas no mundo, de modo a enfrentar graves problemas na degradação dos oceanos – com os altos custos ambientais, sociais e econômicos daí decorrentes. Isso exigirá a integração das propostas para todos os setores de atividades humanas que afetam os oceanos. Os impactos aumentaram “dramaticamente” nas últimas décadas e levaram a capacidade de resistência das águas marítimas à “proximidade do esgotamento”.
Segundo o Observatório do Clima (25/1), a temperatura dos oceanos aumentou muito nos últimos 50 anos, na faixa dos 700 metros mais rasos. O aumento anual foi mais de duas vezes superior ao que era há 18 anos, diz o Laboratório Lawrence Livermore, dos Estados Unidos.
De acordo com esse documento, a temperatura na Terra “sobe hoje mais (um terço) em camadas mais profundas, abaixo da superfície”. E foi a partir do início do século 21 que esse aumento de temperatura passou a ser mais forte. Já de 1997 em diante “os oceanos passaram a esquentar duas vezes mais e as camadas abaixo de 700 metros passaram a responder por uma parte cada vez mais significativa da absorção de calor” (em 1988 começara o “hiato de aquecimento”, com a temperatura global se acelerando em ritmo menor, apesar do aumento da concentração de dióxido de carbono no ar); 14 dos 15 anos mais quentes da História do planeta aconteceram neste início de século 21.
Hoje, acreditam os cientistas do Met Office, órgão meteorológico oficial da Grão Bretanha, que o calor pode chegar (O Globo, 1.º/2) a recordes até 2020. No ano passado, a temperatura elevou-se 0,44 grau Celsius e poderá continuar alta este ano, com El Niño. Canadá, Estados Unidos e Groenlândia assinaram acordo para enfrentar juntos a questão do degelo no Oceano Ártico (New Scientist, 21/11/15).Teme-se que o derretimento dos glaciares possa drenar parte da vasta camada de gelo da Groenlândia – o que poderia resultar em 50 centímetros mais no nível do mar. Até o final do século poderia acontecer até uma elevação de mais de um metro no nível do mar – com consequências graves em muitas áreas, muitos lugares no mundo.
Os problemas nos oceanos continuam cada vez mais preocupantes, com essas e outras questões relacionadas – clima, frequência de tempestades, acidificação de águas oceânicas, pesca insustentável, navegação poluidora afetando a biodiversidade, invasão de espécies, resíduos e emissões de indústrias offshore, deposição de lixo, segundo o estudo do World Ocean Assessment apresentado à ONU.
Avaliação de informações geológicas pela Universidade de Vermont (EUA) chega a dizer que a elevação do nível do oceano na Baía de Chesapeake (na região de Washington), em velocidade maior que a média global, em cem anos pode atingir cem centímetros ou mais – um problema de dimensões inimagináveis. Por aqui, entende um comitê Brasil-Inglaterra-Estados Unidos (Folha de S.Paulo, 4/12/15) que já é preciso recuperar trechos da orla marítima de Santos – inclusive porque até 2050 o nível do mar pode subir mais de 30 centímetros na região e chegar a 45 centímetros até 2100 (a taxa global que prevê é de 28 a 89 centímetros até o fim do século). Será indispensável recuperar mangues (problema também em muitas outras partes do País), “engordar” praias e recifes (incluindo Pernambuco e Rio Grande do Norte), providenciar defesas para muitas áreas urbanas de Santos.
Já a Nasa, a Agência Espacial dos Estados Unidos, afirma que o nível do mar, em média, subiu quase oito centímetros no mundo desde 1992 e que essa mesma tendência deverá manter-se nos próximos anos (Eco-Finanças, 28/8/15). Até aqui, as costas da Ásia e da Oceania, no Pacífico, assim como as do Mediterrâneo Oriental e da América foram as mais atingidas. E a atividade humana é a principal causa da modificação nos oceanos e mares, assim como nos gelos da Antártida, no aumento da temperatura da água. “Pode piorar”, tem dito o geofísico Steve Neren, da Universidade do Colorado.
Há regiões com problemas gravíssimos já hoje, como Kiribati, a República insular do Pacífico, com 100 mil habitantes, que poderá desaparecer. Que fazer com a população? Com que recursos? E com as ameaças a terras próximas? A República de Fiji também já está realocando parte de sua população.
Mas nem a pesca excessiva e insuportável no mundo se consegue enfrentar. Tampouco no Brasil. Segundo a FAO-ONU, de 20% a 30% da população mundial de peixes está sobre-explorada ou esgotada; em 30 anos a ameaça pesará sobre 80% das espécies. Nada menos que 12% da população mundial depende da pesca (158 milhões de toneladas em 2012) e da aquicultura. É indispensável e urgente, segundo o órgão da ONU, uma mudança radical nas formas de gestão dos recursos marinhos, para salvar “a segurança alimentar mundial” – sem falar nos custos atuais de US$50 bilhões anuais com a geração de problemas.
Precisamos pelo menos, e com urgência, diagnosticar no Brasil com exatidão as questões da sobrepesca, da vida de mais de 1 milhão de pessoas que trabalham nessa atividade. E os danos já provocados nas áreas costeiras, principalmente o desaparecimento de mangues – berço da vida marinha. Não se pode “deixar como está para ver como é que fica”, diante se um ministério da Pesca inexpressivo – num país com o privilégio da costa extensa de que dispomos, na qual poderíamos centrar formatos decisivos para as áreas econômica, cultural e ambiental. Enquanto é tempo. (O Estado de S. Paulo/ #Envolverde)
* Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.
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