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terça-feira, 4 de agosto de 2015

Ameaça ao mais antigo parque nacional africano


Um dos cerca de 200 gorilas da montanha no Parque Nacional de Virunga, na República Democrática do Congo. Foto: Wikimedia Commons
Um dos cerca de 200 gorilas da montanha no Parque Nacional de Virunga, na República Democrática do Congo. Foto: Wikimedia Commons
Por Tony Weaver, do Daily Maverick
Localizado entre Ruanda, Uganda e República Democrática do Congo, parque nacional contém cerca de 40% das espécies do continente africano; abundância de recursos naturais coloca parque e funcionários em risco devido a exploração ilegal
Cidade do Cabo, 9/7/2015 – Este é um dos mais belos lugares do planeta. E também um dos mais trágicos. É o lugar onde se encontram as fronteiras de Ruanda, Uganda e da República Democrática do Congo.
Abrangendo toda a região, o Parque Nacional de Virunga, com 7.800 quilômetros quadrados, é o mais antigo parque africano e uma das mais importantes regiões protegidas do continente.
“Esta é provavelmente a maior área protegida do mundo, contendo até 40% das espécies que vivem na África, com mais espécies endêmicas do que qualquer outro parque no continente”, afirma Emmanuel de Merode, administrador-chefe do parque (seu cargo oficial é o de diretor), da sua maneira calma e humilde.
No dia 15 de abril de 2014, De Merode sofreu uma emboscada na estrada entre a capital regional, Goma, e a sede do parque, próxima a Rumangabo. Ele foi baleado no peito e no abdômen. De Merode teve muita sorte em sobreviver. Durante o genocídio ruandês, em abril de 1994, e após o subsequente aumento do número de milícias operantes na região leste da República Democrática do Congo, 140 guardas florestais do parque de Virunga foram mortos em confrontos entre caçadores ilegais e milicianos, atividades que frequentemente se confundem na região. A sede do parque foi bombardeada e atacada.
O Parque de Virunga é constantemente sitiado por combatentes de 12 milícias diferentes, incluindo o M23, as Forças Democráticas pela Libertação de Ruanda (FDLR), o Nyatura e o Maimai. Eles competem uns com os outros pelo lucro facilmente obtido com a venda dos recursos naturais do parque: peixes do Lago Edward, marfim de elefante, carne de animais selvagens e filhotes de gorila e, o mais importante, do ponto de vista econômico, carvão vegetal das florestas – especialmente se advindo das madeiras tropicais de crescimento lento das florestas de regiões altas. Agora, é preciso acrescentar também o petróleo à lista. Este é um dos tesouros escondidos da região e, simultaneamente, um de seus recursos mais tóxicos.
Elefantes e búfalos também são parte da fauna do parque Virunga. Foto: Wikimedia Commons
Elefantes e búfalos também são parte da fauna do parque Virunga. Foto: Wikimedia Commons
“Conseguimos proteger todas as principais espécies da extinção, com exceção do cão selvagem africano, mas as populações foram muito diminuídas”, diz De Merode. “Antes do genocídio em Ruanda e das subsequentes guerras civis no Congo, estimava-se que o número total de hipopótamos estaria entre 27 mil e 30 mil, sendo esta a mais importante população animal da África”. Em 2005, havia apenas 350 indivíduos restantes.
“Desde 2005, quando a Sociedade Zoológica de Frankfurt conduziu um levantamento aéreo e descobriu a extensão da matança de hipopótamos, nós temos nos esforçado muito para protegê-los, já que os hipopótamos, por depositarem cerca de 40kg de nutrientes por dia no Lago Edward, são importantes arquitetos do meio-ambiente. Eles ajudam a manter a indústria da pesca segura. Nós temos hoje cerca de 1.450 indivíduos”.
A indústria da pesca gera cerca de 40 milhões de dólares ao ano. “Os milicianos do Maimai, grupo composto originalmente por camponeses que acabou se tornando uma facção, são altamente desorganizados, mal treinados e mal armados. O grupo está intimamente ligado à atividade de pesca. Legalmente, apenas 700 embarcações têm permissão para circular no Lago Edward, mas há na realidade entre quatro e cinco mil delas, extraindo entre 12 e 14 mil toneladas de peixes por ano do ecossistema, com 80% deste volume sendo ilegal”, diz De Merode.
Assim como no restante da África, particularmente no leste da África, os elefantes do Parque de Virunga também estão altamente ameaçados. “Eles são um grande desafio. Graças ao alto preço do marfim e à ampla disponibilidade das armas de fogo na região, esta foi uma década difícil para os elefantes. Antes do genocídio e das guerras civis, tínhamos cerca de 3.000 elefantes da savana, o número hoje diminuiu para cerca de 200. Os elefantes das florestas são mais difíceis de contar, mas temos um número estimado entre 500 e 600. Eles são menos procurados, já que seu marfim é menos valioso”.
Para complicar a situação, a empresa britânica Soco possui direitos para a extração de petróleo em mais da metade do parque, e supostamente está negociando proteção com o M23. Esta é uma alegação veementemente negada pela Soco.
A região é uma das mais biodiversas e ecologicamente ricas do planeta. O Parque Nacional de Virunga é a espinha dorsal que une algumas das mais extraordinárias paisagens do continente: o maior lago de lava do mundo (o vulcão Nyiragongo), florestas que vão de regiões baixas às montanhas, a savana, campos nevados e geleiras. A área inclui o Parque Nacional da Floresta Impenetrável de Bwindi, o Parque Nacional das Montanhas Ruwenzori, o Parque Nacional do Gorila Mgahinga e o Parque Nacional da Rainha Elizabeth, em Uganda; além do Parque Nacional dos Vulcões, em Ruanda (mundialmente conhecido como o local do assassinato da zoóloga norte-americana Dian Fossey). O vulcão Nyamulagira, o mais ativo da África, também se encontra no parque, tendo já entrado em erupção 40 vezes desde o fim do século 19.
Virunga é Patrimônio Mundial da Unesco e, junto de Bwindi e outros parques da região, abriga, no flanco do vulcão dormente Mikeno, de 4.380 metros, os últimos 750 gorilas da montanha do mundo (o parque também abriga os últimos gorilas Grauer e chimpanzés, o que o torna o único lugar do mundo onde convivem três espécies de grandes símios).
Documentário “Virunga“, produzido pelo Netflix, mostra luta pelo parque

Emmanuel chegou ao cargo de diretor do parque em agosto de 2008, indicado pelo governo congolês após a demissão do diretor anterior, envolvido não apenas no comércio ilegal de carvão vegetal, como também no desmatamento das florestas de Virunga e na morte de nove gorilas da montanha em julho de 2007.
“O parque se tornou uma fonte de lucro para diversos grupos armados. Os guardas florestais de Virunga são vistos como uma força adversária, de modo que se tornaram um alvo. Cento e quarenta vigilantes foram assassinados por milicianos ou por traficantes de produtos silvestres desde que o conflito começou, e nossa sede em Rumangabo foi bombardeada e atacada.”
Rio Semliki em vista aérea parcial do parque. Foto: Facebook Virunga National Park
Rio Semliki em vista aérea parcial do parque. Foto: Facebook Virunga National Park
“Seis milhões de pessoas morreram no leste do Congo desde o genocídio, e embora isso tudo tenha sido causado pelo próprio genocídio, aquele terrível conflito, a exploração ilegal de recursos naturais no leste do Congo, uma área incrivelmente rica, continua. Muita atenção foi dada ao coltan (columbita-tantalita), mineral usado em telefones celulares e consoles de videogames, mas há outros recursos que são ainda mais importantes, particularmente os que se encontram dentro do Parque. Há dois recursos principais que são os mais buscados: petróleo e carvão vegetal.”
“O carvão vegetal é a chave; ele é encontrado em florestas, desde as florestas de regiões baixas até as florestas montanhesas. Há quatro milhões de pessoas vivendo a uma distância de um dia de caminhada do parque, e um dos bens mais importantes para estas pessoas é combustível para uso doméstico – para cozinhar, esterilizar a água ou qualquer outro uso essencial para a sobrevivência –, e este combustível é o carvão vegetal. O carvão vegetal é um dos recursos mais altamente destrutivos no continente africano e, no entanto, pouco se fala sobre ele. Ele causa altos índices de desmatamento, com consequências muito sérias para o bem estar humano, principalmente na região de Virunga”, diz De Merode.
“Oitenta por cento de sua biomassa é perdida antes que você possa sequer processar o carvão vegetal, já que eles não têm os recursos ou a tecnologia para processar o tronco de uma árvore, utilizando portanto apenas os galhos e abandonando o tronco para que apodreça. O resto é queimado de maneira muito pouco eficiente em fornos domésticos, de modo que o retorno à biomassa acaba sendo inferior a 10%. O carvão vegetal está por trás da insegurança na área. Há cidades como Goma, onde quase um milhão de pessoas dependem do carvão vegetal para sobreviver e as florestas adjacentes foram completamente aniquiladas, de modo que a única fonte confiável de carvão vegetal é o parque.”
“Isto o torna ilegal, o que acaba por gerar uma rede de tráfico altamente rentável para os grupos armados que a controlam. É por meio de uma medida de proteção que os grupos armados lucram: as mulheres que transportam os sacos de 80 quilos de carvão vegetal têm de pagar uma mensalidade de 25 dólares a fim de que não sejam estupradas ou atacadas pelas milícias. 25 dólares por mês multiplicado por milhares de mulheres acabam gerando um lucro bastante significativo para a FDLR”.
O cuidador Andre e o gorila Ndakasi, adoentado, no parque Virunga. Foto: Facebook Virunga National Park
O cuidador Andre e o gorila Ndakasi, adoentado, no parque Virunga. Foto: Facebook Virunga National Park
Os gorilas não eram o alvo primário do massacre de 2007, diz De Merode, mas sim os guardas florestais. A lógica é a de que, livrando-se dos gorilas, não haveria mais trabalho para os vigilantes. Desta forma, ninguém ficaria no meio do caminho entre os rebeldes e seu alvo: o habitat, as florestas, os peixes do Lago Edward, o coltan, o petróleo e outros minerais, todos os recursos naturais que fazem de Virunga um dos mais valiosos tesouros da África.
Mais de seis milhões de pessoas foram vitimadas desde 1994, o maior número de mortes registrado em um conflito desde a Segunda Guerra Mundial. “Mais de 90 bilhões de dólares foram gastos tentando levar paz e estabilidade ao leste do Congo, e nada funcionou”, diz De Merode.
Ele está trabalhando com várias organizações reunidas sob o título coletivo de Virunga Alliance, tendo realizado planos ambiciosos para a geração de pelo menos 60 mil empregos e transformação do parque e de seus recursos em uma área mais bem aproveitada do que é atualmente, na mão dos milicianos.
O plano inclui a construção de usinas hidrelétricas que gerarão até 100MW de energia para os quatro milhões de vizinhos do parque, substituindo o carvão vegetal como fonte de energia, além do aprimoramento das indústrias pesqueira e agrícola e do desenvolvimento do turismo.
De Merode se recusa a especular quem estava por trás da emboscada que quase o matou no ano passado. Sua página da Wikipédia afirma que “uma investigação sobre as motivações e identidades dos agressores está sendo conduzida pelas autoridades congolesas. Relatórios da imprensa citam vários suspeitos, incluindo pessoas envolvidas na produção ilegal de carvão vegetal, pessoas associadas à Soco International, a empresa britânica ligada à exploração de petróleo no parque nacional, e grupos de guerrilha associados às Forças Democráticas para a Libertação de Ruanda (FDLR)”. (Opera Mundi/ #Envolverde)
* Tradução: Henrique Mendes
** Publicado originalmente no site sul-africano Daily Maverick e financiada pelo Conservation Action Trust. Retirado do site Opera Mundi.

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