A jornada de coletores e iniciativas voltadas para recuperação ambiental entorno da semente.
O sol nasce no centro-oeste do país, no fuso horário de uma hora a mais do que Brasília. Cercada pelo cerrado, mais especificamente na cidade de Diamantino, localizada a 183 km de Cuiabá. É cedo, é dia de colheita. O café já está posto à mesa, prepara-se o “quebra – torto” (farofa) e o pão para comer mais tarde. Hoje, a coleta é com o vizinho do sítio ao lado. O dia começa e termina com o podão, lona no chão, e sacos de semente, para que elas tomem vida em outros lugares onde estão em falta.
Esse pode ser apenas um dia da rotina dos coletores de semente, da Associação Ceiba, do assentamento em Diamantino, Mato Grosso. Pela qual 12 famílias fazem parte do núcleo de coletores de sementes.
As sementes possibilitam uma longa cadeia de produção que começa pelos coletores, passam por instituições, técnicos e terminam em áreas de recuperação ambiental. Os coletores têm a responsabilidade de captar e entregar a natureza novas vidas. De família de agricultores, Rosevethe Marques Martins, 66 anos, começou a colher sementes em 2007, sendo uma das pioneiras da Associação. “Eu sempre e gostei de plantar semente. Sempre me fascinou porque eu colocava uma sementinha de abóbora no chão, e depois eu via um pé de abóbora cheia de abóbora. Aquilo me encantava. Então, semente sempre me fascinou.” acrescentou.
Ela conta que no início colhia sementes sozinha, mas hoje conta com a participação da sua família. “Hoje mesmo aqueles que não coletam apoiam muito. Toda a família apoia. A semente acabou juntando mais a família” ressaltou Rosevethe .
O trabalho com as sementes, no começo, não era bem aceito pelas pessoas. Segundo Rosevethe, eles não tinham incentivo. “Era um serviço da marginalidade, tipo assim. Você era discriminada. As pessoas demoraram muito para perceber o coletor de semente como uma parte importante do processo de vida no planeta terra.” disse ela. O cenário está diferente hoje, para ela o seu trabalho está sendo valorizado pela sociedade. Pela qual há mais procura por sementes. “Nós somos pequenos, mas a ação é grande. Não adianta você ser grande com a ação pequena.”explica.
Em busca de novo ritmo de vida Antonio Augusto Marques Martins, 45 anos, filho de Rosevethe, muda-se com a família de Cuiabá para o campo. Coletor de sementes desde 2010, e secretário da Ceiba ele explica que coletar semente significa sua continuidade como ser humano. “Então, representa isso a minha existência, da minha família nessa questão de meio ambiente, da terra do solo, de tudo que compõe isso daqui.” disse ele.
A semente é possibilidade de mudança de olhar com natureza. Para Aparecida Fátima Oliveira Martins, 51 anos, esposa de Antonio, também coletora, sua motivação em começar uma faculdade veio da vivência com as sementes. “ Eu me encantei. Você vai no meio da floresta catar semente, limpa e ela se tornar de novo uma árvore. Me apaixonei.” Sua função na Associação é “Elo”, busca novas pessoas para fazer parte da coleta. Hoje, ela cursa o terceiro semestre de biologia. Segundo Aparecida, a primeira vez que coletou sementes teve muito significado em sua vida. “Teve um ano que eu queria ir para São Paulo ver os meus pais, no litoral. Não tinha dinheiro, mas fomos catar semente para poder viajar. Foi a primeira vez que eu viajei de avião, com o dinheiro da semente que nós colhemos.” recorda a coletora.
Associação Ceiba
A Associação Ceiba está localizada em Diamantino, Mato Grosso, sendo composta por 12 famílias de assentados. A Ceiba foi fundada em 2010, a partir da necessidade de manter os donos dos sítio e suas gerações futuras nas propriedades, isto é, dar a possibilidade de trabalho e sustento dentro do campo. Uma das atividades realizadas pelo grupo é a coleta de sementes nativas, em sua maioria do cerrado. Desde 2010, são parceiros da Rede de Sementes do Xingu, para onde as sementes são destinadas.
As atividades são organizadas de acordo com o potencial que enviam para a Rede. Contendo informações das espécies que serão coletadas e a quantidade de cada uma. O grupo organiza as pessoas responsáveis pelos fragmentos (áreas que serão coletadas), podendo ser dentro dos próprios lotes, ou dos seus vizinhos ou até mesmo na cidade. “ No dia que a gente vai para a coleta, a gente sai o mais cedo possível. Um dia antes preparamos o material: o podão, a lona, e sacos para colocar as sementes. Antes, faz um quebra toco que é uma farofa, um pão com ovo. Se for dentro da comunidade, por exemplo, eu posso ir depois do almoço. Geralmente saímos em duas pessoas.” conta Antonio. Após a coleta, elas são limpas, beneficiadas e armazenadas na casa de sementes. Para depois ser entregue à Rede de Sementes do Xingu.
A semente é uma das formas de agregação de renda das famílias, pois elas não podem ser coletadas o ano inteiro. “ O pico da coleta é em maio, junho, julho, agosto e setembro…” ressalta Antonio.
As espécies coletadas são baru, cajuzinho, adubação verde (feijão de porco, feijão guandu), periquitinha, a maioria do cerrado brasileiro. Em 2019, o grupo coletou 62 espécies de sementes nativas. Segundo Antonio, foi o potencial de 761 quilos de sementes no ano inteiro do ano passado.
Rede de Sementes do Xingu
A Rede de Sementes do Xingu é uma organização que atua na oferta de sementes nativas e no processo técnico para restauração de ambientes degradados. Segundo Valter Hiron, da área comercial da Rede de Sementes do Xingu, a rede faz toda a cadeia de restauração, desde a venda da semente, o plantio, assistência técnica e monitoramento da área.
Hoje, possui 568 coletores distribuídos em assentamentos indígenas e coletores urbanos.
Segundo Valter, “O total que foi distribuído para esses coletores durante o ano de 2019, foi uma renda de 633 mil reais.”. Uma vez que atividade é uma agregação de renda.
A Rede foi criada pela iniciativa do Instituto Socioambiental (ISA). Segundo a técnica em restauração ecológica do ISA, Lara Aranha da Costa, as instituições passaram por processo de separação. “O ISA tem a parte da restauração que compra as sementes da Rede, mas agora também tem a Rede partindo para a área de restauração e o ISA sendo parceiro. São duas frentes que agora são diferentes. Mas não deixa de ser parceria” explica Lara.
Em seus apoios técnicos de restauração, a Rede implementa o método de plantio chamado de Muvuca. De origem indígena, ela é a mistura de várias sementes para ser plantadas ao mesmo tempo. Além de Muvuca, a técnica pode ser chamada também de Semeadura Direta.
Caminhos da Semente
Para incentivar a Muvuca, em 2019, foi criado a iniciativa Caminho das Sementes. Ela conta com organização de diferentes frentes: a Agroicone, faz a coordenação geral, Instituto Socioambiental – apoio técnico, Partnerships For Forests, programa do Reino Unido – apoio financeiro. Conta também com apoio de comitê de especialistas, ONGs, representantes de governo e o setor privado.
O Caminhos da semente vem no momento em que a Agenda de Restauração está em evidência. No Brasil, aproximadamente 19 milhões ha tem necessidade de restauro para o comprimento do Código Florestal – Lei de Proteção da Vegetação Nativa LPVN – Lei nº 12.651/12.
Segundo Laura Barcellos Antoniazzi, especialista em agricultura e sustentabilidade da Agroicone e coordenadora da Iniciativa, a iniciativa está dividida em duas fases. A primeira era diagnosticar o problema, neste caso, o porquê do método não era mais utilizado. A segunda fase foi fazer um plano de ação, que foi finalizado entre julho e agosto. E no momento, o projeto passa pela fase de implementar a técnica em locais que necessitam de restauração ambiental.
A iniciativa tem como foco os estados de São Paulo e Mato Grosso, porém acabou agregando os estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro. “Eram áreas onde queríamos produzir a semeadura e que ainda tem pouco uso no sudeste, na mata atlântica. Eles tem bem menos experiência com a semeadura direta do que o cerrado e a amazônia.” acrescentou Laura.
O projeto tem o intuito de trabalhar com toda a cadeia de restauração. Por isso, segue cinco pilares: capacitação, apoio a novos plantios, apoio a sementes, normas e difusão de conhecimentos. Uma das características da iniciativa é que o plantio seja um local de aprendizado e qualificação. Por isso, pretende desenvolver assistência técnica a distância, que integrará uma plataforma virtual,a qual terá cursos de qualificação.
Uma de suas metas é triplicar o uso da muvuca, chegando ao fim do ano com 2.100 ha plantados. Por isso, uma de suas parcerias foi com o Sesc Serra Azul em Rosário do Oeste no Mato Grosso, para a recuperação de uma parcela de mata nativa. “Tínhamos a meta de 25 e já chegamos a 35 plantios apoiados nesse primeiro ano de iniciativa são cerca de 170 hectares.” explica Laura Barcellos.
Muvuca/ Semeadura Direta
A cadeia da semeadura direta se dá em primeiro momento na análise da área que vai ser restaurada. Segundo técnico agropecuário e biólogo da Agroicone Maxmiller Ferreira, a fitofisionomia do local deve ser observada e respeitada, isto é, em um mesmo bioma há diferentes tipos de vegetação e eles devem ser levados em conta no momento de selecionar as sementes para semeadura. Elas são categorizadas em adubo verde, pioneiras e tardias.
O método é capaz de acelerar o processo da restauração, fazendo com que a sucessão ecológica se torne mais rápida. “A gente achata o processo de 100 anos semeando todos esses grupos ao mesmo tempo. Ao mesmo tempo que todas nascem a cobertura do feijão e das pioneiras criam condição para as tardias ficarem esperando. As sementes tardias crescem devagar e a medida que as pioneiras vão ganhando biomassa, as outras espécies vão crescendo.” explica Maxmiller.
Conforme dados da Agroicone, a semeadura direta é de baixo custo. Chegando a custar aproximadamente ⅓ a menos em relação com outros métodos, como por exemplo, o plantio de mudas. Para Maxmiller, a cadeia de sementes é mais acessível por ter menos etapas em sua produção. E o tempo e gasto com a manutenção são menores. (#Envolverde)
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